Cyro de Mattos
Era a primeira vez
Que tinha ido ver o mar.
Todo alegre, de calção,
Peito nu e pé no chão.
Quando viu tanta água
Fazendo barulho
Sem parar, disse:
– Pai, me dê sua mão.
....
DOIS POEMAS PARA O MEU PAI
Renato Prata
Mimese
De outrem pelo feitio
Não me pertence este gesto.
Com a propriedade dos que são únicos
Só meu pai o faria.
Dou-lhe forma por imitação
Inconsciente do feito
Flagra-se-me o gesto todavia
Quando já o tenho a meio
Nele o pai reconhecível
A completá-lo de fato
Sou não sou quem o fez
Preso à armadilha genética.
Quem vai plagiar
Meu desconcerto?
Um outro do mesmo
Quem é o tal que desconheço
E que imita o meu pai
A passar-se por mim?
Cuida iludir as pessoas
Como é do seu ofício
Mas posso encará-lo no espelho.
Noto a semelhança fatigada
O olhar que finge ser astuto
O disfarce e a lástima...
Não estou pronto para saber
Quem se põe atrás da máscara
Mas sei que está insatisfeito
E quer desistir de mim.
(De A Pulseira do tempo. Ilhéus: Mondrongo, 2012)