MÁRIO GUSMÃO - O PRÍNCIPE


MÁRIO GUSMÃO - O PRÍNCIPE

Para refrescar a memória neste dia 20 de Novembro


Mário Gusmão nasceu no dia em que os terreiros baianos comemoram o grande orixá Ogum. Começou a vida como servente num presídio de Salvador mas a curiosidade pessoal e o estímulo da família fizeram com que se dedicasse aos estudos, atingindo os limites a que os jovens negros e pobres conseguiam chegar na época e indo mais além.

O Ator Mário Gusmão, foi primeiro negro formado na Faculdade de Teatro da UFBA (Universidade Federal da Bahia). "É considerado precursor dos movimentos negros de Ilhéus e Itabuna pelos militantes destes municípios. Foi durante sua estada na região, na década de 80, que surgiram várias entidades importantes para a história de luta do movimento negro."
"Em 68 anos de vida (1928-1996) foi intensa a produção artística de Mário Gusmão: participou de dezenas de peças de teatro, de novelas e seriados da televisão brasileira; fez dezesseis filmes, além de inúmeros espetáculos de dança. Ganhou destaque no cinema com Glauber Rocha nos anos de maior efervescência cultural do país. Atuante no movimento negro apoiou a formação dos mais tradicionais blocos afros de Salvador.
Já na década de 80, revelou artistas do interior.

Morreu pobre, consumido pelo câncer, exilado na Avenida Peixe, no bairro da Liberdade, em 20 de novembro de 1996.
Mesmo exilado na Avenida Peixe, colaborou na Fundação do Afoxé Olorúm Baba Mi, deu aulas de dicção no Grupo Bloco Olodum, participou de vários Clips de Lazzo, cedeu sua imagem para o cartaz dos 100 Anos da Abolição, colaborou nos trabalhos musicais de Edilson Santana e muitos outros.



Ator, dançarino e coreógrafo, Mário Gusmão nasceu em Cachoeira, no Estado da Bahia, em 20 de janeiro de 1928.

Funcionário por 23 anos da Penitenciária Lemos Brito, seu espírito artístico o levou à Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, onde se diplomou em dezembro de 1960. A partir de então, dedicou-se inteiramente à cultura.

Nos anos 50 ele teve a “ousadia”, diante do racismo da época, de se matricular em um teste para a Escola de Teatro da UFBA, dirigido por Eros Martim Gonçalves. No teste de aptidão, além de representar, o então candidato dançava. Resultado: foi aprovado com nove notas 10 e uma nota 9, ganhando méritos imediatos para ingressar já no terceiro ano da Escola de Dança.

Formado pela segunda turma da Escola de Teatro da UFBA foi o primeiro negro formado por essa instituição.

Logo, Mário Gusmão partiu para representar no teatro e, dos palcos, pulou para o cinema e, depois, para a televisão.

Seu primeiro filme para o cinema foi "O Caipora", de Oscar Santana, trabalhando depois em "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro" e "Idade da Terra", ambos de Glauber Rocha, "Palafitas", "Bahia Fantástica", "Pindorama", "Rebelião dos Brutos" (filme italiano), "Vai à Luta", "Anjo Negro" (onde foi o principal personagem), "Madame Satã", "Dona Flor e seus Dois Maridos", "Jubiabá "(co-produção franco-brasileira), dentre outros.

Dos dezesseis filmes que fez, foi elogiado por diretores como Arnaldo Jabor, pelo antológico "Pindorama", premiado no Festival de Cannes. Na lista dos ilustres que costumava escalar Gusmão para seu elenco, estão Walter Lima Júnior, em "Chico Rei", Nélson Pereira dos Santos, em "Jubiabá".

Conta-se que Gusmão ganhou o codinome de “o favorito de Glauber Rocha”, que chegou a disputá-lo entre outros cineastas baianos. O ator tornou-se um dos nomes de destaque do movimento do Cinema Novo.

No teatro, a partir de 1958, a participação de Mário Gusmão foi marcante, com a montagem de peças de diversos autores contemporâneos ou clássicos, na Escola de Teatro da UFBA. Fez "Almanjarra", de Arthur Azevedo, com direção de Martins Gonçalves; "Graça e Desgraça na Casa do Engole Cobra", "Cachorro Dorme nas Cinzas" e "O Moço Bom e Obediente", de Francisco Pereira da Silva, com direção de Gianni Ratto.

Em 1959, atuou no "Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, e na "Ópera dos Três Tostões", de Brecht, ambos com a direção de Martins Gonçalves.

Em 1962, ao lado de Antônio Pitanga, fez "Chapetuba Futebol Clube", de Oduvaldo Vianna Filho.

A partir de 1964, com a montagem de "Eles Não Usam Black Tie", de Guarnieri, com direção de João Augusto, Mário Gusmão agitou o Teatro Vila Velha. Ele se entregava totalmente aos seus personagens.

Gusmão atuou, ainda na década de 60, em montagens de peças de Gil Vicente (Estórias de Gil Vicente), Sartre (Huis Clos), Strindberg (O Pelicano), todos sob a direção de João Augusto.

Na década de 70, fez "A Ilha do Tesouro", de João Augusto, com direção de Manoel Lopes Pontes e muitos outros sucessos como "A História de Tobias" e "Saraa, e A Prostituta Respeitosa", "Eles Não Usam Black-Ti", "O Noviço", "Chico Rei", "O Banquete dos Mendigos", "Stopem-stopem", "Auto da Compadecida" e "A Ilha do Tesouro". Ganhou prêmios de melhor ator.

Ao todo, Mário Gusmão atuou em vinte e três peças.

Na televisão, participou de dez novelas, sendo a primeira "Maria, Maria". Depois, fez "A Vida de Antônio Conselheiro", "Dona Beija" (sucesso da Rede Manchete nos anos 80), "Tenda dos Milagres", "O Pagador de Promessas" e "Teresa Batista".

Atuou em muitos espetáculos musicais, compondo a maioria das músicas. Também escrevia poesias.

Gusmão foi uma espécie de ícone do movimento negro, embora sempre extra-oficialmente.

Tido como um dos fundadores do Olodum, ele esteve nos principais grupos musicais baianos, dentre eles o Ilê Aiyê e o Muzenza.

Muitos antes do movimento negro, como atividade reconhecida e discutida, acontecer, Mário Gusmão já lutava por esses direitos na Bahia. Ele foi fundador de quase todos os blocos afros existentes em Salvador. Participou de todas as iniciativas de conscientização do problema do negro no Brasil, fazendo pesquisas sobre a cultura afro-brasileira, como a que realizou na África, após participar do I Festival Internacional de Arte e Cultura Negra, quando percorreu durante oito meses a Nigéria, Senegal, Costa do Marfim, Angola e Daomé.

Em novembro de 1984, a Câmara dos Vereadores lhe conferiu o título de Cidadão de Salvador.

Alto, leve, solto, magro, o Príncipe, como era chamado por Pierre Verger, dedicou um trabalho de conscientização do problema do negro no Brasil através da arte. Quando Verger conheceu Mário, ficou surpreso de como um negro que tanto se misturava com a cultura branca, tendo inclusive passado por uma Universidade, conseguiu manter o porte de um negro da África mais distante. “Está nas raízes”, disse Mário. “Sou neto de uma das fundadoras da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte criada há 160 anos e que muito antes de acontecer a libertação já trabalhava (com ouro) para conseguir alforria para os negros escravos”, informou em 1984.

Em Ilhéus e Itabuna, atuou como professor na área de artes cênicas, educação e foi professor particular de inglês.


No dia 20 de novembro de 1996 - dia nacional da consciência negra - ele morreu, aos 68 anos, no Hospital Português, onde estava internado, em consequência de um câncer generalizado. 




http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n19_20_p257.pdf