Parte III - Textos de Natal e Ano Novo / Confraternização de Natal - Edição especial

  

 TEXTOS DE NATAL e ano novoAUTORES DA ALITA






CRÔNICA DE ANO NOVO

                   *Cyro de Mattos


           
           Grupos de pessoas vestidas de branco ocupam desde cedo as areias de alguma praia do litoral brasileiro. Branco é a cor que se usa nesse dia especial. Dizem os fiéis que o branco nesse dia dá sorte, atrai os fluidos bons dos ventos que vão ser trazidos pelo Ano Novo. Festa de chegada do Ano Novo na praia de Copacabana, por exemplo,  atrai muita gente de várias partes do Rio, de todo o país e do exterior. Os fiéis vêm fazer suas preces e entregar presentes a Iemanjá. Flores, perfumes, espelhos, pentes e fitas no pequeno barco enfeitado são levados às ondas. Em sua linguagem mágica, atabaques tocam no tom ora cativante, ora febril.  Cânticos orantes saem de vozes contritas. Lamentos e pedidos. Certamente os pedidos são para que a rainha do mar apague o fogo dos inimigos com a força de suas águas. Traga ondas cheias de paz, saúde e prosperidade. Que sejam levados para os espaços mais profundos do mar desconhecido as dores, privações e ressentimentos.                                                                      
           Com o sol se pondo, o movimento de pessoas vai aumentando nas areias de Copacabana. À noite vai ser difícil alguém encontrar um espaço para se instalar de maneira cômoda. Turistas em trânsito pelo calçadão vão querer se aproximar dos grupos de pessoas que estarão entoando cânticos em torno do círculo de velas acesas na praia. Mais um ano que se vai e outro que vem, quando os ponteiros do relógio se encontrar meia-noite, irromperem as sirenes, soarem as buzinas no asfalto. Fogos de artifício soltarem suas flores e cores no céu, cascata cair do edifício num visual que emociona.                       
          Todos os anos a mesma espera, a trégua na dura lei dos meses,  o ritmo de onda que se estende por uma antevisão melhor de vida neste planeta. Sem que os dias sejam ofendidos por nós, seres contraditórios e finitos. Sem miséria, violência e medo. Sem o trauma da criança que morre com a boca no peito murcho da mãe, o corpinho com os ossos furando a pele, em terras sangrentas e áridas da África. Sem que crianças no colégio sejam abatidas pela fúria impiedosa do insano matador. Sem o sofrimento de guerra horrenda nas terras em que Jesus nasceu e ensinou que com mãos nas mãos a vida torna-se mais fácil. Só com o amor a vida tem sentido, enriquece e não toma. Sem o extermínio de  índios por garimpeiros e madeireiros.  Sem a vergonha da putrefação de políticos brasileiros, que se diziam arautos da moralidade, a vítima sendo como sempre o povo indefeso.  
         Sem que a imprensa de nível baixo alimente-se da canção do inocente,   fazendo-se mensageira de  prática estúpida adotada por certos comunicadores quando a usam apenas para perseguir e propagar  a mentira como se fosse a verdade, de tanto aquela se repetir. Terroristas da mídia, eles proliferam no blog e na coluna, insaciáveis, proprietários da infâmia calcada na inveja, sob golpes acostumados ao veneno que busca abrir a ferida no outro.  E assim se acham detentores de uma das parcelas do poder, infundindo medo através da palavra que alardeia o tempo  de desejos e notícias sem brilho, a não ser para ressaltar aquilo que é marca dos ressentidos em convívio íntimo com a inutilidade.  
         Despedindo-me do ano que vai e, com desconfiança, acenando para o que vem, não gostaria de lembrar também dos rios que morrem de sede, do ar que tosse, do mar com águas viscosas pelas milhas de óleo despejado no azul. Das ruínas na fauna e dos ocasos na flora.                                                     
         Ah, como gostaria de não lembrar a droga que mata a maravilha. E escrever uma crônica,  nesse momento que aguardamos a vinda do Ano Novo, com o verde brotando dos quatro pontos cardeais. Se fazendo em nuvem sem tamanho, louvar, de mãos dadas com os outros, esse verde que vem molhar neste planeta os nossos corações pulsando insensatez. E mais que esperança tivesse  eu nesse instante certeza de que dessa vez o Ano Novo vai chegar para valer, rico calendário de voos naturais, sem o gosto amargo de mãos que empobrecem em tudo que tocam,  porque a alma, assim, não  possui sequer um pouco de pureza da luz.

              
     *Cyro de Mattos é escritor e poeta  premiado.





POEMAS




         
       
 Eu Creio Nessa Canção
*Cyro de Mattos


Por que os homens
        Amam a droga
E não da abelha
Os favos de mel?

Por que os homens
Amam as balas
E não a paz
Sem nenhum fuzil?

Por que os homens
Só enxergam o chão
E não a estrela
Em seus caminhos?

Por que os homens
Perfuram a rosa
Com a ponta aguda
E mais dura do espinho?

Viver amargos,
Viver sozinhos,
Viver nos escombros,
Viver na vida desigual,
Viver dos horrores
Repetidos no holocausto
É do que os homens gostam?

Mas eu creio nessa manhã
Anunciada agora nas espumas
Dessas águas que passam.
Nos balões sobe e em flores
Puxa o dia pela cauda.
Quando chega a noite,
Espalha o amor no céu.

Eu gosto de ouvir nesta hora
Essa canção que me afaga
Falando duma união geral,
Que viver vale a pena
Quando a vida é uma dança
Com os homens como irmãos
No doce fruto da ternura,
No doce fruto da alegria
Sorrindo como criança.


 

    
Porque Há o Ano Novo
Cyro de Mattos 

Uma infinidade
De estrelas e balões
Conjuga a maravilha.
Desenha flores no céu
Uma  emoção intensa.
Festeja  a esperança.
Ritmo sem pausa
Em todos ou em cada.
No abraço da vida
Nada de capas
Grossas de espuma
Em rio se arrastando
Na dura lei das águas
Por baixo da ponte.


·   Cyro de Mattos é escritor e poeta  premiado.





 
ANO NOVO
*Ruy Póvoas
 

Novo é o ano,
esperança de todos.
No ralo do tempo,
lá se vai ano velho,
para sempre sumido,
nunca mais vai voltar.
Leva o vivido,
cantiga calada
nas ânsias do povo.
E de novo se espera
até mesmo a esperança,
que teima de novo.
Vai ano, vem ano
e a gente esperando
para o antigo dilema
uma nova resposta
instalada de vez:
Vou ter que mudar
no ano que vem.
Que o coro dos anjos
responda amém.

Porto Seguro, 29/12/12

  * Ruy Póvoas é escritor, poeta e babalorixá.





    

AINDA PODEMOS CRER
Ceres Marylise
                                 Ainda podemos crer
que somos caminho livre
e que os dias são claros
para pisarmos descalços.

Enxergar que no deserto
ainda brota uma flor,
sinal que alguma água
a umedece com amor.

Crer que apesar de imenso,
o mundo não é tão distante
e que nós somos o mundo,
leste a oeste, norte a sul.

Ver que no rosto da alma
nosso riso ainda sorri
e a certeza de que somos
o exemplo e o porvir.


***
*Ceres Marylise é educadora e poetisa.

 






Papai Noel de Verdade
                       
*Cyro de Mattos

Os meninos de minha rua falavam que o velho encantava-se na véspera do Natal, indo, à noite, de casa em casa, deixar os presentes nos sapatos das crianças pobres. Por isso é que o velho era chamado de Papai Noel. Eu não acreditava nem desacreditava nisso. O velho tinha uma barba crescida, o rosto gordo, cabelos como madeixas desciam até os ombros largos. A cuia ao lado, o cajado no outro, ficava sentado o dia todo no passeio com o rosto parado, aguardando esmolas.                                                              
Fizesse calor ou frio, era o velho sempre visto embaixo da marquise de uma loja na Rua do Comércio. Era como se fosse uma massa movível que lenta chegava apoiando-se no cajado sujo. Usava um chapéu de engenheiro na cabeça inútil. Com tanto peso e velhice no corpo, como o velho conseguia chegar até aquele ponto? Noite sempre foi o esconderijo que ele encontrava num casarão abandonado, lá por trás da antiga estação. O velho tinha unhas recurvas de gavião, varizes como cordões nas pernas inchadas, boca desdentada mastigando o ar no gesto patético. Um dia vi o velho na carroceria de um caminhão. Era véspera de Natal. Um dia especial com o comércio bem movimentado, as lojas enfeitadas nas vitrinas com os brinquedos. Mães entravam e saíam das lojas com os embrulhos, que guardavam surpresas para os filhos quando acordassem no outro dia.                                      
Naquele dia, o velho certamente era uma figura cândida que vinha trazer uma mensagem simples e grande enviada do céu. Barba de profeta, cabelos alvos oscilando ao vento. Botas pretas e folgadas, vermelho ondulante numa roupa encarnada de brilho, aceno inocente de arminho venturoso no peito sereno. O velho carregava um saco grande nas costas, no meio do cortejo mal se agüentava nas pernas, havia um fiscal da prefeitura atrás dele. Como a lhe vigiar e a dizer, Hoje é véspera de Natal, o povo todo nas ruas, a cidade inteira está em festa, sorria, meu velhinho, sorria. Moleques mais afoitos tentavam subir no caminhão, em cuja carroceria enfeitada com bandeirolas e folhas de palmeira a filarmônica sob a batuta do maestro caprichava na música: marchas, dobrados e maxixes.  
Depois que acabou o desfile na véspera de Natal, tudo voltou para o velho ao normal, sem discurso do prefeito, gritos, muitos vivas, palmas estourando o ar, foguetório rasgando o céu. As noites     e os dias ficavam cobertos de um céu negro, como se o velho fosse hálito e ócio transbordando num tonel imenso. Ele voltava àquela atmosfera igual, de desprezo, carnes flácidas, esquecimento.        
Fiquei sabendo que o velho apareceu morto numa manhã em que a cidade demorou a se descobrir. Coisas concretas estavam envoltas em barreiras esmaecidas, nuvens insinuando vultos furtivos, fumo circulando sobre telhados e ruas, ladeiras e becos. Fora aquele um inverno bastante rigoroso, com muita chuva e frio, o sol entre nuvens pesadas quase não aparecia. Comentaram que os homens desceram do caminhão com banquinhos na mão. Traziam faquinhas amoladas para o serviço de arrancar matinhos entre as fendas do calçamento. Os homens viram no passeio aquela trouxa enorme, o volume de massa frouxa envolta num lençol gasto, rasgado, amarelecido. Uma nuvem cheia de zumbidos, assanhada, voejava em torno dela. Comentaram também que os homens logo se afastaram para um ponto onde pudessem iniciar o trabalho, longe daquela temperatura intolerável, deprimente, abafada, de peso e nojo, que nos olhos teimava em se encravar como uma visão horrível.                                                       
Fiquei sabendo ainda que os homens largaram o cajado sujo sobre o corpo do velho. Feito de um pau roliço e grosso, o cajado fora largado pelos homens no gesto de  repúdio. Aquele cajado que nos dias havia sido um auxílio constante, servindo de apoio ao corpo pesado do velho. Nos seus últimos dias, o velho mal movia a cabeça, o cajado tornara-se imprestável, já não tinha a menor utilidade a um fardo em seu volume extremo. Deixava, enfim, de servir a um corpo balofo, que, na cabeça, tronco e membros, ficara inútil tantos anos. Há muito tempo estava morto para som, cor e movimento.
      
* Cyro de Mattos é poeta e escritor. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. .  

 

Natal Sempre   
Cyro de Mattos


Uma estrela afugenta
Da noite o medo
Que se tem das trevas.
O canto do galo
Que fere a aurora
Dessa vez é belo.
Num sorriso silencioso
A Virgem Maria sabe
Do amor de Deus no chão.
Da flauta dos pastores
Sai essa canção que comove.
Todos os anjos comemoram
O esplendor deste amor,
Em torno do mundo
Abelhas de ouro zumbem.


* Cyro de Mattos é poeta e escritor. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. .  





É Natal!
Cyro de Mattos


O menino pobre
Nasce em Belém.
Numa manjedoura
O bem vence o mal.

O galo clarineta
Na madrugada
Puxando a manhã
Com nuvens coloridas.

Na ciranda do céu
Que brilha no chão
Todos entoam:
É Natal! É Natal!


 *Cyro de Mattos é poeta e escritor. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.
 






A MÃE DO MENINO
   Ruy Póvoas



O menino chegou
com a bola do mundo
na palma da mão.
Os sábios souberam
e vieram de longe,
correndo pra ver.
Miraram o menino,
incensaram o menino,
adoraram o menino
e seguiram adiante,
retomando caminho
com devoção.
A mãe do menino,
calada no canto,
dizia amém.
Ela sabia,
sentindo canseira:
No mundo dos homens,
o Feminino sagrado,
derrubado do trono.
foi embora também.
Ah, mundo, meu Deus,
sem janela, sem porta,
nem portão, nem porteira.


Itabuna, Natal de 2012.

*Ruy Póvoas é escritor, poeta e babalorixá.







NÃO VOLTE AINDA, NATAL!
Ceres Marylise


Não volte ainda, Natal!
É revoltante sabermos
que há pais tremendo de fome
com seus filhos pelas ruas
pedindo um pão, sem comida!
Dê-lhes um tempo ainda,
porque são os esquecidos
consumidos na miséria,
enquanto os ricos festejam
num contraste humilhante
como um insulto à pobreza.
Corpos grávidos de ausências,
eles são mais pragmáticos
e sonham um dia entender-te
se puderem saborear-te
com peru, doce e conserva
pra comprovarem que existem
homens de boa vontade
povoando ainda, a Terra. 
Não volte, Natal, não volte!
Tua presença entre os pobres
nunca será entendida!

 




UM NOVO TEMPO
Ceres Marylise


Nesta noite
em que o tempo comemora
a morte de outro ano insuportável
carregado de violência e incerteza,
as mãos ainda se buscam esperançosas
em cumprimentos de paz alvissareira.


Passam pessoas vestidas de loucura,
paira no ar o hálito dos ébrios,
a cidade parece estar histérica...
esta é a noite em que todos se esquecem
das contas, das partidas, das tristezas.


Aos pobrezinhos dormindo nas calçadas
dizem palavras de alento aos infelizes
como se o tempo marcado pelo homem
mudasse realmente cada história
e apagasse todas nossas cicatrizes.


Ó tempo que és o último e o primeiro,
tu que passas entre dores e enfeites,
tu que nunca carregas nossas cruzes,
tu que avanças sozinho e indiferente,
põe nos meus olhos outra forma
de acolher-te!

 





DEZEMBRO
Florisvaldo Mattos


Menino ainda, costumava
romper o cristal da manhã
e do macio horizonte
cavalgar o aromado pelo
haurindo a seiva do dia, tanto me
comoviam os animais no campo.

Na adolescência,
ave, passei às mãos das incertezas:
como a mim permitiam decidi
a vida cantar por não ser nada.

Transitei pelos vales recolhendo
um pouco de mim mesmo em cada planta
na água dos riachos me banhava
da pedra me enxugava nas durezas
que ao vento domavam e refaziam
meu secreto saber.

Eu era agora um homem,
tanto me diziam, tanto me provava
o contato com os homens ou algo mais.
A lua cheia matava-me no silêncio
invariável lua que jamais cantei
por pouco ser e muito dizer.

Amanhecia por vezes sobre um couro,
transido de frio, sem pecados.
Amava a terra, doação da manhã,
mesmo quando armas rudes me cortavam
a fimbria da existência: eu era
um pouco das safras transportadas,
da poeira que tropeiros levantavam
misturada a rastos de sangue nas ladeiras;
“um cavalo cortado ao meio”, me diziam,
e isso valia como identificação
ao que vem e suporta seus tropeços.

Os companheiros de infância,
muito bem mortos, lá estão
esculpidos em ecos, regressando
do afã diário aos búzios vesperais
ignorando armadilhas do sol-posto,
tanto falam-me os gestos, os ruídos.
E como vêm falar do que não foram!

Agora é dezembro, e pouco vale
um coração cruzado de datas,
mesmo punhais de lâminas fecundas,
rebrilhando ao sol do meio-dia,
de flores, de frutos na campestre senda.
Humilho-me por não ser o que mais fui,
consciente mas expondo-me aos assédios
de ventos ruminosos, águas várias –
– águas de aboio insopitado e lento.

Agora é dezembro: com seu penacho
de luz acende o caminho, incinerando
as fétidas lembranças, colorindo
ausências de sonora geometria.
Antes triste que perdido
Ao sol que nos confunde,
à chuva que nos vence.

Agora é dezembro, um mês guerreiro,
que doma sombras ao calor de espadas.




*Florisvaldo Mattos é escritor, poeta e jornalista.





O Natal, Firmino e eu

                                                   
*Antônio Lopes


Em Itabuna, Firmino Rocha (1919-1971) andava de bar em bar, vendendo seu livro de poemas Canto do dia novo. Era Natal, talvez no fim dos anos sessenta. Eu estava no clima, a literatura me encantava, e estar frente à frente com um poeta me empolgava.
Bebemos juntos – lembro-me de havermos falado de Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos, o best-seller do momento – e ele não revelou, como é comum entre intelectuais, nenhum preconceito contra o autor que vendia muito.
Firmino Rocha era incapaz de cometer alguma grosseria com autores presentes ou ausentes. Ah, sim. Paguei a conta, comprei o livro (que perdi num empréstimo mal sucedido) e ganhei um poemeto extra, inédito, escrito na contracapa.
Firmino é sempre lembrado por Deram um fuzil ao menino, mas o Firmino de que recordo com emoção é aquele da tarde calma, doce feito mel de abelha, o Firmino de Natal chegou, que tenho o orgulho só agora revelado de que ele fez para mim.

Natal chegou!
Natal chegou!
Ouça os sinos dizendo:
“Amor, amor, amor...”
Natal chegou!
Natal chegou!



*Antônio Lopes é escritor e jornalista.





NATAL, LUZ E PRESÉPIO

*Sione Porto


Há muitos anos, o Natal era esperado na região grapiúna, como a mãe que espera o filho no fim da gestação, cheia de amor e doação.
 Naquela época, lojas enfeitadas de presentes embelezavam as ruas, muitas delas ornamentadas com belos presépios, que mãos habilidosas esculpiam no papel madeira, em formato de uma velha gruta. Quanta imaginação!
Na manjedoura, o menino Jesus resplandecia com os braços levantados, a pedir proteção para os seus filhos, sob o olhar atento de José e Maria, complacentes, rodeados de bichinhos e fiéis pastores, campo da mágica fantasia. No alto, acima da gruta, pendia uma estrela brilhante e sorridente, a guiar todos os olhares e não apenas os magos vindos do oriente.
As noites cálidas de dezembro, festejadas no céu de estrelas, as mães felizes desciam de mãos dadas com seus filhos, pela praça do relógio (Adami), a fim de apreciarem as suntuosas vitrines que se estendiam iluminadas até a madrugada.
O comércio telúrico, iluminado por luzes especiais colocadas estrategicamente pelos lojistas, era orgulho dos itabunenses e dos demais visitantes.
Não havia luxo esplendoroso a incentivar a cobiça desmedida. Não havia furtos, roubos e arrombamentos, muito menos violência. As vitrines brilhavam sob a proteção dos vidros, apresentando suas ofertas, que a todos encantavam em todo período natalino.
Naquele tempo, todos caminhavam tranquilamente e seguros pelas ruas da cidade, repletas de pessoas, até chegar à catedral, para admirar o mais belo, singelo e mágico presépio, do qual tínhamos vontade de ser os personagens.
Presépio significa, em hebraico, “manjedoura de animais” ou estábulo. O primeiro presépio foi criado por São Francisco de Assis em 1223 na cidade italiana de Greccio, inspirado no Evangelho de São Lucas em que as imagens eram confeccionadas em barro.
Velho e bom tempo! Hoje, vemos ruas inseguras e violentas, shoppings centers lotados de pessoas estressadas, a se mexerem no burburinho das filas, com a intenção de comprar os presentes.
 Devemos repensar o Natal. Viver o nascimento de Cristo como aprendizado; fugir do consumo exacerbado; ter um olhar mais fraterno para o irmão que chora e passa fome; abolir ceias ricas e fartas de sobras, enquanto muitos passam privações e apenas sonham... Vivam o Natal recheado de luz e preenchido de amor ao próximo!
Que voltem as pastorinhas e festejos bem típicos do Nordeste, como antigamente! Que continuem em nossas praças as encenações oriundas de Provença, na França, e demais regiões da Europa!

Sione Porto, Dezembro 2012



*Sione Porto é membro da ALITA










 OS ENCANTOS DO NATAL

*João Otávio Macêdo


Estamos em pleno clima do Natal, evento comemorado no mundo cristão pelo nascimento do nosso Senhor Jesus Cristo, fato ocorrido há mais de dois mil anos e que, até hoje, é motivo de indagações, algumas controvérsias e muitas certezas, principalmente para aqueles que creem no cristianismo tal como está consagrado nos evangelhos. Não adianta ficar especulando qual a data exata do nascimento do Menino Jesus, na antiga Palestina, pois muitos dados, pela precariedade dos registros de então, pelos diversos calendários utilizados até hoje, ficam difíceis de serem exatos. Vamos aceitar a data de 25 de dezembro como o do seu nascimento, em Belém da Judeia e vamos nos deixar envolver pela mística do Natal.
O período natalino tem uma aura de paz e de esperança e é isso que importa, principalmente em mundo conturbado, com ameaças de todos os tipos, com a miséria e a fome rondando boa parte da população, apesar dos esforços de muitos abnegados que têm dado uma imensa contribuição para melhorar esse quadro nos quatro cantos do mundo; é o trabalho dos cientistas buscando entender os mistérios da natureza; é a missão dos pacifistas pregando a paz e a concórdia entre os homens para diminuir as guerras que só trazem miséria e sofrimento. O avanço da ciência e da tecnologia, muito tem contribuído para melhorar a vida na face da terra, mas não foi, infelizmente, suficiente para acabar com os conflitos entre as nações e entre os homens. "Eu vos deixo a minha paz", assim bradava o Cristo Jesus, exortando a todos para que, também, exerçam a paz. Os dois últimos conflitos mundiais, no século passado, são um testemunho que não aprendemos, ainda, essa busca da verdadeira paz.
Mas retornemos aos festejos natalinos que é o que importa, no momento, mesmo para aqueles que se dizem não cristãos; é impossível ficar indiferente a esse momento, quando as pessoas trocam presentes e votos de paz, saúde e felicidade; as ruas, as casas, ficam enfeitadas com os motivos ditos natalinos e, para a criançada, não há data mais importante,com a presença do Papai Noel e seus presentes; também não adianta discutir se Papai Noel existiu ou não; no imaginário da criança, até que ela atinja a adolescência, é bom que acredite no bom velhinho, com sua roupa característica e seu saco de presentes. Todos nós passamos por isso e ninguém se arrepende dessa experiência da infância. A música e os cânticos ficam reverberando na nossa memória e dão um toque especial aos referidos festejos. É bom, também, para o comércio que, além de vender mais, também emprega mais gente e, assim, passa a contribuir para diminuir o desemprego, outra preocupação dos tempos atuais, com tantos jovens necessitando de uma oportunidade.
O espírito do Natal continua desde os primórdios do cristianismo e, assim, deverá continuar. Mesmo que tudo o que foi dito não tenha alguma importância, só a pregação da paz entre os homens já justificaria a comemoração, como um chamamento a todos para que cultivem a paz e a harmonia, pois assim, teremos um mundo melhor. "Paz na terra aos homens de boa vontade", muitas felicidades neste Natal e um venturoso Ano Novo para todos.


*João Otávio Macêdo é médico urologista, cronista e membro efetivo da ALITA








E POR FALAR EM  NATAL...


                                                                        Para Flávio Simões Costa et ali


            Outra opção para  o tema seria “E por falar em saudade”... Em determinado momento as noções de  “Natal” e “saudade” interpenetram-se, uma e outra surgem em nossa mente como se houvesse uma mistura de recordações e sentimentos: alegrias e tristezas, expectativas e realizações, lágrimas e sorrisos, pranto incontrolável e gargalhada incontida. Se o Natal na tradição cristã simboliza o nascimento de um ser humano incomum e único, portador da mensagem de amor e fraternidade, a saudade é a lembrança  doce e suave de momentos marcantes do tempo que passou, da vida que se foi e que nenhum milagre fará reviver. À exceção do milagre do Natal. E este milagre,  no amanhecer deste dia azul e ensolarado de dezembro, tomou minha mão para conduzir-me, primeiro, à infância que vivi, bem longe do colorido, da alegria e dos sonhos infantis realizados que povoam a infância dos meus netos e, com intensidade menor, aqueles vivenciados por meus filhos.

            Para falar a verdade, Papai Noel nunca deixou um presente em meu sapatinho de criança. Não cheguei a conhecer o bom velhinho e sabia de sua existência por ouvir dizer. Uma vez, uma única vez, quando eu tinha sete anos,meu pai  colocou em minhas mãos um elefantezinho cinzento,  de um tecido que parecia malha de seda, dizendo que fazia a entrega a mando de um velhinho chamado Papai Noel. Não acreditei, é evidente. Minha casa não tinha as luzes da árvore de Natal nem o presépio e não pressenti a imagem do trenó, puxado pelas renas, cortando o céu. Enfim, eu não podia acreditar em algo que não alimentei nos sonhos de criança. Por outro lado, a prova da existência do mito tão acalentado é construída com o carinho e a cumplicidade dos mais velhos, quando criam um clima de sonhos possíveis e sadios.  Na disciplina familiar que conheci, o sonho não tinha importância, nem os mitos, nem os contos de fadas.

            Na adolescência assumi o comando dos meus sonhos e tive a sorte de encontrar em meu caminho muita gente que sabia sonhar. O Natal  cinzento vestiu-se de ouro e prata com detalhes coloridos, para enfeitar os lares de tantos e tantos amigos queridos e alguns parentes, com destaque maior para o casal Aderson Rayol dos Santos, pais do meu primo querido Godofredo Rayol Almeida Santos. O parentesco era distante, é bem verdade. Mas o carinho e afinidade não tinham medida, nem limite. Nesse desfile de lembranças não poderia faltar Gabi e Valdelice, a mesma Valdelice que empresta o nome à cadeira que ocupo na Academia de Letras de Itabuna – que iluminavam o meu Natal de adolescente com a amizade de todos os momentos.  Guardo, ainda, o cartão de Natal enviado por Val, uma preciosidade: “Para Soninha, o Natal de alegria e luz que todos os anjos merecem”. E eu não sabia que era um anjo!           

            Seguem-se as lembranças do Natal na idade adulta e dois nomes aparecem à frente de muitos outros: Amil Maron, meu marido, e Antonio Pedro Caldas de Queiroz, irmão que o coração escolheu. Aliás, para os dois amigos inseparáveis, o ano inteiro era uma festa, o ano inteiro era Natal. Amil e Pedrão sempre encontravam pretexto para presentear os amigos e proclamar que amavam a vida.  Por fim, se o Natal traz lembranças boas, Flávio e Norma não poderiam faltar ao elenco de personagens citados, até porque achei nos meus guardados uma fotografia nossa,  seus filhos adolescentes e os meus ainda crianças, junto à árvore de Natal, na casa da rua Henrique Alves. E por falar em lembranças de Natal,  vejo que recordei  pessoas queridas que já não estão entre nós para os festejos natalinos deste ano. Saliente-se que Flávio foi o último a viajar. E o fez como um irresponsável, sem avisar, sem despedidas, sem refletir na dor de tantos que o amavam. E eu sempre apostei em Flávio como uma pessoa singular, ética, responsável, professor e mestre de fato e de direito, fiel  às amizades e aos ideais que nortearam sua vida. Puro engano! Saiu de cena  de forma inconsequente, egoísta, exatamente igual a Amil, Pedrão, Calixtinho, Alair, Pinheirinho, Valdelice, Raimundo, Sony, Nilton Barros, Érito, Willy, José Joaquim, Francolino, Rubinalva, Renato Reis, Antonio Morais. Vale lembrar que Norma, muito apressada, partiu antes de Flávio, adotando o mesmo comportamento.

            Em verdade, festejo o Natal com meus ausentes, tendo uma única certeza: sem eles  o Natal não é o mesmo que me fazia sorrir. Sobrevivendo à ausência deles meu Natal é a expressão da melancolia, o sentido do que se foi e nunca poderá ser recuperado.

            Um  momento... Esqueci um detalhe, o mais importante de todos: meus ausentes-presentes gostavam de alegria, festa, luz,  solidariedade, fraternidade, reuniões de amigos, enfim, amavam a vida. Logo, amavam o Natal.  Por eles e por nós, viva a vida, viva o amor fraterno, viva o NATAL! Toquem os sinos, grandes e pequeninos, é NATAL!


                                                   Sônia Carvalho de Almeida Maron
                                                                            Dezembro de 2012


            EM TEMPO – o nome de  LINDAURA BRANDÃO DE OLIVEIRA não figurou entre meus ausentes, é verdade. Propositadamente foi omitido porque ela continua presente na gratidão e carinho da ex-aluna, em  cada novo passo significativo que acrescento em meu caminho, sabendo que  busco corresponder à sua expectativa.  Não figura entre os ausentes,  porque além de continuar em minha vida,  continuará nas consciências de quantos comprarem sapatos populares na loja  que será mais uma filial da Silva Calçados,  a ser inaugurada no espaço que  CYRO DE MATTOS, quando dirigiu a FICC, sugeriu fosse reservado para o memorial  que teria o nome da educadora de tantas e tantas gerações.  Os vendilhões do templo e os compradores não entenderam. E nem poderiam entender um ex-aluno  que leva a marca do seu colégio a outros povos e outros idiomas. Pensaram que um memorial é a fachada de um imóvel, e basta. Simples assim!... Pensando bem,  foi a solução perfeita:  os consumidores, predominantemente representantes do povo ingênuo e alheio aos bastidores das transações comerciais e distorções políticas, seguirão, enquanto a loja existir, pisando e pisando com força, na poeira e na lama da insensibilidade e dolorosa ausência de valores dos  “empreendedores”, “dirigentes de instituições” e “caricaturas de políticos” desta pobre cidade sem alma.  
            Ainda é NATAL!  Os sinos continuam tocando no nascimento do Menino Jesus. Quem sabe ELE, que ressuscitou,  cuidará de ressuscitar a cidade que tem seu pai como padroeiro? Que os ANJOS digam amém!










                      Natal com Drummond e Valdelice
                                                    Cyro de Mattos

Há tempos venho enviando em dezembro para pessoas de meu círculo afetivo, parentes, amigos e escritores,  minha mensagem de Natal acompanhada de um  poema. Penso que já decorreram mais de trinta anos quando fiz o primeiro poema motivado pelo Natal com essa intenção.  Lembro do primeiro poema que enviei.  Manjedoura – O que mais encanta/ é acontecer o menino/ nas migalhas/ deste chão sonoro/ e ganhar grãos azuis/ na manjedoura dos ares.
Certa vez ousei enviar para o poeta Carlos Drummond de Andrade a mensagem com  um desses poemas.  Era um soneto, um pobre soneto, com versos de cinco sílabas, que contava a alegria de bichos e gente com o nascimento do menino pobre nas palhas,   que depois viria ser o bem-amado salvador da humanidade. Assim era o sonetinho: Historinha do Menino Jesus - O galo cantou,/ A vaca mugiu, / O burro zurrou,/ A ovelha baliu.// A rosa acordou, / O peixe sorriu, / A cabra contou/ Que a cobra sumiu.// Foi tanto balão/ que subiu ao céu,/ Foi tanta canção// Que ventou ao léu/ Que até hoje luz/ Do menino a cruz. 
Não demorou, um milagre aconteceu quando recebi do poeta Carlos Drumonnd de Andrade, como retribuição à minha mensagem de Natal, o poemeto seguinte: A Cyro de Mattos no Natal – Uma notícia irrompe desta árvore/ e ganha o mundo: verde anúncio eterno/ Certo invisível pássaro presente/ murmura uma esperança a teu ouvido. Depois de receber esse rico presente de um poeta grandão, de minha predileção, que poderia um  poeta sem expressão, desconhecido, morando e vivendo no interior da Bahia, querer mais naquele Natal?
O poema de quatro versos do trivial lírico de Itabira, com suas ondas cheias de ternura, dava-me a mesma sensação que tive quando era menino e acreditava em Papai  Noel. Como até hoje acredito, não sorria, faz favor. Recebi naquele Natal que já vai muito longe como presente do bom velhinho uma bola de couro, que encontrei no outro dia pelo amanhecer sobre meu par de sapatos. Era o que mais queria, aquela bola de couro,  para jogar futebol com meus queridos amigos nos campinhos improvisados dos terrenos baldios. Atordoado, não sabia, naquele instante,  se o presente que me chegava do céu por encanto,  com uma bola de couro, novinha,  era sonho ou verdade. Neste caso, eu havia feito um bilhete a Papai Noel pedindo para que  ele me desse no Natal a bola de couro e fui atendido naquilo que tanto desejava. No caso dos versos de Carlos Drummond de Andrade,  chegou-me aquele presente de um coração lírico como era o do nosso poeta maior,  sem eu nada lhe ter pedido. Sustos esplêndidos do Natal aqueles,   quer num caso, quer no outro.
Transcorridos dez anos, dei conta que já havia enviado a cada dezembro para as pessoas um conjunto de dez poemas inspirados no Natal. Resolvi reunir e  publicar os poemas no pequeno livro Natal Permanente, que teve ilustrações de Calasans Neto e o selo  das Edições Macunaíma, de Salvador. Naquele dezembro de 1986, enviei para as pessoas  esse pequeno livro, ao invés de um novo poema com tema do Natal, como eu vinha fazendo. Uma das surpresas agradáveis que tive foi quando recebi da poetisa Valdelice Soares Pinheiro uma pequena carta agradecendo o envio do meu pequeno livro.
Ela me dizia que Natal Permanente lembrava-lhe “ fonte, peixe e Comunhão”, fazendo-a sentir  “nesse caminho  por onde os homens  deveriam   passar colhendo mel, preparando o pão”. Observava: “Traz-me a alegria de descobrir que sou cavalo, viagem, travessia desse menino, esse distante, mas ainda agora menino, que um dia, trinta e três anos depois, pregado em uma cruz, sonhou a luz dos homens, despregando, de seus braços doloridos, o amor e o perdão para a compreensão de sua presença de Pai e Filho, que, em um só, queria criar o Reino da Paz no Espírito Santo”. A certa altura, tomando emprestados alguns dos meus versos, ela perguntava: “Terão os homens entendido essas proezas numa só mesa de todas as mãos?” Até hoje vou aos meus guardados e busco a carta da conterrânea Valdelice Soares Pinheiro. Fico comovido quando a leio na época do Natal. Ela termina por me dizer  que meu pequeno livro,   além de estendê-la na consciência de não solidão, “me trouxe de volta a criança que um dia, queira ou não queira, a gente pensa que perde”.
Natal Permanente  é o mesmo livrinho que hoje se chama Oratório de Natal,  publicado pela Fundação Cultural da Bahia,  acrescido de mais dez poemas. Na sua segunda edição, ganhará mais cinco poemas inéditos, e aquelas ilustrações, singelas, lindas de ver,  do desenhista baiano (de Ibicaraí) Ângelo Roberto. Para que a vida seja  sempre verde como na campina.  Para que a vida seja sempre mansa como na colina. Para que a vida como a do menino dormindo no presépio seja sempre amiga e no meu peito cresça.
   

*Cyro de Mattos é autor premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.  

 









CONFRATERNIZAÇÃO NATALINA















FELIZ 2013!