AMOR DE CARNAVAL - Aleilton Fonseca





AMOR DE CARNAVAL

Aleilton Fonseca

Quem já viveu um amor de carnaval, daqueles que acabam na quarta-feira de cinzas, vai entender muito bem a história. Houve um tempo em que os bailes nos clubes eram a sensação do carnaval. Os foliões elegantes preferiam curtir o reinado de Momo nos clubes sociais da moda. As mocinhas e os rapazes, cercados de amigos e conhecidos, ali se encontravam, no salão imenso, sob os olhares discretos dos seus familiares. Para quem estava livre, à procura de namoro, os bailes de carnaval vinham a calhar.
Ia-se aos bailes não apenas para dançar, mas, sobretudo, para namorar. Ao som de marchinhas, choros e sambas maneiros, ali se davam encontros que podiam transformar-se em casamento, amizade, ou, pelo menos, em doces ilusões. Os casais formavam-se espontaneamente, através dos olhares, das danças, dos papos e da simpatia. A banda tocava, os corpos se agitavam e os corações batiam mais forte, em busca de novas emoções. Da metade do baile em diante, muitos pares já estavam formados, agarradinhos no salão, com direito a cochichos, carícias, beijos e sonhos.
Num carnaval desses, Alice e Hugo esbarraram-se no salão, sorriram-se atraídos, e dançaram juntos. Daí a pouco estavam agarradinhos e acertados para curtirem juntos todas as noites de baile. Muito ativos e espontâneos, combinavam bem, esguios, leves, sorridentes. Rita, a amiga de Alice, com seu namorado a tiracolo, incentivou o namoro, com uma recomendação direta:
— Acerta logo com ele pra depois do carnaval, sua boba !
Os namoros mais quentes, ousados e afoitos, às vezes revelavam seu resultado nove meses depois. Outros namoros, discretos e passageiros, duravam apenas as noites de Momo. Terminavam ali mesmo, deixando só as lembranças.
Alice e Hugo se deram muito bem. Simpáticos, carinhosos, até pareciam apaixonados à primeira vista, ou melhor, à primeira dança. Sempre juntinhos, beijos, abraços, suores, cochichos no escuro. Pareciam feitos um para o outro. Rita os observava, aprovando tudo com piscadas para a amiga.
Na madrugada de quarta-feira de cinzas, Alice e Hugo se separaram na saída do clube. Na despedida, trocaram um longo abraço e um demorado beijo. Telefones e endereços também. E cada qual seguiu seu rumo.
Eles não se falaram nem se viram uma vez sequer durante o resto do ano. Rita não se conformava com a inércia e o desinteresse da amiga. Ela a aconselhava a ligar para o companheiro de folia, marcar um cinema, uma praia... Mas Alice, tranquila que só ela, apenas comentava:
— Ah, deixa pra lá.
E o ano passou.
No carnaval seguinte, uma agradável surpresa. Alice e Rita estavam no meio do salão, e eis quem apareceu, todo sorrisos e braços abertos: Hugo, animado como sempre, e só um pouquinho mais gordo. Correram um para o outro, e se abraçaram com beijos e apertos. Eles reataram o namoro de carnaval e se esbaldaram na pista de dança durante todos os bailes. A amiga Rita, com seu noivo a tiracolo, recomendou a Alice, já na primeira noite:
— Acerta logo com ele para depois do carnaval, sua burra! — exigiu.
A festa e a alegria rolaram soltas e intensas durante as quatro noites de carnaval. Eles, mais uma vez, ficaram juntinhos; beijos, abraços, suores, cochichos no escuro. Pareciam feitos um para o outro.
Na madrugada de quarta-feira de cinzas, a cena de despedida se repetiu. Um abraço demorado, um beijo longo, e um adeus.
— Até o ano que vem! — ele brincou, ela riu, ele foi embora.
Rita, impressionada com a cena, dessa vez comentou com a amiga:
— Você viu o que eu vi no dedo de Hugo, Alice?
— O quê, menina?
— Uma marquinha de aliança no dedo da mão direita!
— Ah, eu vi, mas... deixa pra lá.
No carnaval do ano seguinte, a história estava escrita para se repetir. As duas amigas dançavam no meio do salão, e eis quem apareceu, todo cheio de sorrisos, abraços e beijos: o mesmo Hugo, sempre animado e agora bem mais gordinho. Prática e decidida, a amiga Rita, com seu marido a tiracolo, recomendou a Alice, imediatamente:
— Não perca tempo com ele; arranja outro, sua tonta!
Alice mais uma vez desprezou os conselhos da amiga. Aceitou o braço de Hugo em volta de sua esbelta cintura e caiu na dança, com a animação de sempre.
De novo, foram quatro noites de baile, numa animação ainda maior do que nos anos anteriores. Eles, como sempre, ficaram o tempo todo juntinhos; beijos, abraços, suores, cochichos no escuro. Eram feitos um para o outro?
Na madrugada de quarta-feira de cinzas, quando a banda exalou os últimos acordes, o ritual foi igualzinho aos anteriores. O casal trocou um beijo e um abraço, em mais uma despedida:
— Adeus, minha flor de fevereiro! — ele disse, e foi embora.
Rita, mais uma vez impressionada com cena, comentou com a amiga:
— Você viu o que eu vi no dedo de Hugo, Alice?
— O quê, menina?
— Uma marquinha de aliança no dedo da mão esquerda!
— Ah, eu vi, mas... deixa pra lá.
— Que cara de pau!
— Ah, eu não queria mesmo!
— E não? Por quê?
Alice virou-se para a amiga, bocejou longamente e comentou, irônica e divertida, encerrando a conversa com uma boa risada:
— Além de casado, cresceu pros lados!


(In: A mulher dos sonhos. Histórias de humor cotidiano. Itabuna: Via Litterarum, 2010.)