FELIZ ANIVERSÁRIO, FLORISVALDO MATTOS!

08 de abril







No dia de seu aniversário, Florisvaldo Mattos, um dos próximos membros efetivos a tomar  posse na ALITA, nos presenteia com oito poemas inéditos de sua verve, enriquecendo mais uma vez as páginas do nosso site literário.  Ao reconhecido e premiado jornalista e poeta grapiúna, nossa homenagem e votos de muita saúde, amor e paz. 


PERFIL DE FLORISVALDO MATTOS - fragmentos


"... Infância cercada pela natureza da zona rural do município de Itacaré, Bahia, Florisvaldo Mattos é detentor de uma história que, inicialmente, parece ser arrancada da obra de Jorge Amado “Terras do sem fim”. Nascido em fazenda de cacau próxima de Uruçuca, em meio a florestas, capoeiras, pastos, rios e regatos, numa região de homens fortes dispostos a desbravar terras devolutas, teve vivências juvenis que nos dias atuais são vistas como de ‘conto de fadas’: “solto por campos e matas virgens, aprendendo a amar gente e animais, sentir a força da natureza, vivendo o prazer de montar, caçar, brincar em cavalos de pau, colher frutos, banhar-se em riachos, viajar no trem-de-ferro, jogar bola em gramados rústicos e quintais”.


"... Filho de família simples, pai comerciante, mãe costureira e irmão de três homens e duas mulheres. Acompanhou a corrida pela fortuna de seu pai, que no íntimo tinha como verdadeira riqueza o sonho de formar os seus seis filhos. Objetivo que mesmo à distância, separado da esposa, conseguiu alcançar. “Com humor sertanejo, sem maiores explicações, ele simplesmente partiu, para voltar 15 anos depois… como se nada tivesse acontecido. E a vida seguiu seu curso...”

"... Homem de hábitos simples, o poeta Florisvaldo tem o amor como fonte de vida, e nessa fonte debruçou-se três vezes: três casamentos, três filhos. Filhos, amor… Essa fórmula foi sem dúvida o maior desafio para o poeta. Conviver, demonstrar, compartilhar momentos, entregar-se totalmente à paternidade foi o seu grande entrave. “Amo meus filhos, mas, confesso, sempre senti um grande desconforto, uma falta de jeito, uma dificuldade, em relação à minha condição de pai, que o jornalismo em nada ajudou, só complicou”. Mas, ganhou quatro netos, hoje, às vésperas de um quinto, e é neles que Florisvaldo, hoje distante do sufoco das redações de jornal, busca reconquistar o amor paterno para a ele se entregar com maior intimidade e intensidade."

"... Hoje, em convivência do seu “anjo da guarda”, Vera, seu grande amor, celebrado até em versos, Florisvaldo vive sem excessos, exibicionismos e pedantismos, e na calmaria do seu lar se entrega à leitura, recuperando horas de contato com os livros e audição de música, que o afã do jornalismo não lhe permitia, à criação de poemas e textos outros de pensamento, literatura e arte, procurando dar sequência à produção de obras, cujo elenco só faz crescer..."





IMAGENS DA SERRA

Serra da Boa Esperança,
Esperança que encerra,
No coração do Brasil,
Um punhado de terra,
No coração de quem vai,
   No coração de quem vem.
   Serra da Boa Esperança,
Meu último bem.
(“Serra da Boa Esperança”, samba-canção de Lamartine Babo)


Entre maços de cinza, pela tarde,
Eras tu, Jacutinga, amada serra,
Tu, de neblina em cio e aroma ungida,
Na palidez de um céu alaranjado.


Tal Antonio Machado, em Guadarrama,
Vagando por cumeadas e caminhos,
Trilhas abertas para o amor e o sonho,
Eu cavalgo também tuas entranhas.


Dama de Elche debaixo do luar
Logo me acende emoção de pretéritos:
A mesma iluminada deusa etrusca,
Que meu voraz vagar flagrou nos fundos


De um plácido museu, em rubra luz
Envolta, magma de eficaz mistério,
Que evoca tempos e paisagens mágicas,
Solo por onde transitaram crenças.


Jamais te abandonei, querida serra.
No duro passo do calvário urbano,
Abstruso nicho de burocracias,
Pulsavas no seio íntimo de tudo.

Que era eu mesmo com as minhas aflições.
Ó serra quase da boa esperança,
A luz de teu luar segue em meu olhar,
Sem que haja um verso com palavra adeus.




   
TARDE NA VÁRZEA

A chuva há de passar. De quando em quando,
Um alarido vem pelo ar, fugidio.
Na tarde bruxuleante, além do rio,
Teles e Caboclinho estão jogando.

Não posso ver; a chuva me atrapalha.
Vestindo sedas, clamo aos ares, rogo.
Avanço a rua. Minha tia ralha
(Nada me ajuda): “Pare aí, é só um jogo!”

Raiva. Bato três vezes na madeira.
Será que vai chover a tarde inteira?
Digam lá como estão os litigantes.

É agosto, sim, e chove sem parar.
Dentro, o menino quer comemorar
Logo. Atlanta e Palestra, dois gigantes.




AURAS E SUSSURROS

Com que pés de ternura caminhavas
As entranhas de março lavrador!
Angélica serás de auroras flavas
Ou de crepúsculo ensurdecedor.

Não tens culpa de nada. Se falavas,
Eram flautas de um tempo superior;
Por incauta, dizias, tu me amavas.
Lábios sorriam música e calor.

Só trago para ti sonhos, palavras
E o mistério que me invade o coração,
Dias a me corroer, enquanto lavras
Minhas noites e a minha solidão.

És um templo de auroras, de fervor,
Colunas de meu saldo devedor.




MEMÓRIA DE BOI ESFOLADO

Soltei o livro. Olhei pela janela,
espesso azul e nuvens, e lembrei:
faz setenta anos que morreu Soutine
de uma úlcera rompida nas entranhas,
como as do boi esfolado da pintura,
um retrato convulso de sua arte.
De novo olho a paisagem; ainda o céu
de cores baças, sons da rua larga,
prédios e casas, em frente à varanda,
sem pasto ou campo, só distantes verdes,
que suplicam o olhar de voz opaca.
E eu aqui a pensar em Chaïm Soutine
pintando, dia e noite a dentro, pensos
quartos de boi comprados nos açougues.

(SSA/BA, 26/01/2013)

CATORZE JANELAS ABERTAS

A natureza aponta-me o caminho.
Ei-lo. Sereno e sem fadiga, sigo-o.
As águas vêm e voltam. Quando o sol
Resseca sapucaias ainda vivas,
Poeira recobre dias que já somem,
Vozes estendem búzios pela tarde,
O vento ruge, o frio me estrangula.
É noite. Contemplo o horizonte vasto:
Vésper ateia a lenha dos sentidos.
Perguntam-me se a luz ajuda. O fogo
Logo se ergue (as achas já estão crestando).
Daqui a pouco, haverá estrelas no céu,
A paisagem descansa inteira. Então,
Dormirei sossegado com os meus ontens.

 


 
A UM POETA MENOR QUE BUSCA UM PEDESTAL

Dieran a otros gloria interminable los dioses.
Jorge Luis Borges

Busco em Borges a letra fatal que prenunciou
teu rol de aspirações e sonhos por toda a vida:
a memória de um tempo que se foi sem ser notado;
disfarces e dissimulações com que os dias afagavas,
dias em que os deuses foram a outros mais benignos;
os rios secos e os cactos de teu torrão longínquo,
quando só buscavas um riacho de sonoras águas,
terras que te alimentassem anelos e esperanças;
a voz que calava para não atrair tormento e sombras,
os livros muitos que te favoreciam vagas citações,
embora te parecessem todas auras de encômios.
Em apartamentos de bairros tristes e ruas desertas,
elegeste então a palavra como espada e símbolo,
que te abrissem veredas de mordomia e glórias;
espalhaste copiosos versos de escrita pragmática,
nenhum deles bastante para atrair nuvens de loas,
mas que serviram para firmar imagem de lutador
capaz de te alhear das cinzas do esquecimento.
Chegaste enfim à borda de um horizonte de afagos.
Agora de antiga seara recolhes um feixe de áulicos,
que te permita abolir a dura memória dos fados,
subir num pedestal e te vingar de deuses pérfidos.

SEXTILLHA

Nesta vida que é sonho de touro rompendo
Agra planície para as clareiras do amor,
O que é renúncia e ânsia os dias vão roendo,
Deixam no espírito um travo, um grave palor
De crua luz, olhos inchados, testa doendo,
Enfim a dor, que vela a dor da última dor.




GLOSA


(A propósito de uma citação de F. G. Klopstock)

"Hás de também estar triste,
Se queres me ver chorar".
Virei páginas de livros
À procura deste Horácio.

Salto fogueiras do Dia
De São João que me acalmam:
É como fogo de artifício
este ditame de Horácio.

Estudei o bom Latim,
Fui a Rónai e Saraiva;
Entre letras me perdi,
Procurando por Horácio.

Renovo a taça de vinho,
Certo de que algo me falta.
Vou à caça, persistente,
Vou direto, busco Horácio.

Haverão de me ver triste,
Muito perto de chorar.
Se me pedem o motivo,
Porei a culpa em Horácio.