REGISTROS DO EVENTO /// HOMENAGEM AOS 70 ANOS DE RUY PÓVOAS - Mensagens dos seus pares da ALITA


Margarida Fahel - saudação ao acadêmico Ruy Póvoas

A presidente da ALITA, Sônia Maron, presenteando Ruy Póvoas
em nome de todos os acadêmicos



Ao som de violino e atabaques, a homenagem da ALITA ao aniversariante, organizada pelo seu diretor cultural, Jorge Batista


A alegria contagiante e serena do aniversariante








FELIZ ANIVERSÁRIO, RUY!


Tente contar as amizades
que você tem no coração.

Depois, conte as coisas boas
que faz frequentemente.

Conte os lugares em que já esteve
e os bons textos que leu e escreveu.

Conte, se conseguir, as vidas que tocou
com seu cuidado diário, atenção e amor.



POR TUDO ISSO QUE VOCÊ TEM FEITO
MERECE  O  QUE  HÁ DE MELHOR:

FELICIDADE!





DUETOS  POÉTICOS
RUY PÓVOAS  E CERES MARYLISE


I - Sobre o tempo



 

DESCOBERTA

Ruy Póvoas



À revelia de mim

(nem sequer me perguntou),

o Tempo, sem piedade,

o meu rosto mapeou.

Desfolhou minha cabeça,

aumentou minha barriga,

diminuiu o meu fôlego,

aumentou minhas saudades,

mistura de mel e sal,

num travo de amargor.

Depois, devagarinho

(para que eu não percebesse),

me jogou num labirinto

e minha existência definhou.

E quando dei conta de mim

(descobri boquiaberto),

Senhor Tempo, espertamente,

fez de mim corpo cansado,

e de um tecido amarrotado

me vestiu a fantasia

neste corpo de senhor.



O TEMPO NÃO PARA

Ceres Marylise



 Os sonhos que no tempo iam ligeiros

e eram companheiros de espera,

foram sendo aqueles os primeiros

da infância em tons de aquarela.



Não havia caminho entrecortado;

somente um sonho era pretendido:

o tempo do futuro desejado,

no mundo para mim desconhecido.

 

O tempo que jamais para seu passo

passou rapidamente em meu caminho,

levou meus despertares ao ocaso,

impondo restrições devagarinho.


 Passaram minha infância e juventude

e a solidão se fez amiga inseparável.

A vida, então, aos poucos, perdeu brilho,

e o tempo foi ficando insuportável.





II - Sobre a palavra



PALAVRA AFIADA

Ruy Póvoas

Fica a face apedrejada
Pela palavra proferida
Mas a boca apedrejante
Fica também ferida.

E muito mais dilacerada
Fica a boca emudecida
Por não dizer ao outro
As dores de sua ferida.

Muito dolorida é a boca
De palavra enferrujada
Que ao beijar o amor
Fere com dura espada.

Muito mais de tudo isso
É a boca calada,
Uma língua emudecida
Ou a palavra negada.

A ofensa, a palavra dura,
A mágoa, a incerteza,
Se são ditas, são sabidas
E propiciam defesa.

Mas a palavra afiada
Arma de muito perigo
E quem dela faz o uso
Pode matar o amigo.




SEM RETORNO

Ceres Marylise


Arrefecido o  ânimo exaltado,
te arrependeste do que declaraste
e já não és dono do que proferiste.


Agora és parte a mais do mecanismo
que te escraviza
e logo se faz carne
de tua própria palavra
em desatino.



E num presságio que dá calafrios
algo te diz
que inevitavelmente,
virão ainda
alguns invernos frios.








III - Sobre o rio



Grapiúna

Ruy Póvoas

Este rio é minha memória
O cordel de minha estória
Minha sela e minha espora
Criador de lavadeiras
Cevador de areeiros
Salvação de pescadores
Arquivo de minha história
Intuição de meus artistas
Um riscado no meu chão
Divisor de meu espaço
Diástole de meu tempo
Sístole de minha fome
Minha artéria esclerosada
Quadro-negro da escola
Sobre o qual estão os versos
De minha gênese e de meu fim.
Este rio é minha sorte
Com ele aprendi a vida
Com ele estudo a velhice
Com ele adivinho a morte
Na corrida para as águas
Do oceano que há em mim.




MEU RIO

Ceres Marylise



Nas águas tranquilas do meu rio,
eu levantava velas, navegava,
e adormecia a contar estrelas
na ilha onde sempre acampava.

Das suas cristalinas correntezas
fluíam melodias que embalavam
os meus pequenos sonhos de bravura:
ali estava meu país de equidade.

Nas peregrinações de minha mente
somente seres bons as habitavam,
inofensivos ao mundo como eu,
uma criança sempre deslumbrada!

Muitos foram meus anos de ausência
e hoje encontro meu rio diferente,
abandonado, estreito, maltratado...
também envelheci, obviamente.

Aqui estou a contemplar nosso cansaço,
nosso ocaso refletido em suas águas,
onde o tempo já mostra suas cinzas
na solitária noite dos meus passos.





RUY PÓVOAS  
SENTIMENTOS EM VERSOS
PRÉ-ANIVERSÁRIO






PREOCUPAÇÃO

De repente, a vertigem,
o corpo leve, querendo vencer
a gravidade:
o amor de Maria,
o pão de cada dia,
a tristeza aniquilada
pelas ondas da alegria.
Ah, viver assim:
sem estupor,
sem agonia,
sem ameaças,
sem maresia.
Será assim,
algum dia?

Ruy Póvoas
09/05/2013






MIM TECIDO

Ser de outro planeta?
Que seja.
Ser de outro planeta?
Tenho sido
na seda
do tecido
que me teci.
Mas me puseram
em barafunda,
em bastidor,
e me teceram.
E o fio tecido,
bem torcido,
retorcido,
empretecido
em fuso antigo,
eterno pêndulo

vai e vem
vem e vai

vai e vem
vem e vai

vai e vem
vem e vai

Ruy Póvoas - 10/05/2013

 




MENSAGEM DE HÉLIO PÓLVORA PARA O ANIVERSARIANTE

Vejo que o Tempo - a mutável massa mágica de que  somos feitos - a força da Palavra - e o Rio Cachoeira, que nos banha a infância grapiúna, fluem para os setent'anos de Ruy Póvoas em versos reflexivos. A eles se agrega a densa emoção poética de Ceres Marylise. Ambos, expoentes dessa grapiunidade "perdida" e sempre reencontrada.

FELIZ ANIVERSÁRIO, PREZADO CONFRADE RUY PÓVOAS!

Hélio Pólvora





A PRESERVAÇÃO DE UM TALENTO

* Sione Porto


    


            Entre nós, o ilheense Ruy do Carmo Póvoas, também orgulho dos itabunenses, um dos membros fundadores da Academia de Letras de Itabuna, onde ocupa a cadeira nº 13.
           Babalorixá, licenciado em Letras pela antiga Faculdade de Filosofia de Itabuna, Mestre em Letras Vernáculas pela UFRJ, professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, poeta, contista, ensaísta, fundador e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Baianos Regionais – KÀWÉ, criador do Terreiro Ilê Axé Ilexá, de origem nagô. Na Academia de Letras de Ilhéus, ocupa a cadeira nº 18.
          Esse brasileiro, baiano, nascido em 1943, itabunense por adoção de todos grapiúnas, além de já ter presenteado os amantes da literatura com várias obras, como Vocabulário da paixão, A linguagem do candomblé, Itan dos mais-velhos, Itan de boca e ouvido, Fala do santo, Verso e Reverso, A memória do feminino no candomblé, dentre outros escritos, brilha aos bem vividos setenta anos, com a magnífica historiologia de Mejigã e o contexto da escravidão, da qual participa como escritor e estreia como organizador, lançada pela Editus, editora da UESC.
         Destacam-se, na bela obra:
         Mary Ann Mahony, com o texto Em busca de Mejigã e sua família: um diálogo entre a oralidade e a documentação escrita;
         Marialda Jovita Silveira, com Ritos da palavra, gestos da memória: tradição oral numa casa ijexá;
         Maria Consuelo de Oliveira Santos, com Ilê Axé: lugar de terapia e resistência;
         Teresinha Marcis e Ivaneide Almeida Silva, com Uma experiência de transcrição e análise de documento histórico: resistência e negociação escrava no Engenho Santana (fac-símile);
         Kátia Vinhático Pontes e Flávio Gonçalves dos Santos, com Reflexões sobre África e sobre o Engenho das Revoltas;
         André Luiz Rosa Ribeiro, com Cultura e Etnicidade na América portuguesa: as irmandades negras, séculos XVII-XVIII;
         Carlos Roberto Arléo Barbosa, com São Jorge dos Ilhéus: um panorama histórico;
         Ruy  Póvoas, com Mejigã: uma trajetória histórica (abertura) e com Do Engenho de Santana ao Ilê Axé Ijexá: o final do contexto da escravidão (fechamento).
         Retrata o escritor e organizador da obra, a restauração dos fatos históricos da escravidão na Região Sul da Bahia, precisamente Engenho de Santana, município de Ilhéus, através da oralidade de Mejigã, mulher negra, escravizada, cujo nome cristão foi recebido como Inês, antes sacerdotisa de Oxum, aprisionada e trazida da Nigéria, sul de Ilexá, para o Brasil, ícone da resistência negra, é a sacerdotisa parte de linha de ascendência do escritor.
         A apresentação dessa historiografia passada no Engenho de Santana nos oferta uma obra suprema, rica em cultura, religião, terapia da medicina, apesar dos sofrimentos com o preconceito e discriminação de uma Ilhéus escravocrata, que açoitava e oprimia um povo esquecido alhures.
         A narrativa em retalhos de Mejigã, hoje, transformada em escritos importantes pelo mestre Ruy, resgata a saga de um povo negro e seus afrodescendentes, excluída pela aristocracia luso-brasileira, que suspirava pela essência da liberdade, e servirá de modelo educacional e cultural, que certamente cruzará o Atlântico.


*SIONE PORTO é  poeta, escritora e diretora de comunicação da Academia de Letras de Itabuna (ALITA)