CARTA PARA RAMIRO SOARES DE AQUINO - Sônia Maron





 

          Meu caro Ramiro


          A generosidade de Ruy Carvalho, usando a autoridade que conquistou como publicitário, fez com que escolhesse o meu nome para dirigir-lhe uma mensagem, representando as nossas duas Academias de Letras, na festa dos seus cinqüenta anos de jornalismo, no dia 28 de maio do corrente ano. Ao ser convocada pelo cerimonial, caminhei para o palco preocupada, temendo não corresponder à expectativa de Ruyzinho, visto que, no evento, dezenas e dezenas de oradores poderiam desincumbir-se da tarefa com mais competência e desenvoltura. Nosso amigo, no entanto, não merece censura em um único aspecto: eu e você, filhos deste chão abençoado por São José, dedicamos nossas vidas e a experiência adquirida que os cabelos brancos legitimam (os seus assumidos e os meus disfarçados pela habilidade de Klaber Carvalho), a Itabuna, recusando, teimosamente, as oportunidades que a vida generosamente nos ofereceu de crescermos longe da região sul da Bahia, como tantos amigos comuns fizeram e hoje são festejados e enaltecidos. Respeito a decisão dos desertores e até mesmo acho que tinham razão, reagindo ao descaso e ingratidão da mãe desnaturada que muitas vezes virou o rosto ao sofrimento do filho que destinou seus sonhos, seu projeto de vida, à cidade que tem as marcas dos seus primeiros passos. Eu e você e poucos de nossa geração, entre os quais destaco Cyro de Mattos, como kamikazes grapiúnas, preferimos aceitar o desafio e ficamos.
           A homenagem a você prestada, Ramiro, revela que valeu a pena sua teimosia e determinação. Seus amigos de ontem e de hoje reconhecem e louvam sua trajetória, sinalizando que ltabuna mudou: todos os oradores destacaram a ética como o valor mais relevante do código de conduta do jornalista; logo, em todos esses anos, a semente plantada por você e outros formadores de opinião , como Ottoni Silva,  Nelito Carvalho, Hélio Nunes, Valdenor Ferreira, Adervan Oliveira,  germinou e já pode ser vista crescendo, ganhando galhos, folhas e flores, permitindo a colheita já existente de um jornalismo sadio, independente, participativo e alerta, digno e intransigente no zelo com os valores que regem uma sociedade democrática e no respeito ao cidadão honrado e consciente do seu papel e do seu espaço em uma comunidade. Como jornalista, radialista, locutor de jornais de TV, superintendente  da TV Cabrália, bancário, cidadão, seu perfil permaneceu o mesmo, do filho de José Nunes de Aquino e Aldemira Soares de Aquino: seu pai, Juquinha, lembrado pelo cavalheirismo, cultura, palavra fácil e erudita, itabunense digno e integrado à comunidade; Aldemira, sua mãe, uma dama, uma verdadeira dama, como se dizia àquela época, fina, elegante no trajar, nos gestos, nas palavras, dedicada às  causas sociais, notadamente a manutenção dificil e tormentosa do  Abrigo São Francisco de Assis. Se existir alguém que não goste de você – o que é improvável -  terá que respeitar o seu pedigree nascido das raízes fincadas neste chão das “terras do sem fim”, com a tradição do respeito a todos que cruzaram seu caminho. Suas virtudes como homem de imprensa, usando-a como ferramenta para construir e reconstruir, atravessaram cinquenta anos e foram proclamadas nesta festa. Emociona constatar que chegamos juntos aos momentos como este, do alto dos nossos setenta anos, com a certeza que nesses cinquenta anos de jornalismo você representou o repúdio à imprensa sensacionalista e inescrupulosa, a mesma imprensa dos paparazzi, que na Inglaterra e na França levou à morte a Princesa Diana quando tentava preservar sua privacidade. A notícia, como você transmitiu — e ainda vai transmitir por muito tempo — observou o princípio da verdade real, a verdade que o leitor, o ouvinte, o telespectador merecem. O jornalista, no sentido mais amplo, busca a verdade real e justa, a verdade que esclarece e pacifica. Podem até dizer que esta visão da imprensa só existe nos sonhos. Não importa. É possível sonhar quando existem e vão existir sempre jornalistas como você. Afinal, o mundo é plural, graças a Deus. É bom, muito bom, que seja você reconhecido como representante do jornalismo itabunense em uma academia de letras; a propósito, as duas academias têm cadeiras ocupadas por representantes da imprensa emblemáticos, que fazem parte da memória de ltabuna: você e Antonio Lopes. É uma evidência que faz lembrar uma música de Chico Buarque de Holanda: "um passarinho me contou que vem aí bom tempo..."
           Esta mensagem, Ramiro, é um aditamento às palavras que lhe dirigi, de improviso, na comemoração festiva dos seus cinquenta anos de jornalismo. Ninguém lembrou, nem mesmo eu, que já fui "jornalista" e “radialista”. Aos dezesseis anos participei de um evento da Rádio Clube de ltabuna, colocando a emissora AM no ar: era um programa de boleros, com a voz de Gregório Barrios, você recorda? Eu tenho a fotografia. Outro fato da minha frustrada carreira de jornalista foi a direção da página feminina do Diário de Itabuna, em 1958/1959, jornal de Ottoni Silva, juntamente com a Rádio Clube. Eu e Paulo Edmundo Fortunato Lima, filho de João Fortunato Pereira e Marília Lima, entrevistávamos damas da sociedade sobre assuntos referentes à cultura e artes, publicávamos poemas inéditos de Firmino Rocha e Valdelice Pinheiro e conseguíamos completar a paginação a duras penas, com crônicas nossas, conselhos de moda e receitas de culinária. Eu tenho os jornais. Afinal, aprendi a priorizar a prova material do fato atuando na área criminal.
           Basta de lembranças, embora as nossas sejam felizes e gratificantes. Afinal, o nosso combate foi o bom combate. Hoje, juntos, vamos “tocando em frente”, inspirados nos versos de Almir Sater:

“Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais.
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe,
Só levo a certeza de que muito pouco sei, ou nada sei.
Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente,
Cada um de nós compõe a sua história, cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz e ser feliz.”

          Pois é, Ramiro, vamos tocando em frente e esperando o melhor. Afinal, Chico Buarque de Holanda já afirmou que vem aí bom tempo. E se a notícia veio através de um passarinho, eles não mentem, entendem apenas de cantar para  alegrar a vida.
                                                        Com carinho
                                                            Sônia
P.S. Ah! Também fui bancária, caixa do Banco de Administração, quando Adelindo Kfoury Silveira era o gerente.
*Sônia Carvalho de Almeida Maron é acadêmica da ALITA