PARTE II - EDIÇÃO ESPECIAL DE NATAL 2013 E ANO NOVO 2014 - TEXTOS ALITANOS






         N a t a l 

                                         Valdelice Soares Pinheiro*



“meia-noite bateu

e a cidade, inteira,

cheia de risos infantis dormindo,

cantou, feliz, cantigas de acordar.

asfalto,

cimento,

bloco armado,

apartamento,

tudo vibrou

- papai noel chegou.

meninos louros,

meninos caboclos,

meninos morenos,

meninos negros,

meninos de todas as cores.

e uma alminha branca inteiramente alegre.

lá em cima,

o chão de terra poeirenta,

a tábua apodrecida,

o zinco furado,

o morro corcunda,

pesado de trapos,

encharcado de dor,

também tudo vibrou.

meninos magros,

meninos tristes,

infância descolorida,

e uma alminha branca inteiramente só.

mãos se levantaram

vazias.

lágrimas baixaram

cheias.

papai noel passou,

papai Noel

não parou.”



Natal de 1960


  In: PINHEIRO, Valdelice Soares. de dentro de mim, Editora Itagraf, Itabuna, 1961

Valdelice Soares Pinheiro
*Patronesse da cadeira nº 14 da ALITA



Natal... para refletirmos sobre a necessidade de construirmos um país no qual daremos presentes só para quem amamos de verdade.
Um mundo no qual ninguém precisará dar nem receber presentes de caridade, porque todos terão condições de viver plena e dignamente.
Natal por um mundo mais justo, igualitário, distributivo e solidário —  todo dia. Um Feliz Natal aos amigos e a todas as pessoas de boa vontade. 
Aleilton Fonseca, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA


Que neste Natal, e nos que vierem mais adiante, alimentemos os desejos de muita paz entre as pessoas e tranquilidade para todos os povos. 
Consuelo Pondé de Sena, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA

Que a imortalidade da convenção acadêmica seja, sempre, um elemento perene de fraternidade cristã entre nós confrades e confreiras, por todo tempo de nossa convivência, especialmente, neste período em que estamos sob a liderança desta pessoa especial, a querida Sonia Maron.
Abraços a todos. 
Edvaldo Brito, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA

      Que o verdadeiro Natal faça morada em cada um de nós, em cada dia do Novo Ano! Que os sentimentos de paz, harmonia,  boa vontade e humildade dominem os nossos gestos, os nossos pensamentos e a nossa palavra! Paz e Alegria a todos!  
Margarida Cordeiro Fahel, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA

  
 Natal

 Luz que inspira Jesus
na manjedoura
A toda gente de raças e cores
Viva melhor
Esqueça o mal,
Cultue os sonhos belos e ocultos
Abra o coração para o amor solidário
Não procure o impossível...
Neste Natal,
Visualize o mais simples amanhecer
Exija menos
Faça alguém feliz
Neste Natal,
Substitua poder, orgulho e vaidade
Por sacrifício a Cristo em espírito
Doe abraços afetuosos
Neste Natal,
Arme uma árvore com carinho
Mesmo que seja de ciprestes secos
Enfeite com luzes e sinos dourados
Neste Natal,
Oferte prendas de amor verdadeiro
E com Jesus
Faça a sua festa
Feliz Natal!
 
*Sione Porto, membro da Academia de Letras de Itabuna ALITA
 
   QUE O NATAL NÃO ACABE


Em cada parte do mundo

Há diferentes comemorações

E cada uma é especial

Nas alegrias e manifestações.



Natal, época de refletir

Sobre quem nos deu a vida,

Abraçar a quem amamos,

Curar todas as feridas.



Pensar nos que nada têm,

Ser solidário, fazer o bem,

Espalhando humanidade

Nos atos de fraternidade.



Mas as luzes se apagarão,

Todos se levantarão da mesa,

Cada um seguirá o seu caminho

E quem manterá a chama acesa?

   *Raquel Rocha, membro da Academia de letras de Itabuna 


 
    Natal, advento do menino Deus, mistério presente na história humana, atestado sublime da compaixão divina.
     Que esta reflexão nos faça retornar aos primevos júbilos da humanidade, quais sejam: simplicidade, humildade, espírito fraterno e amoroso.
      Feliz Natal aos alitanos e suas famílias!
    Carlos Eduardo Passos, membro da Academia de Letras de Itabuna
 


Feliz Natal, queridos confrades e confreiras! Que todos possamos ser visitados pelo Menino Jesus na sua mais profunda pureza. Que os Reis Magos sejam portadores de boas novas, visitem sempre nossos lares e alma.
 Silmara Oliveira,  membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA 

  
Natal do (re)nascimento



Ao mesmo tempo em que comemoramos o nascimento de Jesus Cristo no dia 25 de dezembro, devemos também experimentar um renascimento neste Natal. Que renasçam em cada um de nós os valores que vemos minguar na chamada pós-modernidade. Entre eles, a solidariedade, a consciência de que há lugar para todos e a capacidade de acreditar que é possível, sim, construir um amanhã melhor que o hoje. 
Celina Santos, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA



A SOCIEDADE MONTEPIO DOS ARTISTAS DE ITABUNA DESEJA A TODOS OS MEMBROS DA ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA - ALITA,  UM FELIZ  NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO. QUE A SERENIDADE E A ALEGRIA DO ESPÍRITO DE NATAL ESTEJAM PRESENTES EM TODOS OS DIAS DO PRÓXIMO ANO E QUE 2014 SEJA REPLETO DE REALIZAÇÕES E UNIÃO DE TODOS!

                                         SAÚDE, AMOR E PAZ!

SOCIEDADE  MONTEPIO  DOS  ARTISTAS   DE  ITABUNA
Parceira da Academia de Letras de Itabuna
José Vanderley Borges de Souza
Presidente







NELSON MANDELA, O EXEMPLO

                                                   Sônia Carvalho de Almeida Maron*



            Reverenciado por seu povo com o apelido tribal de “Mandiba”, nome de seu clã, prêmio Nobel da Paz, último grande homem e estadista do século XX e seu legado como cidadão e político, permitem que seja considerado um herói incomum. Revolucionário, na ótica distorcida dos que alimentavam o preconceito racial na África do Sul, foi, em verdade, o estadista que  pacificou o país, iniciando a construção de uma sociedade mais justa. Resistindo a vinte e sete anos de prisão, despertou a atenção do mundo para a tirania explícita dos dirigentes do seu povo. Ainda assim, herói, líder verdadeiro e único do seu país, não se aproveitou das circunstâncias mágicas que iluminaram seu caminho para eternizar-se no poder.

            Nelson Mandela, negro, advogado, revolucionário da paz e do ideal de justiça, exerceu, como poucos, o milagre da superação. Nem o cárcere durante mais de duas décadas conseguiu mudar seu caráter reto e límpido, nem afastá-lo do objetivo maior: transformar um país deformado pelo preconceito, insensibilidade e visão doentia dos governantes, em estado democrático de direito. Vislumbrou a possibilidade de uma sociedade mais justa tendo como arma a sensibilidade e intuição daqueles que, através do estudo e do conhecimento, escolhem o caminho árduo da luta pelo bem comum e doação de si mesmo. E o fez sem populismo, culto da personalidade ou  obsessiva fixação ao poder.

            A liderança de Nelson Mandela não foi construída por profissionais da comunicação, promessas de milagres, discursos inflamados e vazios, frases feitas, pesquisas direcionadas e outros recursos fartamente utilizados para manipular e conduzir a opinião dos desavisados, que exercem o direito do voto como obrigação. Mandiba, o líder legítimo e imortal da Africa do Sul, conquistou o respeito da sua tribo, do seu povo e do mundo trilhando o caminho inverso.

            O grito tribal de dor, misto de música, canto e lágrimas, enviado pela África do Sul, sacode o mundo. É bom que sofram a perda do seu líder no mês em que se comemora o nascimento do Menino Jesus. O exemplo de Mandela é o melhor presente de Natal para consolidação da mensagem de doação e oferta de paz e fraternidade.

        E por falar em Natal, finalmente Itabuna festeja a data maior da cristandade com muita luz: ruas, praças, árvores, pontes, edifícios, oferecem um bonito espetáculo colorido de alegria e esperança. Os símbolos não podem ser desprezados e a LUZ é o mais poderoso deles. Parabéns, portanto, à nossa Itabuna iluminada. E que a esteira de luz das suas praças e pontes permaneça, simbolicamente, nos muitos dias que virão com a força da luz, do otimismo e da fraternidade.

                                                
*Presidente da Academia de Letras de Itabuna - ALITA




                      O simbolismo do Natal


A festa do Natal foi instituída pela Igreja Católica, no século IV, durante o Concilio de Niceia, à meia noite, para ser comemorada próxima ao solstício de inverno no norte. O intuito foi substituir as tradições pagãs que, na noite de 21 de dezembro, celebrava a renovação do sol. A partir desse dia do solstício de inverno no hemisfério norte (solstício de verão no hemisfério sul), o sol começa a subir novamente no céu, e os romanos festejavam o evento nos templos consagrados ao “Sol Invicto”, na colina onde hoje está a cidade do Vaticano. Esta data era marcada com muitas fogueiras que festejavam e celebravam o retorno do sol das profundezas da escuridão, pois, no norte, ele pode ficar até alguns meses sem aparecer no horizonte, dependendo da região. É aquele momento em que a natureza se fecha sobre si mesma, num ato de quase reflexão, pois a Mãe Terra não está gerando seus frutos e resta a muitos a hibernação, seja ela física, ou espiritual.

A partir de 335 d.C passou-se a celebrar o Natal em Roma. Substituiu-se a “celebração do nascimento do sol visível no solstício de inverno pela do Criador invisível do Sol” conforme dizia Santo Agostinho. Transformava-se a festa solar do Natale Invicti pela do Natale Christi. Fazia-se coincidir os ciclos das festas cristãs e das festas pagãs, ciclos estes marcados pelas celebrações ritualísticas da Luz.

O Natal também é a festa das crianças, o que lhe confere seu caráter de intimidade familiar e de celebração da inocência. Mas, a criancinha deitada na manjedoura do presépio deve crescer a partir desse dia, pois, este é o seu destino tal como o do sol.

Esta ideia de Criança-Deus é totalmente estranha ao Islã, religião do Oriente Médio, terra de Jesus, onde Alá se identifica também a um sol invictus que estaria sempre presente no solstício de 24 de junho, meio do ano, com o verão e o calor no zênite (hemisfério norte), exigindo a fé cega de sua criatura submetida ao seu poder. O Sufismo, misticismo muçulmano e raiz da Ordem do Templo encontra, também, nesses símbolos, meios de meditação profundos que levam a alma humana ao êxtase pretendido por eles, não somente através da dança e da música, mas, também, da meditação e do retiro interior.

O Natal nos oferece outra visão: a de um Deus que se esconde como o sol de inverno nas altas latitudes, lá onde a cristandade devia precisamente propagar-se, sob os climas menos ensolarados que os da Arábia, do Oriente Médio ou da África do Norte, primeiros berços do Islã. Jesus Cristo simboliza o Deus escondido, um Deus que se mantém humildemente à porta da alma e do coração, um Deus que se infiltra e se insinua em nós, nos nossos momentos de fraqueza, em nossos pontos de ruptura, para nos ajudar e nos salvar.

 A escuridão da noite com que se comemora o Natal nos remete ao inconsciente, ao adormecimento da Alma que está prestes a despertar junto à Iniciação que obtemos interiormente quando compreendemos os mistérios do Nascimento do Senhor. Ela é projetada por nós, idealizada, batizada: é o Ser Supremo, o Absoluto, é Deus.

Que todos sejam abençoados pela luz e a energia do Natal que, neste mês de dezembro, pulsam mais forte do que nunca. Pois ele está entre nós!

(In: Adílio Jorge Marques, FRC. Revista O Rosacruz, 4º trimestre de 2007, p. 44-47) 
Enviado por Lurdes Bertol, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA


                 

MERRY CHRISTMAS
                                                Rilvan Santana*

 Caro leitor, talvez, tu me aches abusado, afetado, onde já se viu um sujeito bacurau, nascido lá longe no interior de Sergipe com esse negócio de inglês para dizer: “Merry Christmas!” ao invés de “Feliz Natal!” e tu tens toda razão meu amigo, minha amiga, porém, não é pedantismo, é que quero contar a história do meu Natal de maneira grandiosa, por isto, escolhi “Merry Christmas”, mais sofisticado e mais bonito.
O Papai Noel daquela época tinha significado verdadeiro, diferente dos meninos de hoje, os garotos e as garotas criam na existência do velhinho barrigudo, barba e sobrancelhas brancas, roupa vermelha, gorro e polainas, carregando um grande saco de presentes, depositando o presente embaixo da cama dentro ou fora do sapato. Não eram presentes sofisticados: brinquedos de plásticos, bonecas de pano, carrinhos de madeira, estojo de gude, espada de plástico e máscara do Zorro, às vezes, o Papai Noel exagerava e deixava de presente velocípede e bicicleta.
Mãe Judite gostava de passar o Natal junto com os seus pais e irmãos em Lagarto, uma das principais cidades sergipanas. Ela arrumava a mala com suas coisas e as minhas, pegávamos o pau-de-arara (carro que transportava gente), e, íamos pra Lagarto, lá ficávamos todo mês de dezembro e início de Ano Novo, só retornávamos pra Itabuna quando o seu marido não mais se aguentava de saudade.
A nossa estada era a casa dos meus avós, afora os dias de festa de lá não saíamos pra lugar nenhum, não havia necessidade, havia de tudo que um menino gosta: uma malhada de fumo no fundo, duas ou três cabeças de gado e um pomar rico em árvores frutíferas, nelas, nós fazíamos as nossas estripulias: balançar na gangorra, subir no galho mais alto de uma mangueira e chupar a manga no pé ou montar na galha de cajueiro, imitando o tropel de um cavalo.
A casa era simples, mas aconchegante. Os móveis eram naquele tempo: mesa grande, tamanho família, cadeiras com estofos de vime, uma espreguiçadeira para o meu avô João Zabelinha tirar suas sestas, camas com cabeceiras desenhadas e torneadas, colchões de lã, cristaleira e baús. Não havia radiovitrola, nem água encanada, nem chuveiro, nem energia elétrica, nem rede de esgoto, o banho era no tacho de cobre, a casa alumiada por candeeiro, aladim, e, o serviço sanitário despejado numa fossa. O luxo da casa era um rádio enorme, de muitas faixas, alimentado por bateria de automóvel ou pilhas descartáveis, em torno dele, se reunia a família pra ouvir música ou a “Voz do Brasil” pelo um pool de emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo, liderados pela Rádio Nacional, Mayrink Veiga e a Globo, era o luxo do luxo...
A casa não era rica, mas não podíamos nos queixar da ceia de Natal: peru, frango a molho pardo, carne de carneiro ou de bode, patê de fígado, purê de batata, feijão, fava, farofa de andu, arroz grelhado ou cozido, saladas, nozes, azeitonas, tudo regado com bom vinho para os adultos e a molecada se empanturrava em doces de caju, manga, jabuticaba, quem não gostava de doce, se empanturrava no caldeirão de ponche natural – não havia geladeira.
Cedo saíamos do Coqueiro, a pé, a cavalo, em carro de boi, mulheres e meninos montados na garupa dos animais, os homens a cavalo, não demorávamos chegar ao centro da cidade de Lagarto, a tempo de passear na Praça da Matriz, ouvir as músicas de Natal, tocadas pela filarmônica da cidade no coreto oitavado no meio da praça e aprontar algumas piculas e assistir a missa.
A missa do Galo é diferente das outras pelo luxo e pela quantidade de fieis. As senhoras e os senhores usam sua melhor roupa, os meninos sua roupa nova, geralmente, é celebrada meia noite do dia 24 de Dezembro para o dia 25 de Dezembro, segundo a tradição cristã, porém, o padre alemão da Igreja Matriz, daquela época, celebrava muito mais cedo, pois sabia que muita gente vinha de longe. O Coqueiro, em particular, dista do centro de Lagarto mais de 3 km, hoje, é um bairro bem povoado, urbanizado, naquele tempo era um arremedo de bairro, mais roça do que bairro, sítio de um lado e do outro da estrada arenosa que se encontrava com o calçamento na entrada da cidade.
Os meninos pouco se lixavam pra homilia do padre alemão de latim embolado, nós queríamos de verdade era passear na cidade grande... Na Matriz, nos interessávamos pelo presépio: o menino Jesus deitado na manjedoura, os três Reis Magos adorando o Menino – Deus, José e Maria...
Quando o padre ultimava os ritos finais: “Benedicat vos omnipotens Deus” e “Pater et Filius et Spiritus Sanctus, Amen!”, era hora de fazermos o trajeto de volta, a ceia de Natal clamava nossa presença!...

* Rilvan Batista de Santana, é membro fundador da ALITA 



Natal das Crianças Negras
                                                            Cyro de Mattos

      Eles moravam no morro, a irmã era chamada de Bel, o irmão de Nel.  Bel não recebia da vida a doçura feita com mel. E Nel não vivia a vida, lá no alto morro, como se estivesse no céu. A mãe deles chamava-se Maria. Vestia trajes simples, gastos pelo uso diário. Nunca vestiu um manto azul feito de seda para brilhar no dia, como se via na igreja com a imagem da Virgem Maria.  
      A mãe de Bel e Nel era lavadeira. Tinha as mãos grossas de calo de tanto bater roupa na correnteza de águas límpidas. Durante a semana descia o caminho pelo barranco com a bacia de roupas sujas  na cabeça. Quando chegava à beira do rio, colocava a bacia de roupas em uma pedra grande, junto ao areal. Não demorava e começava a tirar as roupas da trouxa. Molhava, ensaboava, esfregava, lavava e torcia. Estendia as roupas nas pedras pretas para secar ao sol. As pedras pretas, cobertas de roupas estendidas, de repente apareciam coloridas naquele trecho do rio.     
      O pai de Bel e Nel  chamava-se José, era carpinteiro. Sabia usar com habilidade  os  instrumentos de trabalho:  martelo,  serrote,  enxó,  plaina e formão. Suas mãos pequenas faziam cadeira, mesa e banco. Consertavam porta, janela e portão. No mês que Bel completou seis anos de idade, o carpinteiro José começou a sentir  dores na espinha. Os ossos inflamados, as mãos trêmulas, o corpo todo doía. À noite no quarto gemia. O coração dele foi diminuindo o amor que tinha por São José, o padroeiro da cidade, por causa da doença que o afligia. Até  que um dia o pai de Bel e Nel perdeu  para sempre sua constante fé em São José, o santo protetor dos carpinteiros.
      O tempo de Natal era chegado. Nel queria um avião grande, Bel uma boneca que chora. Viram o velho gordo com o rosto rosado pela primeira vez na televisão da loja.  Carregava um saco de brinquedos nas costas. Tinha a barba branca e os cabelos sedosos. Vestia uma roupa vermelha. Calçava botas pretas. Numa das cenas em que aparecia na telinha, deixava escapar do rosto rosado um sorriso que transmitia uma sensação de alegria e paz a cada criança que ia falar com ele e receber o seu carinho.  Os meninos no passeio da  loja não tiravam os olhos da televisão. Comentavam que o velho  dava brinquedos à criançada  sem  querer nada de volta. Eles sorriam quando o velho aparecia com as roupas folgadas na telinha. Olhinhos deles todos no querer, como que encantados cintilavam.
      Com olhinhos espertos e risinhos que enchiam os dentinhos, Bel e Nel foram olhar a árvore enfeitada com bolinhas e luzinhas,  armada em um dos cantos da loja. À noite as luzinhas acendiam e apagavam. A estrela no alto comovia. Descobriram depois  o presépio em outro canto da loja, com os camponeses, pastores e bichos. Ficaram admirando  o pequeno estábulo do presépio, que tinha o teto coberto de folha  de palmeira. Um galo de crista vermelha estava  no telhado. Uma estrela brilhava na cumeeira, toda acesa de Deus. Nossa Senhora e São José mostravam os semblantes felizes, ao lado de Jesuscristinho, que  dormia o sono bom no berço puro e quente, feito de palha.  E os três reis magos, ali no presépio,  davam a entender que não eram dignos de  tocar na palha onde Jesuscristinho  dormia o sono sereno.
      Sentados no meio-fio do passeio da loja, Bel e Nel escutavam agora a musiquinha  que saía alegre pelo alto-falante no poste. De vez em quando o alto-falante baixava o som. Então a   musiquinha fazia um fundo musical no mesmo instante em que entrava  a voz pausada do locutor.  A voz dele informava que  vinha de Belém a estrela mais bela. Fora trazida pelas mãos da maior madrugada. Seu brilho imenso descaía do céu e vinha iluminar a relva onde os bichos anunciavam e cantavam o nascimento do menino Jesus. A voz do locutor ficava emocionada quando comunicava  que naquele dia o menino pobre nascia no estábulo. Esse menino Deus  vinha para afugentar o mal de toda a terra. A voz doce  do locutor terminava  a mensagem de paz eterna com mais emoção no final quando então revelava que os sinos do mundo inteiro nessa hora  tocavam: É Natal! É Natal!
      O alto-falante voltava a tocar a musiquinha alegre, acompanhada dessa vez de uma cantiga cativante. Bel e Nel continuavam sentados no meio-fio do passeio. Recebiam  o sopro da brisa que circulava na rua, ao final do dia. A brisa suavizava os rostos deles dois em silêncio, enquanto seus pequenos corações eram tocados pela cantiga que se repetia e  começava assim:

            Botei meu sapatinho
            Na janela do quintal.
            Papai Noel deixou
            Meu presente de Natal...

      Dizia a cantiga ainda mais, que o velhinho  sempre visitava  o quarto de cada menino onde  deixava, ali,  um brinquedo como  presente naquela noite especial. Seja rico, seja pobre, seja branco, seja preto, como  Bel e Nel, o velhinho sorridente e bondoso  não esquece de ninguém.
      Bel e Nel colocaram os chinelos na janela do quarto. Nada acharam no outro dia. Do ponto mais alto do morro ficaram olhando as nuvens alvas, trafegando no céu como grandes almofadas. Umas nuvens menores desenhavam brinquedos enquanto iam passando  mansas diante dos olhos tristes deles dois.
      Eles viam nesse instante a cidade lá embaixo, aos seus pés. Imaginavam a algazarra da manhã festiva. No passeio, no jardim, em qualquer canto da casa. Cada menino o brinquedo exibia. Saltava, dançava, corria, sonhava, voava, sorria.
     Então souberam como o mundo dava as costas a Jesus. Não queria ver Maria. Escondia-se de José.  O Natal era a lágrima que pelo rosto deles dois descia.
      E uma canção desfazia.
                *Cyro de Mattos é escritor, poeta e advogado aposentado.
  



CARTÃO DE NATAL ENVIADO POR HÉLIO PÓLVORA 
PARA  A EDIÇÃO ESPECIAL DE NATAL
 


Bom Natal antigo
Hélio Pólvora*

      Pedem-me uma frase, coisa curta, até umas quatro linhas para postagem em página eletrônica, sobre o Natal — e não é que me sinto vazio? Encomendaram um soneto, de supetão, a don Lope de Veja, e ele confessou: “Nunca me he veído en tal aprieto”. Mas era dado ao chiste e esgrimiu prontamente os 14 versos.
      Dizer o quê? Tenho medo das atitudes afetadas, puramente literárias, despidas de sinceridade emotiva. Sim, dizer o quê, sem cair no falsete dos clichês? Imitar Charles Dickens, epígono do conto de Natal, com seus personagens avarentos que aprendem, por milagre, a dar e amar, seria escandaloso. E me faltam aqueles finais surpreendentes de O. Henry, em especial no conto “Gifts of the Magi” (Presentes dos Magos). 
      Mas talvez ainda caiba uma crônica. Esta lembraria que o Natal convida à celebração, embora não dispense o sentimento verdadeiro de fraternidade e misericórdia. Infelizmente, nesta nossa época ele se transformou em festa exibicionista, mero pretexto para se comer e se beber à larga, em mesas opulentas, enquanto a população de baixa renda se atira aos panetones e fatias de peru.
      Sem a pureza ingênua que o aproximava do folclore, das barracas na praça com sorteios e quermesses, e, sobretudo, o presépio com os seus protagonistas, resta o Natal dentro de nós — um Natal sentido, desejado, comungado, provavelmente amado.
      Apesar da ocasional manjedoura, com suas interrogações e deslumbramentos, a cultura massificada nivela tudo, impõe a exteriorização ruidosa. Tira do Natal aquele fervor íntimo, aquele  anseio vago ou ardente de euforia salvadora. Sem mistério, o Natal é acontecimento familiar ou grupal. As pessoas se reencontram em volta da mesa, rolhas saltam, transborda a espuma, o vapor sobe das terrinas e bandejas dos assados, o aroma do vinho embriaga.
      A crônica natalina acentuaria aspectos, diferenças, frustrações. Decerto não esqueceria a esperança de um Natal de vida melhor, a começar dentro de nós, seus convivas. Quer dizer: a descida àquele escaninho onde o coração bate mais manso e meigo, a inquirição, o exame de consciência. Uma avaliação do que se fez e do que se omitiu. A vontade de conjugação, porque, se nos deixarem ficar bem e tranquilos, acabaremos por sensibilizar o vizinho.
      Tive uns Natais mágicos. Mas eles, coisa estranha, se apagaram no disco rígido da memória. Ficou somente um, dos tempos da pré-adolescência, quando me levaram ao cinema para ver Seu Único Pecado, com o russo Akim Tamiroff, que era bom pai e bom esposo, mas pulou afoitamente o muro conjugal, a mulher requereu divórcio e o expulsou de casa. Enquanto ela casava com outro e acumulava riquezas, Akim se arrastava pela neve, sem o home, sweet home, sem esposa a quem chamar honey ou darling, morto de saudade dos filhos. Virou mendigo. Veio o Natal. O proscrito tinha fome, estava sujo, de longa barba enxovalhada. Aproximou-se de uma mansão iluminada, limpou a vidraça com os dedos. E lá estava a sua família ao redor da mesa e da árvore de Natal, em estado de bem-aventurança que pode faltar 360 dias por ano, mas deve, for força, ser esfuziante e opípara nos festejos natalinos.
      Sou incapaz de um enredo desses que, no fim, transforma o duro capitalismo em elixir de confraternização. E se eu imaginasse algo semelhante, sentimentaloide, quem se importaria, quem me leria?
      A crônica natalina poderia ter o seguinte fecho: o encanto do Natal está em você, fique certo. Em você que ainda é capaz de se esquivar ao alheamento, ao menosprezo, ao ódio. Arme um presépio dentro de você, neste novo Natal de um mundo fatiado e sangrento. Já seria muito.
      Digo isso por saber que Natal é renascimento, é renovação. Faço uma força danada para me renovar todos os dias, após a travessia de certas noites escuras. E como disse o personagem de um conto meu: Jesus pregou a humildade e a fraternidade, como forma de luta e ascensão, enfrentou o demônio em tremendos bate-bocas — e foi crucificado. Pensando bem: o sacrifício nos parece, a cada dia, mais inútil. Continuamos à mercê de fariseus que se dizem portadores da verdade.
      Tenham todos um bom Natal antigo.
*Hélio Pólvora é membro efetivo da Academia de Letras de Itabuna 






DOS NATAIS   
Ceres Marylise*

    Por melhor que seja o vinho, por farto que seja o champagne, o Natal é sempre uma festa nostálgica: se abatem todas as nossas grandezas, acordam todas as nossas fraquezas e há uma dolorosa desorganização dos sentimentos. 
    Os amigos são os mesmos, mas nos chegam como outros, quase estranhos e, no entanto, mais amigos. Os inimigos, parece, deixam de existir e, no entanto, são apenas esquecidos durante o vinho. 
    Estranhamente, os mortos parecem tomar lugar à mesa, brindar e participar dos abraços e até mesmo chorar as mesmas lágrimas dos que festejam a vida.  Não consigo me emocionar durante a ceia quando vejo tantas pessoas sorrir, em tantos braços tocar e em tantos olhos, olhar. 
   Sangro, pois todo amor com data marcada me fere, todo beijo formal me cega, todo corpo sem calor me lacera, todo amor de encomenda me ensandece.
    Tanto maior a festa da cristandade,  mais profundo parece ser o abismo em que se perdem  os que  disputam restos  de  alimentos com cães e ratos, mais fantástico parece ser o universo dos que têm cheiro de lixo, mais sem rumo  é o mundo dos desprezados e necessitados.
   Penso em como poderiam ser diferentes os natais, afinal, todos temos direito ao mundo, e ao céu também! 
   

 *Ceres Marylise Rebouças, vice-presidente e membro da Academia de Letras de Itabuna