N a t a l
Valdelice Soares Pinheiro*
“meia-noite
bateu
e
a cidade, inteira,
cheia
de risos infantis dormindo,
cantou,
feliz, cantigas de acordar.
asfalto,
cimento,
bloco
armado,
apartamento,
tudo
vibrou
-
papai noel chegou.
meninos
louros,
meninos
caboclos,
meninos
morenos,
meninos
negros,
meninos
de todas as cores.
e
uma alminha branca inteiramente alegre.
lá
em cima,
o
chão de terra poeirenta,
a
tábua apodrecida,
o
zinco furado,
o
morro corcunda,
pesado
de trapos,
encharcado
de dor,
também
tudo vibrou.
meninos
magros,
meninos
tristes,
infância
descolorida,
e
uma alminha branca inteiramente só.
mãos
se levantaram
vazias.
lágrimas
baixaram
cheias.
papai
noel passou,
papai
Noel
não
parou.”
Natal de 1960
In: PINHEIRO, Valdelice Soares. de dentro de mim, Editora Itagraf, Itabuna, 1961
Valdelice Soares Pinheiro |
*Patronesse da cadeira nº 14 da ALITA
Natal... para refletirmos sobre a necessidade de
construirmos um país no qual daremos presentes só para quem amamos de
verdade.
Um mundo no qual ninguém precisará dar nem receber
presentes de caridade, porque todos terão condições de viver plena e
dignamente.
Natal por um mundo mais justo, igualitário, distributivo
e solidário — todo dia. Um Feliz Natal aos amigos e a todas as pessoas de boa
vontade.
Aleilton Fonseca, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
Que neste Natal, e nos que vierem mais adiante, alimentemos os desejos de muita paz entre as pessoas e tranquilidade para todos os povos.
Consuelo Pondé de Sena, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
Que a imortalidade da convenção acadêmica seja, sempre,
um elemento perene de fraternidade cristã entre nós confrades e confreiras, por
todo tempo de nossa convivência, especialmente, neste período em que estamos sob
a liderança desta pessoa especial, a querida Sonia Maron.
Abraços a
todos.
Edvaldo Brito, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
Que o verdadeiro Natal faça morada em cada um de nós, em cada dia
do Novo Ano! Que os sentimentos de paz, harmonia, boa vontade e humildade
dominem os nossos gestos, os nossos pensamentos e a nossa palavra! Paz e Alegria
a todos!
Margarida Cordeiro Fahel, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
Natal
Luz que inspira Jesus
na manjedoura
A toda gente de raças e cores
Viva melhor
Esqueça o mal,
Cultue os sonhos belos e ocultos
Abra o coração para o amor solidário
Não procure o impossível...
Neste Natal,
Visualize o mais simples amanhecer
Exija menos
Faça alguém feliz
Neste Natal,
Substitua poder, orgulho e vaidade
Por sacrifício a Cristo em espírito
Doe abraços afetuosos
Neste Natal,
Arme uma árvore com carinho
Mesmo que seja de ciprestes secos
Enfeite com luzes e sinos dourados
Neste Natal,
Oferte prendas de amor verdadeiro
E com Jesus
Faça a sua festa
Feliz Natal!
na manjedoura
A toda gente de raças e cores
Viva melhor
Esqueça o mal,
Cultue os sonhos belos e ocultos
Abra o coração para o amor solidário
Não procure o impossível...
Neste Natal,
Visualize o mais simples amanhecer
Exija menos
Faça alguém feliz
Neste Natal,
Substitua poder, orgulho e vaidade
Por sacrifício a Cristo em espírito
Doe abraços afetuosos
Neste Natal,
Arme uma árvore com carinho
Mesmo que seja de ciprestes secos
Enfeite com luzes e sinos dourados
Neste Natal,
Oferte prendas de amor verdadeiro
E com Jesus
Faça a sua festa
Feliz Natal!
*Sione Porto, membro da Academia de Letras de Itabuna ALITA
QUE O NATAL NÃO
ACABE
Em cada parte do mundo
Há diferentes comemorações
E cada uma é especial
Nas alegrias e manifestações.
Natal, época de refletir
Sobre quem nos deu a
vida,
Abraçar a quem amamos,
Curar todas as
feridas.
Pensar nos que nada
têm,
Ser solidário, fazer o
bem,
Espalhando humanidade
Nos atos de
fraternidade.
Mas as luzes se
apagarão,
Todos se levantarão da mesa,
Cada um seguirá o seu caminho
E quem manterá a chama
acesa?
*Raquel Rocha, membro da Academia de letras de Itabuna
*Raquel Rocha, membro da Academia de letras de Itabuna
Natal, advento do menino Deus, mistério presente na história humana, atestado sublime da compaixão divina.
Que esta reflexão nos faça retornar aos primevos júbilos da humanidade, quais sejam: simplicidade, humildade, espírito fraterno e amoroso.
Feliz Natal aos alitanos e suas famílias!
Carlos Eduardo Passos, membro da Academia de Letras de Itabuna
Feliz Natal, queridos confrades e confreiras! Que todos possamos ser visitados pelo Menino Jesus na sua mais profunda pureza. Que os Reis Magos sejam portadores de boas novas, visitem sempre nossos lares e alma.
Silmara Oliveira, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
Natal do (re)nascimento
Ao mesmo tempo em que comemoramos
o nascimento de Jesus Cristo no dia 25 de dezembro, devemos também experimentar
um renascimento neste Natal. Que renasçam em cada um de nós os valores que
vemos minguar na chamada pós-modernidade. Entre eles, a solidariedade, a
consciência de que há lugar para todos e a capacidade de acreditar que é
possível, sim, construir um amanhã melhor que o hoje.
A SOCIEDADE MONTEPIO DOS ARTISTAS DE ITABUNA DESEJA A TODOS OS MEMBROS DA ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA - ALITA, UM FELIZ NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO. QUE A SERENIDADE E A ALEGRIA DO ESPÍRITO DE NATAL ESTEJAM PRESENTES EM TODOS OS DIAS DO PRÓXIMO ANO E QUE 2014 SEJA REPLETO DE REALIZAÇÕES E UNIÃO DE TODOS!
SAÚDE, AMOR E PAZ!
Celina
Santos, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
SAÚDE, AMOR E PAZ!
SOCIEDADE MONTEPIO DOS ARTISTAS DE ITABUNA
Parceira da Academia de Letras de Itabuna
José Vanderley Borges de Souza
Presidente
NELSON
MANDELA, O EXEMPLO
Sônia Carvalho de Almeida Maron*
Reverenciado por seu povo com o
apelido tribal de “Mandiba”, nome de seu clã, prêmio Nobel da Paz, último
grande homem e estadista do século XX e seu legado como cidadão e político,
permitem que seja considerado um herói incomum. Revolucionário, na ótica
distorcida dos que alimentavam o preconceito racial na África do Sul, foi, em
verdade, o estadista que pacificou o
país, iniciando a construção de uma sociedade mais justa. Resistindo a vinte e
sete anos de prisão, despertou a atenção do mundo para a tirania explícita dos
dirigentes do seu povo. Ainda assim, herói, líder verdadeiro e único do seu país,
não se aproveitou das circunstâncias mágicas que iluminaram seu caminho para
eternizar-se no poder.
Nelson Mandela, negro, advogado,
revolucionário da paz e do ideal de justiça, exerceu, como poucos, o milagre da
superação. Nem o cárcere durante mais de duas décadas conseguiu mudar seu
caráter reto e límpido, nem afastá-lo do objetivo maior: transformar um país
deformado pelo preconceito, insensibilidade e visão doentia dos governantes, em
estado democrático de direito. Vislumbrou a possibilidade de uma sociedade mais
justa tendo como arma a sensibilidade e intuição daqueles que, através do
estudo e do conhecimento, escolhem o caminho árduo da luta pelo bem comum e
doação de si mesmo. E o fez sem populismo, culto da personalidade ou obsessiva fixação ao poder.
A liderança de Nelson Mandela não
foi construída por profissionais da comunicação, promessas de milagres,
discursos inflamados e vazios, frases feitas, pesquisas direcionadas e outros
recursos fartamente utilizados para manipular e conduzir a opinião dos
desavisados, que exercem o direito do voto como obrigação. Mandiba, o líder
legítimo e imortal da Africa do Sul, conquistou o respeito da sua tribo, do seu
povo e do mundo trilhando o caminho inverso.
O grito tribal de dor, misto de
música, canto e lágrimas, enviado pela África do Sul, sacode o mundo. É bom que
sofram a perda do seu líder no mês em que se comemora o nascimento do Menino
Jesus. O exemplo de Mandela é o melhor presente de Natal para consolidação da
mensagem de doação e oferta de paz e fraternidade.
E por falar em Natal, finalmente
Itabuna festeja a data maior da cristandade com muita luz: ruas, praças,
árvores, pontes, edifícios, oferecem um bonito espetáculo colorido de alegria e
esperança. Os símbolos não podem ser desprezados e a LUZ é o mais poderoso
deles. Parabéns, portanto, à nossa Itabuna iluminada. E que a esteira de luz
das suas praças e pontes permaneça, simbolicamente, nos muitos dias que virão
com a força da luz, do otimismo e da fraternidade.
*Presidente
da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
A
festa do Natal foi instituída pela Igreja Católica, no século IV, durante o
Concilio de Niceia, à meia noite, para ser comemorada próxima ao solstício de
inverno no norte. O intuito foi substituir as tradições pagãs que, na noite de
21 de dezembro, celebrava a renovação do sol. A partir desse dia do solstício
de inverno no hemisfério norte (solstício de verão no hemisfério sul), o sol
começa a subir novamente no céu, e os romanos festejavam o evento nos templos
consagrados ao “Sol Invicto”, na colina onde hoje está a cidade do Vaticano.
Esta data era marcada com muitas fogueiras que festejavam e celebravam o
retorno do sol das profundezas da escuridão, pois, no norte, ele pode ficar até
alguns meses sem aparecer no horizonte, dependendo da região. É aquele momento
em que a natureza se fecha sobre si mesma, num ato de quase reflexão, pois a
Mãe Terra não está gerando seus frutos e resta a muitos a hibernação, seja ela
física, ou espiritual.
A
partir de 335 d.C passou-se a celebrar o Natal em Roma. Substituiu-se a “celebração do nascimento do sol visível no
solstício de inverno pela do Criador invisível do Sol” conforme dizia Santo
Agostinho. Transformava-se a festa solar do Natale
Invicti pela do Natale Christi.
Fazia-se coincidir os ciclos das festas cristãs e das festas pagãs, ciclos
estes marcados pelas celebrações ritualísticas da Luz.
O
Natal também é a festa das crianças, o que lhe confere seu caráter de
intimidade familiar e de celebração da inocência. Mas, a criancinha deitada na
manjedoura do presépio deve crescer a partir desse dia, pois, este é o seu
destino tal como o do sol.
Esta
ideia de Criança-Deus é totalmente estranha ao Islã, religião do Oriente Médio,
terra de Jesus, onde Alá se identifica também a um sol invictus que estaria sempre presente no solstício de 24 de
junho, meio do ano, com o verão e o calor no zênite (hemisfério norte),
exigindo a fé cega de sua criatura submetida ao seu poder. O Sufismo,
misticismo muçulmano e raiz da Ordem do Templo encontra, também, nesses
símbolos, meios de meditação profundos que levam a alma humana ao êxtase
pretendido por eles, não somente através da dança e da música, mas, também, da
meditação e do retiro interior.
O
Natal nos oferece outra visão: a de um Deus que se esconde como o sol de
inverno nas altas latitudes, lá onde a cristandade devia precisamente
propagar-se, sob os climas menos ensolarados que os da Arábia, do Oriente Médio
ou da África do Norte, primeiros berços do Islã. Jesus Cristo simboliza o Deus
escondido, um Deus que se mantém humildemente à porta da alma e do coração, um
Deus que se infiltra e se insinua em nós, nos nossos momentos de fraqueza, em
nossos pontos de ruptura, para nos ajudar e nos salvar.
A escuridão da noite com que se comemora o
Natal nos remete ao inconsciente, ao adormecimento da Alma que está prestes a
despertar junto à Iniciação que obtemos interiormente quando compreendemos os
mistérios do Nascimento do Senhor. Ela é projetada por nós, idealizada,
batizada: é o Ser Supremo, o Absoluto, é Deus.
Que
todos sejam abençoados pela luz e a energia do Natal que, neste mês de
dezembro, pulsam mais forte do que nunca. Pois ele está entre nós!
(In:
Adílio Jorge Marques, FRC. Revista O Rosacruz, 4º trimestre de 2007, p. 44-47)
Enviado por Lurdes Bertol, membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA
MERRY
CHRISTMAS
Rilvan
Santana*
Caro leitor, talvez, tu me aches
abusado, afetado, onde já se viu um sujeito bacurau,
nascido lá longe no interior de Sergipe com esse negócio de inglês para dizer:
“Merry Christmas!” ao invés de “Feliz Natal!” e tu tens toda
razão meu amigo, minha amiga, porém, não é pedantismo, é que quero contar a
história do meu Natal de maneira grandiosa, por isto, escolhi “Merry Christmas”,
mais sofisticado e mais bonito.
O Papai Noel
daquela época tinha significado verdadeiro, diferente dos meninos de hoje, os
garotos e as garotas criam na existência do velhinho barrigudo, barba e
sobrancelhas brancas, roupa vermelha, gorro e polainas, carregando um grande
saco de presentes, depositando
o presente embaixo da cama dentro ou fora do sapato. Não eram presentes
sofisticados: brinquedos de plásticos, bonecas de pano, carrinhos de madeira,
estojo de gude, espada de plástico e máscara do Zorro, às vezes, o Papai Noel
exagerava e deixava de presente velocípede e bicicleta.
Mãe Judite gostava de passar o
Natal junto com os seus pais e irmãos em Lagarto, uma
das principais cidades sergipanas.
Ela arrumava a mala com suas coisas e as minhas, pegávamos o pau-de-arara (carro
que transportava gente), e, íamos pra Lagarto, lá ficávamos todo mês de dezembro
e início de Ano Novo, só retornávamos pra
Itabuna quando o seu marido não mais se aguentava de saudade.
A nossa estada era a casa dos meus
avós, afora os dias de festa de lá não saíamos
pra lugar nenhum, não havia necessidade, havia de tudo que um menino gosta: uma
malhada de fumo no fundo, duas ou três cabeças de gado e um pomar rico em
árvores frutíferas, nelas, nós fazíamos as nossas estripulias: balançar na
gangorra, subir no galho mais alto de uma mangueira e chupar a manga no pé ou
montar na galha de cajueiro, imitando o tropel de um cavalo.
A casa era simples, mas
aconchegante. Os móveis eram naquele tempo: mesa grande,
tamanho família, cadeiras com estofos de vime, uma espreguiçadeira para o meu
avô João Zabelinha tirar suas sestas, camas com cabeceiras desenhadas e
torneadas, colchões de lã, cristaleira e baús. Não havia radiovitrola, nem água
encanada, nem chuveiro, nem energia elétrica, nem rede de esgoto, o banho era no
tacho de cobre, a casa alumiada por candeeiro, aladim, e, o serviço sanitário
despejado numa fossa. O luxo da casa era um rádio enorme, de muitas faixas,
alimentado por bateria de automóvel ou pilhas descartáveis, em torno dele, se
reunia a família pra ouvir música ou a “Voz do Brasil” pelo um pool de emissoras
do Rio de Janeiro e São Paulo, liderados pela Rádio Nacional, Mayrink Veiga e a
Globo, era o luxo do luxo...
A casa não era rica, mas não
podíamos nos queixar da ceia de Natal: peru, frango a molho pardo, carne de
carneiro ou de bode, patê de fígado, purê de batata, feijão, fava, farofa de
andu, arroz grelhado ou cozido, saladas, nozes, azeitonas, tudo regado com bom
vinho para os adultos e a molecada se empanturrava em doces de caju, manga,
jabuticaba, quem não gostava de doce, se empanturrava no caldeirão de ponche
natural – não havia geladeira.
Cedo saíamos do Coqueiro, a pé, a
cavalo, em carro de boi, mulheres e meninos montados na garupa dos animais, os
homens a cavalo, não demorávamos chegar ao centro da cidade de Lagarto, a tempo
de passear na Praça da Matriz, ouvir as músicas de Natal, tocadas pela
filarmônica da cidade no coreto oitavado no meio da praça e aprontar algumas
piculas e assistir a missa.
A missa do Galo é diferente das
outras pelo luxo e pela quantidade de fieis. As senhoras e os senhores usam sua
melhor roupa, os meninos sua roupa nova, geralmente, é celebrada meia noite do
dia 24 de Dezembro para o dia 25 de Dezembro, segundo a tradição cristã, porém,
o padre alemão da Igreja Matriz, daquela época, celebrava muito mais cedo, pois
sabia que muita gente vinha de longe. O Coqueiro, em particular, dista do centro
de Lagarto mais de 3 km, hoje, é um bairro bem povoado, urbanizado, naquele
tempo era um arremedo de bairro, mais roça do que bairro, sítio de um lado e do
outro da estrada arenosa que se encontrava com o calçamento na entrada da
cidade.
Os meninos pouco se lixavam pra
homilia do padre alemão de latim embolado, nós queríamos de verdade era passear
na cidade grande... Na Matriz, nos interessávamos pelo presépio: o menino Jesus
deitado na manjedoura, os três Reis Magos adorando o Menino – Deus, José e
Maria...
Quando o padre ultimava os ritos
finais: “Benedicat vos omnipotens Deus” e “Pater et Filius et Spiritus Sanctus,
Amen!”, era hora de fazermos o trajeto de volta, a ceia de Natal clamava nossa
presença!...
* Rilvan Batista de
Santana, é membro fundador da ALITA
Natal das Crianças Negras
Cyro de Mattos
Eles moravam no morro, a irmã era chamada de Bel, o irmão de Nel. Bel não recebia da vida a doçura feita com mel. E Nel não vivia a vida, lá no alto morro, como se estivesse no céu. A mãe deles chamava-se Maria. Vestia trajes simples, gastos pelo uso diário. Nunca vestiu um manto azul feito de seda para brilhar no dia, como se via na igreja com a imagem da Virgem Maria.
A mãe de Bel e Nel era lavadeira. Tinha as mãos grossas de calo de tanto bater roupa na correnteza de águas límpidas. Durante a semana descia o caminho pelo barranco com a bacia de roupas sujas na cabeça. Quando chegava à beira do rio, colocava a bacia de roupas em uma pedra grande, junto ao areal. Não demorava e começava a tirar as roupas da trouxa. Molhava, ensaboava, esfregava, lavava e torcia. Estendia as roupas nas pedras pretas para secar ao sol. As pedras pretas, cobertas de roupas estendidas, de repente apareciam coloridas naquele trecho do rio.
O pai de Bel e Nel chamava-se José, era carpinteiro. Sabia usar com habilidade os instrumentos de trabalho: martelo, serrote, enxó, plaina e formão. Suas mãos pequenas faziam cadeira, mesa e banco. Consertavam porta, janela e portão. No mês que Bel completou seis anos de idade, o carpinteiro José começou a sentir dores na espinha. Os ossos inflamados, as mãos trêmulas, o corpo todo doía. À noite no quarto gemia. O coração dele foi diminuindo o amor que tinha por São José, o padroeiro da cidade, por causa da doença que o afligia. Até que um dia o pai de Bel e Nel perdeu para sempre sua constante fé em São José, o santo protetor dos carpinteiros.
O tempo de Natal era chegado. Nel queria um avião grande, Bel uma boneca que chora. Viram o velho gordo com o rosto rosado pela primeira vez na televisão da loja. Carregava um saco de brinquedos nas costas. Tinha a barba branca e os cabelos sedosos. Vestia uma roupa vermelha. Calçava botas pretas. Numa das cenas em que aparecia na telinha, deixava escapar do rosto rosado um sorriso que transmitia uma sensação de alegria e paz a cada criança que ia falar com ele e receber o seu carinho. Os meninos no passeio da loja não tiravam os olhos da televisão. Comentavam que o velho dava brinquedos à criançada sem querer nada de volta. Eles sorriam quando o velho aparecia com as roupas folgadas na telinha. Olhinhos deles todos no querer, como que encantados cintilavam.
Com olhinhos espertos e risinhos que enchiam os dentinhos, Bel e Nel foram olhar a árvore enfeitada com bolinhas e luzinhas, armada em um dos cantos da loja. À noite as luzinhas acendiam e apagavam. A estrela no alto comovia. Descobriram depois o presépio em outro canto da loja, com os camponeses, pastores e bichos. Ficaram admirando o pequeno estábulo do presépio, que tinha o teto coberto de folha de palmeira. Um galo de crista vermelha estava no telhado. Uma estrela brilhava na cumeeira, toda acesa de Deus. Nossa Senhora e São José mostravam os semblantes felizes, ao lado de Jesuscristinho, que dormia o sono bom no berço puro e quente, feito de palha. E os três reis magos, ali no presépio, davam a entender que não eram dignos de tocar na palha onde Jesuscristinho dormia o sono sereno.
Sentados no meio-fio do passeio da loja, Bel e Nel escutavam agora a musiquinha que saía alegre pelo alto-falante no poste. De vez em quando o alto-falante baixava o som. Então a musiquinha fazia um fundo musical no mesmo instante em que entrava a voz pausada do locutor. A voz dele informava que vinha de Belém a estrela mais bela. Fora trazida pelas mãos da maior madrugada. Seu brilho imenso descaía do céu e vinha iluminar a relva onde os bichos anunciavam e cantavam o nascimento do menino Jesus. A voz do locutor ficava emocionada quando comunicava que naquele dia o menino pobre nascia no estábulo. Esse menino Deus vinha para afugentar o mal de toda a terra. A voz doce do locutor terminava a mensagem de paz eterna com mais emoção no final quando então revelava que os sinos do mundo inteiro nessa hora tocavam: É Natal! É Natal!
O alto-falante voltava a tocar a musiquinha alegre, acompanhada dessa vez de uma cantiga cativante. Bel e Nel continuavam sentados no meio-fio do passeio. Recebiam o sopro da brisa que circulava na rua, ao final do dia. A brisa suavizava os rostos deles dois em silêncio, enquanto seus pequenos corações eram tocados pela cantiga que se repetia e começava assim:
Botei meu sapatinho
Na janela do quintal.
Papai Noel deixou
Meu presente de Natal...
Dizia a cantiga ainda mais, que o velhinho sempre visitava o quarto de cada menino onde deixava, ali, um brinquedo como presente naquela noite especial. Seja rico, seja pobre, seja branco, seja preto, como Bel e Nel, o velhinho sorridente e bondoso não esquece de ninguém.
Bel e Nel colocaram os chinelos na janela do quarto. Nada acharam no outro dia. Do ponto mais alto do morro ficaram olhando as nuvens alvas, trafegando no céu como grandes almofadas. Umas nuvens menores desenhavam brinquedos enquanto iam passando mansas diante dos olhos tristes deles dois.
Eles viam nesse instante a cidade lá embaixo, aos seus pés. Imaginavam a algazarra da manhã festiva. No passeio, no jardim, em qualquer canto da casa. Cada menino o brinquedo exibia. Saltava, dançava, corria, sonhava, voava, sorria.
Então souberam como o mundo dava as costas a Jesus. Não queria ver Maria. Escondia-se de José. O Natal era a lágrima que pelo rosto deles dois descia.
E uma canção desfazia.
*Cyro de Mattos é escritor, poeta e advogado
aposentado.
CARTÃO DE NATAL ENVIADO POR HÉLIO PÓLVORA
PARA A EDIÇÃO ESPECIAL DE NATAL
Bom Natal antigo
Hélio Pólvora*
Pedem-me uma frase, coisa curta, até
umas quatro linhas para postagem em página eletrônica, sobre o Natal — e não é
que me sinto vazio? Encomendaram um soneto, de supetão, a don Lope de Veja, e
ele confessou: “Nunca me he veído en tal aprieto”. Mas era dado ao chiste e
esgrimiu prontamente os 14 versos.
Dizer o quê? Tenho medo das atitudes
afetadas, puramente literárias, despidas de sinceridade emotiva. Sim, dizer o
quê, sem cair no falsete dos clichês? Imitar Charles Dickens, epígono do conto
de Natal, com seus personagens avarentos que aprendem, por milagre, a dar e
amar, seria escandaloso. E me faltam aqueles finais surpreendentes de O. Henry,
em especial no conto “Gifts of the Magi” (Presentes dos Magos).
Mas talvez ainda caiba uma crônica.
Esta lembraria que o Natal convida à celebração, embora não dispense o
sentimento verdadeiro de fraternidade e misericórdia. Infelizmente, nesta nossa
época ele se transformou em festa exibicionista, mero pretexto para se comer e
se beber à larga, em mesas opulentas, enquanto a população de baixa renda se
atira aos panetones e fatias de peru.
Sem a pureza ingênua que o
aproximava do folclore, das barracas na praça com sorteios e quermesses, e,
sobretudo, o presépio com os seus protagonistas, resta o Natal dentro de nós —
um Natal sentido, desejado, comungado, provavelmente amado.
Apesar da ocasional manjedoura, com
suas interrogações e deslumbramentos, a cultura massificada nivela tudo, impõe a
exteriorização ruidosa. Tira do Natal aquele fervor íntimo, aquele anseio vago
ou ardente de euforia salvadora. Sem mistério, o Natal é acontecimento familiar
ou grupal. As pessoas se reencontram em volta da mesa, rolhas saltam, transborda
a espuma, o vapor sobe das terrinas e bandejas dos assados, o aroma do vinho
embriaga.
A crônica natalina acentuaria
aspectos, diferenças, frustrações. Decerto não esqueceria a esperança de um
Natal de vida melhor, a começar dentro de nós, seus convivas. Quer dizer: a
descida àquele escaninho onde o coração bate mais manso e meigo, a inquirição, o
exame de consciência. Uma avaliação do que se fez e do que se omitiu. A vontade
de conjugação, porque, se nos deixarem ficar bem e tranquilos, acabaremos por
sensibilizar o vizinho.
Tive uns Natais mágicos. Mas eles,
coisa estranha, se apagaram no disco rígido da memória. Ficou somente um, dos
tempos da pré-adolescência, quando me levaram ao cinema para ver Seu Único
Pecado, com o russo Akim Tamiroff, que era bom pai e bom esposo, mas pulou
afoitamente o muro conjugal, a mulher requereu divórcio e o expulsou de casa.
Enquanto ela casava com outro e acumulava riquezas, Akim se arrastava pela neve,
sem o home, sweet home, sem esposa a quem chamar honey ou darling, morto de
saudade dos filhos. Virou mendigo. Veio o Natal. O proscrito tinha fome, estava
sujo, de longa barba enxovalhada. Aproximou-se de uma mansão iluminada, limpou a
vidraça com os dedos. E lá estava a sua família ao redor da mesa e da árvore de
Natal, em estado de bem-aventurança que pode faltar 360 dias por ano, mas deve,
for força, ser esfuziante e opípara nos festejos natalinos.
Sou incapaz de um enredo desses que,
no fim, transforma o duro capitalismo em elixir de confraternização. E se eu
imaginasse algo semelhante, sentimentaloide, quem se importaria, quem me
leria?
A crônica natalina poderia ter o
seguinte fecho: o encanto do Natal está em você, fique certo. Em você que ainda
é capaz de se esquivar ao alheamento, ao menosprezo, ao ódio. Arme um presépio
dentro de você, neste novo Natal de um mundo fatiado e sangrento. Já seria
muito.
Digo isso por saber que Natal é
renascimento, é renovação. Faço uma força danada para me renovar todos os dias,
após a travessia de certas noites escuras. E como disse o personagem de um conto
meu: Jesus pregou a humildade e a fraternidade, como forma de luta e ascensão,
enfrentou o demônio em tremendos bate-bocas — e foi crucificado. Pensando bem: o
sacrifício nos parece, a cada dia, mais inútil. Continuamos à mercê de fariseus
que se dizem portadores da verdade.
Tenham todos um bom Natal
antigo.
*Hélio Pólvora é membro
efetivo da Academia de Letras de Itabuna
|
DOS NATAIS
Ceres Marylise*
Os amigos são os mesmos, mas nos chegam como outros, quase estranhos e, no entanto, mais amigos. Os inimigos, parece, deixam de existir e, no entanto, são apenas esquecidos durante o vinho.
Estranhamente, os mortos parecem tomar lugar à mesa, brindar e participar dos abraços e até mesmo chorar as mesmas lágrimas dos que festejam a vida. Não consigo me emocionar durante a ceia quando vejo tantas pessoas sorrir, em tantos braços tocar e em tantos olhos, olhar.
Sangro, pois todo amor com data marcada me fere, todo beijo formal me cega, todo corpo sem calor me lacera, todo amor de encomenda me ensandece.
Tanto maior a festa da cristandade, mais profundo parece ser o abismo em que se perdem os que disputam restos de alimentos com cães e ratos, mais fantástico parece ser o universo dos que têm cheiro de lixo, mais sem rumo é o mundo dos desprezados e necessitados.
Penso em como poderiam ser diferentes os natais, afinal, todos temos direito ao mundo, e ao céu também!