DOS NATAIS - Ceres Marylise






DOS NATAIS   
Ceres Marylise*

    Por melhor que seja o vinho, por farto que seja o champagne, o Natal é sempre uma festa nostálgica: se abatem todas as nossas grandezas, acordam as nossas fraquezas e há uma dolorosa desorganização dos sentimentos. 
    Os amigos são os mesmos, mas nos chegam como outros, quase estranhos e, no entanto, mais amigos. Os inimigos, parece, deixam de existir e, no entanto, são apenas esquecidos durante o vinho. 
    Estranhamente, os mortos parecem tomar lugar à mesa, brindar e participar dos abraços e até mesmo chorar as mesmas lágrimas dos que festejam a vida.  Não consigo me emocionar durante a ceia quando vejo tantas pessoas sorrir, em tantos braços tocar e em tantos olhos, olhar. 
   Sangro, pois todo amor com data marcada me fere, todo beijo formal me cega, todo corpo sem calor me lacera, todo amor de encomenda me ensandece.
    Tanto maior a festa da cristandade,  mais profundo parece ser o abismo em que se perdem  os que  disputam restos  de  alimentos com cães e ratos, mais fantástico parece ser o universo dos que têm cheiro de lixo, mais sem rumo  é o mundo dos desprezados e necessitados.
   Penso em como poderiam ser diferentes os natais, afinal, todos temos direito ao mundo, e ao céu também! 
   

 *Ceres Marylise Rebouças, vice-presidente da Academia de Letras de Itabuna