FLORISVALDO MATTOS: EM MEMÓRIA DE DONA LÚCIA ROCHA, MÃE DO FAMOSO CINEASTA BAIANO GLAUBER ROCHA, PRECURSOR DO CINEMA NOVO NO BRASIL




EM MEMÓRIA DE DONA LÚCIA ROCHA, MÃE DO CINEASTA GLAUBER ROCHA

Florisvaldo Mattos*

Morreu Dona Lúcia Rocha, mãe do grande cineasta e lutador pela cultura Glauber Rocha, de quem fui amigo, nos ardores da juventude e de ações em favor da arte. Devido a isso, fui por ela honrado (eu como outros) com atenções e afeto, quando ia aos Barris, fosse à sua casa no nº 13, fosse à da pensão que mantinha no nº 14 (esta hoje um miserável escombro), ambas à Rua General Labatut, ela quase mãe para todos os amigos do filho (Calasans Neto, Fernando da Rocha Peres, Paulo Gil Soares, Sante Scaldaferri, Ângelo Roberto, Fred Souza Castro, Fernando Rocha, e mais). Foi uma autêntica personagem de tragédias, mas que a todas venceu, entre as quais as mortes impactantes dos três filhos, mas morreu sem vencer o último dos dédalos de pedra por onde marchou - o da burocracia oficial e indiferença empresarial, que a impediu de ver completo e consolidado, no Rio, o Templo Glauber, erguido em memória ao glorioso trajeto cultural de seu filho. Distante, sem poder estar presente a seu velório e féretro, para para fazer-lhe reverência e apresentar minhas condolências a seus netos, faço o que a minha tosca capacidade permite, escrevo e dedico um poema à sua memória de mulher guerreira, que dispensa compungidos sentimentos, a que dei o título que me parece mais adequado. Vai abaixo, com meus respeitos.

FOI-SE UMA ANTIMEDEIA


(À memória de Dona Lúcia Rocha, mãe de Glauber)

A matriarca dos Rocha, Dona Lúcia,
Na vida uma guerreira com voz de ave,
Ardor por juventudes e minúcia,
Com um filho de talento e rosto grave,
Que se foi como um sopro em plena glória,
Como o nome da mãe de luz vestido;
A quem ergueu um Templo de memória,
Obra de quem viveu por céus ungido,
Resolveu percorrer entre as estrelas
O rastro de quem foi um bem precioso,
Estática tão só de ouvir e vê-las
Saudar-lhe a forma do tecer bondoso:
Só com cabeça e câmera na mão,
Ela o filho do mundo fez irmão.

(SSA-BA, manhã de sábado, 04/01/2014)
*Florisvaldo Mattos é jornalista, cronista, poeta e membro da Academia de Letras de  Itabuna 








Morta aos 94 anos, ''Mãe coragem'' lutou pela preservação da filmografia de seu filho





Agência Estado Publicação:03/01/2014
  

Lúcia Rocha durante o Festival de Cinema de Tiradentes, em 2008: luta pela preservação de obra
O enterro do corpo de dona Lúcia Rocha, mãe do cineasta Glauber Rocha e considerada também "mãe do Cinema Novo", será neste sábado, 04, no cemitério São João Batista, onde também foi sepultado Glauber. Tão obstinada quanto serena, ela tinha 94 anos e era muito querida no meio cinematográfico, por ter lutado pela preservação dos filmes e do acervo documental do filho desde sua morte, em 1981. Nunca hesitou em buscar patrocínios que viabilizassem seu trabalho, missão adotada para toda a vida.
Dona Lúcia estava em casa e teve uma parada cardíaca depois de sair do banho, nesta sexta-feira, 03. "Estava muito bem de saúde curtiu a tataraneta, minha filha, no Natal. Fez um poema para ela. Tinha uma memória perigosa! Mas vinha reclamando muito do calor que está fazendo no Rio. Completaria 95 anos no dia 16. Foi uma passagem suave. Foi melhor assim, pois ela sempre dizia que queria morrer dormindo, sem sofrer", disse Sara Rocha, sua bisneta.

Lúcia Mendes de Andrade Rocha nasceu em Vitória da Conquista em 1919. Teve Glauber em 1939 e foi responsável por sua alfabetização. Quando o filho ainda era pequeno, a família mudou-se para Salvador, cidade em que ele desenvolveria seu pendor artístico.

Ela perdeu outros dois filhos (uma, Ana, ainda criança, de leucemia, e outra, a atriz Anecy Rocha, num acidente num elevador, em 1976).

"Mãe coragem" passou décadas guardando tudo que Glauber jogava fora - pegava rascunhos amassados no lixo e passava a ferro, tamanha a idolatria que sentia por ele. Chegou a juntar mais de 100 mil documentos, fotografias e textos (boa parte permanece inédita).

Desde a morte prematura de Glauber, lutou pela preservação e propagação de sua filmografia e vasta produção intelectual. Conseguiu, com a ajuda dos descendentes, patrocínios para restaurar filmes, de Barravento (1962) a A Idade da Terra (1980). Abriu o Tempo Glauber, centro cultural em Botafogo que conta com moderno centro de documentação, batizado com seu nome. Lá fica o arquivo amealhado por dona Lúcia.

O espaço - usado para seu velório - é mantido com dificuldade pela família, que não conta com apoio de governos ou empresas. Recentemente, conseguiu-se promessa de verba do Ministério da Cultura, mas a instituição ainda não recebeu o dinheiro. "Minha meta é reunir e divulgar toda a obra do Glauber. Guardar papel eu sabia fazer, mas isso eu não sei", brincou dona Lúcia numa entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo em 2009.

Ela foi a grande incentivadora de Glauber. Quando ele filmou Barravento, na Bahia, ela cozinhava para todo o set. Para Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) - o seu preferido - e O dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1968), fez alguns figurinos.