VIVER, CONVIVER E SAUDADE - Sônia Carvalho de Almeida Maron





VIVER, CONVIVER E SAUDADE
                                                              Sônia Carvalho de Almeida Maron*

Venho observando, nestes últimos dias de dezembro,  que três palavras estão insistindo em voltar ao meu pensamento como tema para reflexão: dois verbos e um substantivo abstrato, como espelha o título destas mal traçadas linhas. Tenho recusado a sugestão sob a alegação de que são temas para escritores, poetas, filósofos, psicólogos, e continuo meu caminho de pessoa comum. 
Enquanto a pressão das três palavras continua sem trégua, voltando sempre à mente, tive nas mãos, por acaso, uma revista que fazia alusão a uma frase de mãe Stela de Oxóssi, membro da Academia de Letras da  Bahia – ALB, no curso de uma entrevista: “Não sou escritora, nem poetisa, sou apenas uma mulher que escreve”. A resposta da acadêmica, do alto da sabedoria de uma ialorixá, foi a minha libertação. Mãe Stela, com uma lição irretocável de bom senso, rompeu mais um paradigma. E eu decidi aceitar, sem remorsos, o insight: sou apenas uma mulher que escreve sobre viver, conviver e saudade.
O que é viver? Em princípio, em se tratando do ser humano, viver seria tocar a vida, estar vivo, com o coração batendo, o sangue correndo alegre e sadio nas veias e artérias, todos os órgãos, sentidos e funções em perfeita ordem e o cérebro – Ah! O cérebro! – pensando e comandando tudo: pensamentos e ações. Viver também pode ser sentir e usar a liberdade, entendendo sua dimensão e limites.
O que seria conviver?  União dos dois verbos, viver + conviver? Dizem que o homem é um “ser social”. Se é mesmo verdade, não podemos viver sem conviver. É próprio da vida conviver com quem escolhemos para amar e estou me referindo aos amigos, lembrando que os casais não vencem o tempo se a amizade não for o alimento da convivência. Também é próprio da vida conviver com as escolhas erradas e até mesmo com a convivência imposta pelas circunstâncias. Não é por acaso que os dicionários registram como significados “adaptar-se, ajustar-se, aceitar”. Seja como for, os laços verdadeiramente afetivos e os laços genéticos (ou familiares, se preferirmos) devem alimentar-se de tolerância e compreensão, do amor fraterno e lealdade. Pelo visto, a tarefa de conviver é mais espinhosa do que viver, se não for  cultuada a amizade, sentimento que comanda o espetáculo do viver.
Bem ou mal, já falei dos verbos. Chegou a vez da saudade, um substantivo abstrato. Se a definição gramatical que estudei ainda prevalece, os substantivos abstratos dão nome a estados, qualidades, sentimentos ou ações. Na literatura é tema recorrente. Poetas e escritores tentaram  defini-la como “espinho cheirando a flor”, “sentimento doce e amargo”, sentimento agridoce”, “presença do ausente”, “gosto amargo dos infelizes”, e outras definições menos  votadas. A saudade é um sentimento tão delicado e presente no viver, que apenas nosso idioma registra o vocábulo e os estudiosos de idiomas anglo-germânicos e neo-latinos afirmam que é impossível localizar palavra igual em outro idioma, embora o sentimento exista no viver de qualquer ser humano.
Tudo explicado. Só que não me convence nem satisfaz. Que me perdoem os letrados, mas somente Luiz Gonzaga, o poeta do sertão, conseguiu transmitir, em seu verso, o significado da palavra saudade. Diz ele: “Se a gente lembra só por lembrar/ alguém que a gente um dia perdeu/ saudade inté que assim é bom/ pro cabra se convencer/ que é feliz sem saber/ pois não sofreu/. Porém se a gente vive a sonhar/ com alguém que se deseja rever/ saudade entonce assim é ruim / eu tiro isso por mim/ que vivo doido a sofrer”. E assim segue Gonzagão, concluindo com a definição da saudade sofrimento: “saudade assim faz roer/ e amarga qui nem jiló”...
 Luiz Gonzaga e seu parceiro Humberto Teixeira, que enriqueceram o cancioneiro nordestino, descobriram a existência de dois tipos de saudade. É a mais pura verdade! Em última análise, se viver é conviver, é também uma série de encontros e desencontros. E o mais importante é que só buscamos reencontrar as pessoas que merecem o nosso amor, as pessoas especiais, das quais sentimos uma saudade danada, que faz roer e amarga que nem jiló. Os versos do rei do baião ainda ensinam mais uma lição: “ninguém pode dizer que me viu triste a chorar/ saudade meu remédio é cantar.”

* Presidente e membro efetivo da Academia de Letras de Itabuna - ALITA