NESTA MINHA BAHIA MORENA


   

 

Nesta minha Bahia morena

  Consuelo Pondé de Sena*

       Não preciso dizer que sou apaixonada por minha terra. As críticas que lhe faço, e não são poucas, nada têm a ver com este território abençoado. São acusações dirigidas à maioria  do  seu povo, do qual  faço parte, e a muitos dos seus dirigentes que não a amam  como deveriam.
     Faltam-nos  políticos  capazes de lutar em benefício desta parte do território brasileiro; deste pedaço de chão  exaltado  por Gabriel Soares de Sousa, na obra mais enciclopédica do período, conforme escreveu o historiador Varnhagen, na  História Geral do Brasil. Falta, à maior parte do povo soteropolitano, educação, civilidade e respeito ao bem público. Falta, a muitos políticos, o sincero desejo de servir sem interesse.
      Gabriel Soares, como é mais conhecido, deve ter chegado ao Brasil  na armada  que conduziu o governador Francisco Barreto em 1569. Radicou-se na Bahia, onde enriqueceu, adquiriu propriedades, criou rebanhos de bois e de muares, multiplicou engenhos de açúcar, terrenos, valendo-se da mão de obra dos escravos africanos e de índios forros. Inquieto, desbravador, empreendeu muitas viagens para o Sul, como é possível depreender da minuciosa descrição da costa e dos acidentes geográficos.
       Seu Tratado Descritivo do Brasil é uma obra seminal para o conhecimento da nossa terra e a nossa gente, merecendo a apreciação insuspeita de José Honório Rodrigues, que o reputava o mais importante trabalho sobre o Brasil do século XVI, opinião corroborada por todos que se ocupam da história do país.
       Neste texto, longe de querer tratar da “saga” heróica do grande cronista, sou tentada a proceder a alguns comentários  sobre  o que escreveu sobre a Bahia  de Todos-os- Santos, a partir do povoamento da capitania doada a Francisco Pereira Coutinho.
       Esse nobre cavalheiro, procedente de Lisboa,  desembarcou  na Ponta do Padrão (Farol da Barra) e fundou a Vila Velha, em cujo sítio reuniu uma povoação e construiu uma fortaleza sobre o mar, convivendo, amistosamente, com os índios, nos primeiros tempos. Alí os moradores fizeram suas roças e lavouras.
      Dentro de algum tempo, porém, surgiram hostilidades entre sua gente e os naturais da terra, ficando a Vila do Pereira literalmente cercada, a ponto de ser necessário buscar, por mar, água e mantimentos da capitania de Ilhéus.
     No espaço de tempo de 7 a 8 anos, com algumas tréguas, ocorreram grandes fomes, doenças e outros problemas, a ponto de não mais ser possível suportar a tensão  entre colonos e tupinambás, que não só matavam, mas também comiam seus adversários. Diante dessa situação insustentável, o donatário deslocou-se com sua gente para Ilhéus. Esse afastamento gerou promessas de paz e  boa amizade por parte dos índios.
      Decidiu, então, o donatário  regressar à Bahia, tendo por conta do mau tempo chegado  à costa da ilha de Itaparica. Alí, porém, os tupinambás daquela banda mataram-no, e aos seus acompanhantes, escapando dessa carnificina, Diogo Álvares, o Caramuru.
      Nas mãos daqueles inimigos pereceu, portanto, o malogrado donatário, perdendo, assim, não apenas a vida, mas tudo que havia acumulado na Índia, nos anos que lá viveu
      Mas, é tempo de deixar de lado essas primícias e proceder às observações sobre o clima da BTS, no testemunho abalizado de quem a conheceu tão profundamente em tempos que, infelizmente, não alcançamos.
     Assim, por exemplo, ao  versar sobre o clima da Bahia, descreve Gabriel Soares:  “A Bahia de Todos  os Santos está arrumada em treze graus e um terço, como fica dito atrás; onde os dias em todo o ano são quase iguais com as noites e a diferença que têm os dias de verão aos do inverno é uma hora até hora e meia”. Mais adiante, acrescenta: “E há-se de notar que nesta comarca da Bahia, em rompendo a luz da manhã, nasce com ela justamente o sol, assim no inverno como no verão.
      E em se recolhendo o sol à tarde, escurece juntamente o dia e cerra-se a noite; a que matemáticos deem razões suficientes que satisfaçam a quem quiser este segredo, porque mareantes e filósofos que a esta terra foram, nem outros homens de bom juízo não tem atinado até agora com a causa porque isso seja”. Soares de Sousa declara a fertilidade da terra: “da grandura da Bahia de Todos os Santos e do seu poder, é bem que digamos a fertilidade dela um pedaço, e como produz  em si as criações das aves e alimárias de Espanha e os frutos dela, que nesta terra se plantam”.
     Como se pode observar, clima  melhor não há neste Brasil, nem brisas mais suaves cortam os ares deste país. Aqui não se sente  frio  enregelante, nem calor abrasador. Somos sempre servidos, Deus haja, pelo vento fresco e brando,  pela viração  que sopra do mar e da terra, envolvendo a atmosfera da Cidade do Salvador em tépida e suave aragem.

*Consuelo Pondé de Sena é membro correspondente da ALITA

 

Saiba quem é Consuelo Pondé de Sena

Nasceu em Salvador, no dia 19 de janeiro de 1934, filha do médico Edístio Pondé e de Maria Carolina Montanha Pondé. Casou-se com o neurologista Plínio Garcez de Sena e teve quatro filhos: Maíra Pondé de Sena, psicóloga, Maria Luíza Pondé de Sena, assistente social, Maurício Pondé de Sena, guia de turismo e Eduardo Pondé de Sena, psiquiatra.
Cursou o Infantil na Escola Santa Clara de sua tia Maria do Carmo Pondé, ingressando, aos sete anos, no Colégio N.Sa Auxiliadora, onde cursou o primário e o secundário, dele saindo em 1949. Em seguida, matriculou-se no Colégio N. Sa das Mercês, onde cursou o Clássico, concluindo-o em 1952. Naquele Colégio foi redatora e diretora do jornalzinho SERUIAM. Habilitou-se, então, ao vestibular de Geografia e História, logrando a primeira colocação. Diplomou-se a 10 de dezembro de 1956, tendo por paraninfo o historia-dor José Wanderley de Araújo Pinho, seu mestre de História do Brasil e da Bahia.
Durante o curso manifestou preferência pelas disciplinas de natureza antropológica, tendo sido designada pelo Prof. Thales de Azevedo secretário do Seminário de Antropologia, por ele criado naquela Faculdade, com cujo mestre também trabalhou em pesquisa na Escola Parque (Escola III), na rua Marquês de Maricá. Ainda quando estudante colaborou com o prof. Carlos Ott, em pesquisa no Arquivo da Arquidiocese de São Salvador e com o Prof. José Valadares na bibliografia da Arte Brasileira, conforme está consignado na publicação pertinente deste autor.
Atraída pelo estudo da língua Tupi, e incentivada pelo prof. Frederico Edelweiss, dedicou-se a esse estudo tornando-se, posteriormente, sucessora daquele mestre no ensino da mesma disciplina. Substitui-o em duas oportunidades, em 1959 e 1960, quando afastado do ensino por motivo de saúde. Assumiu definitivamente a docência de Língua Tupi em 1963, dela se afastando apenas em 1993, após 31 anos de trabalho. Em 1974, foi nomeada diretora do Centro de Estudos Baianos da UFBa, por intermédio da Portaria nº 1322.
Cursou o mestrado de Ciências Sociais, completando os créditos em 1977, quando apresentou sua dissertação intitulada - Introdução do Estudo de Uma Comunidade do Agreste Baiano - Itapicuru - 1830-1892, orientada pelo Professor José Calasans, de quem fora discípula desde o curso secundário.
Entre os cargos administrativos ocupados, foi Chefe do Departamento de Antropologia e Etnologia da FFCH da UFBa, Diretora do Centro de Estudos Baianos da UFBa(1974-1983), Diretora da Associação Baiana de Imprensa (1984), Conselheira do Conselho Permanente da Mulher Executiva da Associação Comercial (1982), ocupando sua vice-presidência, Conselheira da Associação Comercial, ocupando função na Mesa Diretora da Casa(1985), Diretora da Casa de Ruy Barbosa(1985), Membro da Diretoria do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia(1982), exercendo, na oportunidade, a função de Oradora, Diretora do Arquivo Público do Estado da Bahia (1987), Presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, empossada em 1996 e reeleita várias vezes, Membro da Comissão Estadual das Comemorações dos 150 anos de nascimento de Castro Alves, Membro da Comissão Estadual Comemorativa da Revolução dos Alfaiates, Membro do Conselho Consultivo da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
Sócia Correspondente dos Institutos Históricos de Minas Gerais, Santa Catarina, Tiradentes, Rio de Janeiro, Brasileiro, Paraíba, Sergipe,Teresópolis (MG) e Pernambuco.
Membro da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Associação Nacional de Professores Universitários de História (ANPUH), Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, Academia Baiana de Educação, Academia Portuguesa da História.
Presidiu o IV e V Congressos de História da Bahia (1999-2001), o I Encontro de História Brasil-Paraguai (2001), além do V Encontro dos Institutos Históricos do Nordeste (2003). Colaboradora dos jornais Tribuna da Bahia e A Tarde, este último onde até permanece. É autora de vários artigos publicados em revistas especializadas do país.
Possui os seguintes livros publicados: Portugueses e africanos em Inhambupe, 1750(1977), Introdução ao estudo de uma comunidade do agreste baiano: Itapicuru (1979), A imprensa revolucionária na Independência (1983), Os Dantas de Itapicuru (1987), além das crônicas Cortes no Tempo (1997) e A Hidranja Azul e o Cravo Vermelho (2003).
Atualmente, Consuelo Pondé de Sena ainda preside o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e tem por projeto principal ampliar e atualizar os dados da sua dissertação e escrever o livro: Consuelo - a derradeira musa de Castro Alves e outros estudos.