AINDA O SAUDOSO HÉLIO PÓLVORA

Florisvaldo Mattos

Como éramos amigos, e até por vezes companheiros de jornal, além de conterrâneos grapiúnas (ele, de Itabuna; eu, de Uruçuca), sempre tive por ele grande admiração, centrada na pessoa e, agradecido, no prodigioso escritor que era. Essa admiração se explicitou, além dos momentos agradáveis de convivência, por vezes boêmia, no poema que lhe dediquei, em 1996, impelido pela comoção geral - e em nós mesmos - que o fenômeno devastador da praga da vassoura de bruxa causara nos cacauais. Vai abaixo o poema, já publicado em livro, que transcrevo comovido.









SAFRA DE SOMBRAS 


That is no country for old men, the young
In one another’s arms, birds in the trees.
W.B.Yeats*


A HÉLIO PÓLVORA

Florisvaldo Mattos


É; foi-se o tempo de plantar cacau:
Não é mais um ofício para jovens.
Grandes nuvens de crinas esvoaçadas,
Esparramadas no azul – soltas setas –
Galoparam sedentas de outros mapas.
A terra agora espectro de agra face,
Paragens somente para ossos (frios),
Esqueletos que são aves em ramos,
E até bem pouco não era assim (saibam):
O chão se abria a sonhos e sussurros,
soluço (único) de água mensageira,
E lá vinham pérolas entre musgos,
ametistas suando ao verde sob chuva.
O sol gretou os seios da morena,
sinhá-moça que veio de Belmonte,
intumesceu os olhos generosos.
E fez mais: as almas ressecou,
E os antes desasselvajados rios,
(Mirai) hoje somente veias secas,
E semblantes que vagam nas estradas,
Safra de sombras, ai, dever de velhos.

*Terra aquela não é que sirva para ancião.
Os moços a abraçar-se, as aves a cantar
Nas árvores" (...)
Versos do poema de Yeats, "Velejando para Bizâncio" (Sailing to Byzantium), em tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos.