INFRAERO: O cidadão merece e exige respeito

               
 Sônia Carvalho de Almeida Maron*



         No dia 21 de maio último, compareci ao aeroporto Jorge Amado, em Ilhéus, na condição de passageira do vôo 4462, da empresa aérea Azul. No momento do embarque e inspeção de praxe, o sensor da porta eletrônica disparou quando passei. O mesmo já ocorreu em Salvador, no aeroporto Deputado Luiz Eduardo Magalhães, em Guarulhos (SP), no aeroporto de Istambul e vai acontecer sempre, acredito. Não é que meu nome esteja na lista de “procurados” do Departamento de Polícia Federal (DPF): sou uma cidadã comum, não respondo a nenhum processo crime, melhor dizendo, sou uma pessoa de bem e do bem, não transporto cocaína, armas ou explosivos em região oculta do corpo nem existe mandado de prisão circulando na Polinter ou Interpol em meu desfavor. O motivo é bem mais simples e prosaico: fui submetida, em 2007, a uma cirurgia ortopédica (artroplastia total), para implantação de uma prótese de titânio na perna esquerda. É um procedimento corriqueiro usado como tratamento cirúrgico da artrose coxo-femural. No meu caso surtiu o efeito de cura. Até quando, só Deus sabe.
         Quando me referi aos dois aeroportos nacionais e um internacional não me passou pela cabeça o registro de viagens, até porque meu orçamento não permite extravagâncias e nem sou chegada à mudança abrupta de hábitos que tais aventuras obrigam. O objetivo foi apenas estabelecer a comparação do procedimento de revista dos passageiros nos aeroportos citados e o nosso, em Ilhéus.
         Naturalmente o sensor da porta eletrônica fez soar o alarme nos três aeroportos da amostragem. A diferença foi o tratamento dispensado ao passageiro. Na Turquia, pela dificuldade de comunicação, em razão do idioma, exibi uma radiografia do quadril que levava na bolsa; em São Paulo declarei o procedimento cirúrgico e o detector de metais confirmou minha justificativa; em Ilhéus, por mais que eu sugerisse o exame pelo aparelho e explicasse o motivo, o funcionário truculento e incivil exigia repetidas passagens pela porta, ao mesmo tempo em que comandava a retirada do sapato, pulseiras, relógio, corrente do pescoço. Saliente-se que na “operação limpeza” o despojamento dos acessórios era paulatino, um a um, repetindo-se a passagem pela porta. Na visão do funcionário da INFRAERO, até prova em contrário, eu seria traficante ou terrorista e o constrangimento significaria o início da punição.
Meu filho aproximou-se pacificamente para saber o que acontecia e foi avisado por uma mocinha que chamariam um segurança para retirá-lo.  O fato é que cheguei a imaginar que o pesadelo não teria fim e até peças do vestuário seriam arrancadas. Ia e voltava descalça, personagem de uma cena deprimente, totalmente desnecessária se prevalecesse o bom senso e o mínimo de tato e educação no tratamento com o usuário do aeroporto que serve ao sul e extremo sul da nossa região.
Cumpre registrar que o Superintendente da INFRAERO, antes do embarque, conseguiu identificar-me e pediu desculpas. Não é que eu seja inflexível. Mas o constrangimento absurdo e injusto ao qual fui submetida publicamente não se elimina com uma palavra mágica, qual seja a inexistência de dolo. É perfeitamente admissível que o superior hierárquico não seja o responsável pelo comportamento abusivo e inqualificável do seu subordinado. Apenas correu o risco previsível quando negligenciou, permitindo a contratação de pessoas despreparadas para lidar com o público. Afinal, o tratamento reservado aos habitantes das penitenciárias não pode e não deve estender-se aos frequentadores dos aeroportos.
         De minha parte, nada contra a revista para o embarque de forma educada e civilizada, no estrito cumprimento do dever legal. Sendo uma cidadã de “ficha limpa”, que paga rigorosamente seus impostos e passou a metade da vida útil condenando bandidos de todas as etnias e estamentos, jamais poderia criticar o critério usado para coibir o crime organizado e a violência. Além do mais, como magistrada que exerceu a função nesta região, titular em Itabuna e substituta eventual em várias comarcas circunvizinhas, tive a Polícia Federal como minha polícia judiciária na condição de Juíza Eleitoral e da Vara Privativa de Tóxicos de Itabuna, à época competência exclusiva do DPF na fase do inquérito. Delegados e agentes, hoje aposentados como eu, talvez ainda lembrem que nunca confundi cidadão de bem com bandido. Diversas vezes solicitei ao Superintendente Joel Almeida, do DPF Superintendência da Bahia, quando fui promovida para a capital do Estado, a fiscalização dos meus “procurados” em portos e aeroportos. Logo, entendo perfeitamente a necessidade imperiosa do rigoroso cumprimento das normas estabelecidas no caso em questão. Só que deveriam seguir a orientação de uso do inseticida SBP: “terrível contra os insetos, só contra os insetos...”
         Toda viagem tem volta quando não é a definitiva, deste mundo para o outro. E no dia 25, no aeroporto de Salvador, Estado da Bahia, lá estava eu a caminho de casa. Àquela altura preparada para a batalha do embarque. E aconteceu exatamente o contrário, começando por um dos funcionários da empresa aérea Azul: antes do check- in, indagado sobre o tempo em Ilhéus, o rapaz decidiu antecipar o procedimento e despachou a bagagem com o lacre Priority, fora da fila, como gentileza.
         No embarque propriamente dito, bastou a referência ao ato cirúrgico para que uma moça, com o uniforme da segurança terceirizada, fosse convocada para conduzir-me discretamente a uma cabine e o fez perguntando delicadamente se eu autorizava e não me sentia molestada com a formalidade necessária ao embarque; rapidamente executou o ato e fui liberada com votos de “boa viagem e Deus lhe acompanhe”. Naquele final feliz lembrei de pedir também a Deus que acompanhasse e concedesse paciência e tolerância aos usuários do aeroporto Jorge Amado, Ilhéus, Bahia, Brasil.
         Em tempo – Exibi, sim, a identidade funcional quando percebi que ia prevalecer a insanidade. Nada adiantou. Conclui que no Aeroporto Jorge Amado, Ilhéus (BA) o Poder Judiciário não goza de nenhuma prerrogativa, nem mesmo credibilidade. O mais sensato e eficaz é esquecer a ação por dano moral e recorrer ao Quarto Poder, a imprensa livre e independente, enquanto for possível e sem perder tempo.



*Ex-aluna do Ginásio Divina Providência
Professora aposentada da UESC
Presidente da Academia de Letras de Itabuna-ALITA

Juíza de direito aposentada do TJ-BA