R. Santana
Ali está o cadáver no caixão
sobre a bancada de mármore. Cadáver que ontem foi uma linda jovem de 21 anos de
vida. A família Petrov já não tinha mais lágrimas para chorar a morte de
sua filha Raissa, se o casal não fosse religioso, a dor seria maior, pois é
lancinante a perda de um filho, ainda mais quando o filho é único e boa
índole. Larissa era o mimo da família Petrov, bonita por fora e por
dentro, estudiosa, líder de nascença, amiga de todos e admirada por todos.
Ultimamente, estagiava num escritório de advocacia, estudava pra ser advogada,
sonhava um dia ser juíza.
Silas Petrov a encontrou estirada
na cama, com marcas de esganadura, esgoelada, e nua abaixo da cintura.
Não havia sinal de arrombamento na casa, a porta da frente estava fechada no
trinco. Afora a desordem no quarto da vítima, a televisão ligada e alguns
livros espalhados no tapete da sala, tudo estava em ordem. O assassino não
simulou roubo nem deixou vestígio aparente de sua identidade. A polícia técnica
periciou e vasculhou a residência e o corpo da moça levado para o IML para
exames mais apurados.
Raissa tinha muitos admiradores.
Namorado nenhum! Ela brincava que não queria problema afetivo em sua vida, que
as relações conjugais quase sempre são conflituosas: o amor é arrebatado na juventude,
acomodado na maturidade e esquecido na velhice. Ela prezava a amizade dos
amigos, das amigas, dos parentes e o amor infinito dos pais.
Não era de curtição, festas
somente as de sua igreja, seu gosto musical era gospel. Seu hobby principal era
a leitura. Quando ela tinha um bom livro, trancava-se no quarto e não saía de
lá enquanto não o lesse da primeira à última página, por isto, a turma da
faculdade apelidaram-na carinhosamente: “Lepisma Saccharina” que é a traça de
livros.
Foi de grande comoção o crime de Raissa, de revolta, e, difícil de solucionar,
porque não havia suspeito imediato, todos de sua intimidade eram suspeitos. Ela
não possuía inimigos declarados, foi grande o número de amigos, conhecidos e
não conhecidos no velório e no seu sepultamento, todos consternados, todos com
grande pesar.
Silas e Natasha, os pais da
vítima, estavam absorvidos em seus pensamentos ao lado do caixão, de quando em
vez, passavam a mão no rosto e nos cabelos da filha e resmungavam palavras
ininteligíveis, mas para o dotado de agudeza de espírito, lia nos lábios que
eles clamavam por justiça e queriam entender o motivo de tanta maldade, de
tanta brutalidade, de tanta desumanidade.
20 dias depois:
- Eu não matei sua filha!!! –
gritava o jovem Marcelo com as mãos e os pés amarrados no meio da noite em
lugar deserto.
- A polícia diz que sim!
- É mentira! – recebeu um safanão
na cara, mas continuou:
- Fui liberado pelo juiz por
insuficiência de provas ou não?
- O seu advogado foi convincente.
A polícia está no caminho... – começou enumerar as provas:
- As marcas de suas digitais
estavam em vários lugares lá em casa, seu RG dentro de um dos livros de Raissa,
o registro pelas câmaras da rua de sua entrada e saída de minha residência.
Mais provas do que essas?
- Não nego que estive em sua casa
naquele dia. Nós éramos colegas de faculdade, do curso de direito, fui lá para
Raissa me orientar numa prova de Direito Penal, portanto, as minhas digitais
estavam espalhadas por alguns lugares da casa, só não soube explicar para
polícia o paradeiro do meu documento de identidade, quanto às câmaras, elas
registraram a minha entrada em sua casa às 20 horas e minha saída antes das 22
horas, Raissa foi assassinada na madrugada daquele dia... – foi interrompido
por Dimitri, irmão mais novo de Silas:
- Atire logo neste falastrão,
Silas!
- Calma Dimitri, eu quero vê-lo
bufar de medo, implorar pra não morrer, confessar por que matou minha filha,
antes de seu último respiro!
- Não vou lhe implorar... Sou
inocente!
- Não vai confessar nem pedir
perdão!?
- Não! – levou uma bofetada de
Dimitri.
- Assassinos! – selou sua morte.
Naquela noite:
- Como entrou aqui?
- Pela porta, claro!
- Nesta hora!?
- Vim pra te proteger!
- Deus é meu protetor!
- Mas, Ele não está aqui!
- Não blasfeme!
- Você não gosta de mim, não é?
- Não!
- Por quê?
- Você sabe a razão!
- Que tal unirmos os nossos
corações?
- Saia daqui, filho do incesto!
- Se eu não saí?
- Chamo a polícia!
- Tu tens coragem?...
- Claro!
- Tu me dás um beijo antes da
polícia chegar?...
- Verme! – Raissa pegou o
celular, mas foi agarrada...
30 dias depois:
A polícia civil e a polícia
militar prenderam Silas e Dimitri numa operação conjunta, em suas residências,
às 8 horas, em uma sexta feira 13, do mês de Janeiro de 2012, à Rua “X”, Brotas,
cidade de Salvador. Não esboçaram resistência, o aparato policial foi uma
satisfação para comunidade que rico, também, é punido.
Diz a sabedoria popular que não
existe crime perfeito, mas investigação ruim. A polícia descobriu o criminoso
de Raissa pelo DNA de uma bituca de cigarro, algumas imagens distorcidas de uma
câmara vizinha, mas o desfecho foi o depoimento de um casal do prédio em frente
à casa do pastor que conhecia Dimitri desde rapaz. Na casa do sem jeito, ele
destrinchou toda história e justificou que a matou sem querer, algo tomou conta
do seu corpo e o deixou insensato, fora de si.
Silas não tomou como surpresa sua
prisão. Fazia algum tempo que a polícia rondava discretamente sua casa. A morte
de Marcelo deixou a sociedade soteropolitana revoltada! O rapaz era muito
querido, o povo baiano clamava justiça, só a prisão do assassino ou dos
assassinos, arrefecia os ânimos exaltados.
Surpresa e revolta foi quando
Silas soube do verdadeiro assassino de sua filha. Chorou como criança na
delegacia. Jamais perdoaria seu irmão nem se perdoaria, pois sujou as mãos de
sangue inocente.
Nada justificaria sua barbárie,
mas a morte brutal da filha deixou Silas Petrov cheio de ódio e desejo de
vingança. Dimitri usou esse ódio para destruí-lo mais uma vez, primeiro a morte
da filha, depois foi decisivo na morte de Marcelo. Silas não se deu conta que
justiça feita ao arrepio da lei, pelas próprias mãos, deixa o justiceiro refém
da ilegalidade, ele não é menos criminoso do que aquele que cometeu crueldade e
perversidade intoleráveis.
A justiça é a saída para todos os
males da conduta humana, sem a prática da justiça, o homem é primitivo.
Autor: Rilvan Batista de Santana
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