Sabatina sem palmatória

                                 


Sônia Carvalho de Almeida Maron*



         País engraçado, o Brasil. Vem causando estardalhaço a simples e normal obediência ao parágrafo único do art. 101 da Constituição. Esclarecendo melhor, eis o dispositivo da lei maior: “Os Ministros do Supremo Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”. E daí? É um fato corriqueiro em um estado de direito e não um fato inusitado que passa a merecer manchetes e notícias de primeira página, com direito a capas de revistas, fotos e mais fotos e declarações do candidato a uma vaga do Supremo Tribunal Federal. Falo da indicação do jurista escolhido pela presidente para a vaga do ex-presidente do STF, Ministro Joaquim Barbosa. O candidato é o paranaense Luiz Edson Fachin, tido como detentor de “notável saber jurídico e reputação ilibada” (art. 101 da CF, in fine), mas considerado portador de ideias esquerdistas radicais, o que alguns entendem impróprio e preocupante para alguém que se propõe a exercer a função de guardião da Constituição de um país democrático como o Brasil.
         Aqui, no país de Macunaíma, causa perplexidade o fato que deveria ser considerado óbvio, normal e corriqueiro qual seja a avaliação, pela Câmara Alta, do pretendente ao cargo mais relevante dos poderes constituídos. Tal qual Macunaíma ( o personagem símbolo do movimento modernista no livro de Mário de Andrade) nossos senadores sempre entenderam a “sabatina” como formalidade ou resultado de arranjos políticos costurados na Praça dos Três Poderes. Nunca acudiu a esses senhores, de gordo contracheque e gratificações ( que contemplam a “moradia” e o “paletó”, sem falar nas viagens nos jatos da FAB ),  refletirem sobre as consequências  de posições radicais na Suprema Corte, a exemplo da convicção de que a reforma agrária deve ser implantada com o confisco de propriedades privadas sem indenização; muito menos a preocupação quanto às escolhas de nomes reconhecidos como subservientes e vassalos do Poder Executivo, para não falar no currículo paupérrimo ou inexistente, “enriquecido” pela advocacia exercida para o partido do governo. Cumpre esclarecer que não é o caso do indicado atual, reconhecido no mundo do Direito como portador de “notável saber jurídico” e até prova em contrário “reputação ilibada”.
Todos sabem que existem precedentes do comportamento indiferente e irresponsável do Senado e as “sabatinas” nunca provocaram manchetes. Nossa sorte é que o peso da toga e a qualificação moral e jurídica de alguns candidatos conseguem apagar qualquer vestígio de influência deletéria no exercício do cargo; um exemplo edificante é o Ministro e ex-presidente do STF e  TSE Marco Aurélio de Melo, primo de um  presidente “impichado”e magistrado acima de qualquer suspeita. Saliente-se que a sorte nem sempre vive à solta e as exceções nunca se transformam em regras.
A verdade é que até o cidadão médio, o homem do povo deste nosso Brasil, não entendeu a atitude do jurista consagrado, de porta em porta, nos gabinetes dos senadores, mendigando votos. Como se não bastasse, consta que desceu ao ponto de “ensaiar” as respostas orientado por assessores do palácio do planalto.  Verdade ou mentira, são notícias divulgadas pela imprensa ainda livre (graças a Deus !) e pelas redes sociais.
Feliz ou infelizmente, o ensaio deu certo. Apesar de não fazer parte do ritual do desfile na avenida Marquês de Sapucaí, a “escola de samba” que comandou o espetáculo conseguiu o primeiro lugar na classificação da comissão julgadora. Não esqueçam que em nosso Brasil lindo e tropical, colorido e alegre, tudo conduz ao Carnaval.
Respeitosos cumprimentos ao novo Ministro. Ingressando no colegiado que assegura o cumprimento da nossa Lei Magna, vai conhecer o lado doce/amargo do Judiciário, o Superpoder, representado pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da liberdade e dos demais direitos dos cidadãos brasileiros. Ele bem sabe, como jurista de escol, que vai encontrar de tudo um pouco: exemplos de serenidade, equilíbrio, destemor,  sabedoria e retidão ao lado de exemplos deploráveis de descontrole emocional, destempero, intolerância e até mesmo ignorância da liturgia do cargo. Acredito que o Ministro Luiz Edson Fachin, que usou o pensamento de José Ortega y Gasset  para convencer que vive agora “a sua circunstância”,  no exercício do cargo, não perderá de vista o instituto da suspeição para preservar a conduta ilibada que todos reconhecem. Será a prova de que suas respostas na sabatina não serviram apenas para salvar a pele, solução que aparece na conhecida e repetida frase do filósofo espanhol, nem sempre lembrada em sua inteireza e idioma original: “Yo soy yo y mi circunstancia y si no la salvo a ella no me salvo yo”.
Ainda usando o pensamento de José Ortega y Gasset, lembraria que também é dele a frase ditada pela sabedoria do pensador: “Podemos pretender ser quanto queiramos, mas não é lícito fingir que somos o que não somos”.
A palmatória, instrumento presente nas escolas do passado nas sabatinas, pode surgir no desgaste pessoal e decepção causada aos jurisdicionados do novo Ministro. E um jurista que tem um nome a zelar não vai correr o risco.



                                  Itabuna, 20 de abril de 2015