Cyro de Mattos
Depois que o ladrão
tentou entrar lá em casa pela porta dos fundos, que dava para o pátio,
tive noites mal-dormidas, deixando minha
mãe preocupada. Ela não sabia mais o que fazer para tirar aquela ideia de minha
cabeça que insistia em me dizer que o
ladrão podia de novo tentar entrar lá em casa, a qualquer hora da
noite, quando todos estivessem dormindo.
Foi na época das eleições municipais que o ladrão tentou arrombar a porta dos
fundos, forçando-a várias vezes. Acordei sobressaltado com os tiros que meu pai
desferiu com o revólver na porta que o ladrão estava forçando.
- Os tiros vararam a
porta. O ladrão teve muita sorte. Por incrível que pudesse parecer não foi
atingido por uma bala – disse meu pai ao vizinho no outro dia. Saiu correndo apavorado pelo pátio estreito,
dando um salto ligeiro feito macaco para alcançar o muro que separava nossa
casa do quintal do vizinho, nos fundos.
Falei aos amigos como
o pai tinha enfrentado o ladrão. Contei que não tive medo em nenhum momento
quando acordei com os tiros que meu pai desferiu contra o bicho. Disse que
peguei no cabo da vassoura, fiquei abaixado
atrás da mesa, à espera da hora certa para bater nele, caso os tiros
desferidos por meu pai não atingissem o bandido e ele conseguisse entrar lá em
casa. Claro que não ia deixar que o monstro ferisse meu pai ou minha mãe com
alguma faca. Estava disposto a dar uns
socos bem fortes e quebrar o nariz dele, como uma vez vi no filme Roy Rogers
fazer quando prendeu o bandido, depois
de lhe aplicar uma boa surra.
A pior hora do dia
agora era quando anoitecia. A sombra do ladrão acompanhava-me por todos os
cantos da casa. Recolhia-me inquieto ao quarto para dormir. Não conseguia pegar
no sono e, quando cochilava, acordava sobressaltado, chamando minha mãe para
ficar junto de mim. Falava do meu quarto que o ladrão estava forçando a porta
dos fundos, querendo entrar na sala. Ela vinha até o quarto para me acalmar,
dizendo que tudo era impressão minha, o
ladrão nunca ia voltar para tentar entrar lá em casa outra vez depois do perigo
que passou.
Minha mãe resolveu me mandar passar uns dias
com tia Bebé, em Ilhéus, cidade vizinha,
que tinha praias belíssimas. Um porto ativo com embarcações entrando e saindo
pelo canal. E até navio com bueiro que soltava fumaça quando estava atracado no
porto. Apitava quando estava saindo ou
entrando na baía. Era bonito de escutar e ver o navio apitando feito um bicho
enorme do outro mundo.
Regressei
duas semanas depois. Fiquei sabendo que a caneta Park de meu pai, sumida
antes de o ladrão tentar entrar lá em casa, foi achada no pátio. Minha mãe estava varrendo
a terra dos vasos de planta que o ladrão
havia quebrado na fuga. Meu pai ficou surpreso, como minha mãe, quando viu a caneta Park. Ninguém falava mais
em seu sumiço, ocorrido lá em casa no mês de junho. Suspeitava-se de que tinha sido roubada pela empregada
Francisca.
Meu pai contou ao
delegado como a caneta Park havia aparecido
no pátio depois da fuga do ladrão. O delegado Arnaldo Gigante soltou uma
boa risada quando acabou de saber todos
os detalhes do aparecimento da caneta. Sabia que uma coisa estava ligada ao
ladrão. A sorte estava ajudando-o a pegar de uma só vez dois coelhos naquela
caçada. Ele conhecia o marido da
empregada, um ladrão perigoso, com várias entradas na delegacia. Daí
chegando-se até o bandido, o delegado
deu uns apertos nele para que confessasse tudo, o que não foi difícil..
O ladrão declarou que
queria entrar lá em casa para roubar várias coisas e se vingar de meu pai e
minha mãe pelo roubo frustrado da caneta Park.
A mulher dele tinha roubado a caneta quando minha mãe foi para a novena na
igreja de Santo Antonio, no mês de junho, e meu pai estava jogando
sinuca no bar. Dias depois, ela ia sair com a caneta Park enfiada no sutiã
quando chegou o soldado Hilário. Com medo de tudo ser descoberto naquele
momento, ela tirou a caneta escondida no sutiã, enfiando-a apressada em um dos
vasos de planta junto ao muro..
Fiquei contente com a
descoberta do ladrão, que foi recolhido à cadeia pelo soldado Hilário. Embora já tivesse
esquecido que um ladrão perigoso, marido de uma ex-empregada, uma noite
quis entrar lá em casa. Tirou-me o sono várias vezes seguidas e, no seu lugar, trouxe-me a noite
circulando pelos cômodos com suas
sombras vagarosas. .