Duas garotas de 8 ou 9 anos de idade,
não sei por certo as idades, lembro-me das feições e do tipo físico: uma morena
cor de jambo, cabelos castanhos até os ombros, olhos cor de mel, mãos finas,
pernas longilíneas e rosto bonito; a outra, cútis branca, cabelos de espigas de
milho, olhos verdes, mãos delicadas, pernas também longilíneas e rosto belo. O
nome de família delas eu não me lembro, sei que a loira tinha o apelido de
Pixixica e a outra o prenome Nilce. A
loira era apimentada, não levava desaforo pra casa, quanto mais zangada mais
bonita e, a morena cor de jambo, doce, calma, classuda.
Morávamos
na mesma rua – não se podia chamar aquilo de rua, era mais um caminho que o
capim morria de pisado - em casas de adobe, cobertas de telha, caiadas por
dentro e por fora, um luxo, já que a maioria era de taipa e palha de dendezeiro
ou açaí. Os quintais confundiam-se com as matas que ficavam nos fundos das
casas, não valia a pena delimitá-los com cercas de arame, com o tempo, urgia a
necessidade de lavar roupa nos córregos ou nos ribeirões, então, buscar água
para beber de algum minadouro nas grotas da mata, aí o arame era rompido ou
fazia-se algum passadiço.
Não
tínhamos brinquedo de loja. Os brinquedos eram improvisados pelos meninos e
pelas meninas. Os meninos gostavam de badoque, empinar papagaio, carrinhos de
madeira, brincar de gude, cavalo-de-vara, pião, mas nos divertíamos mais
nadando nos ribeirões das matas próximas ao vilarejo “Fuminho”. As meninas
improvisavam bonecas de pano, bambolê, jogo da velha e adoravam maquiar-se de
princesa com os apetrechos de beleza das mães.
Porém, as brincadeiras ganhavam vida
quando meninos e meninas se juntavam no jogo de esconde-esconde, caça ao
tesouro, o mestre mandou, dança das cadeiras e amarelinha. Não havia maldade,
tudo era inocência até no beijo roubado. Éramos ricos na pobreza.
Os meninos maiores, os mais taludos,
beirando os 13 e os 14 anos de idade, com a permissão dos pais, embrenhavam-se
nos cacauais, nas matas, à procura de assanhaço, bem-te-vi, curió, guriatã,
cardeal, rolinha, canário, sabiá, araponga-do-nordeste, pássaro preto, azulão,
e, outras espécies da fauna do Sul da Bahia. Além dos passarinhos, a meninada
caçava tatu-canastra, saruê, cágado, teiú, preá, etc. Os passarinhos eram pra
criar e as caças comidas cozidas ou assadas. Quando a tarde findava, eles
voltavam das roças com os bornais nas costas abastecidos de jaca, banana, abacate,
fruta-pão, graviola, jambo, e numa das mãos, uma vara de bambu com gaiolas e
caças penduradas. A molecada não usava
arma de fogo, no máximo, faca, facão, badoque, alçapão e visgueiras.
Criar passarinho no “Fuminho” era uma
brincadeira para molecada e uma atividade séria para gente grande, gente que
vivia de adestrar passarinho e fazer gaiola. Não havia uma casa que não tivesse
3 ou 4 gaiolas com passarinhos cantando e encantando e o mais disputado era o
curió, depois o canário o pássaro preto
e o sabiá. No casebre podia faltar o pão, a farinha ou o feijão, mas não
faltava o alpiste, quando a situação apertava, os passarinheiros recorriam à
natureza, assim, suas criaturinhas não passavam fome nem sede.
Pele cor de leite, olhos verdes, cabelos
loiros escorridos, mãos finas, esbelto, dentição perfeita, eu era mimado pelas
mulheres velhas e disputado pelas meninas da mesma idade do “Fuminho”, porém, o
meu coração era ocupado por Pixixica e Nilce. Claro que era amor de criança,
sem maldade, a libido se manifestava em sonhos...
Ali não havia pabulagem, todos eram
iguais socioeconomicamente naquela pequena comunidade, todo mundo conhecia todo
mundo, todos cultivavam relações de amizade, porém algumas afinidades, algum
bem-querer, algumas preferências pessoais e algumas simpatias eram diferentes: -
mãe Judite tinha mais amizade com as mães de Pixixica e Nilce.
Hoje, desconheço o paradeiro das minhas
amigas de infância, não sei se estão vivas ou mortas, não sei se estão
solteiras, casadas ou viúvas, se estão sozinhas ou rodeadas de filhos e netos, se
estão ricas ou pobres, se estão com saúde ou doente, mas elas estejam onde
estiverem, sei que dói no peito e na alma de ambas, a saudade dos tempos de infância,
dos tempos perdidos no tempo, as nossas brincadeiras de criança.
Autor: Rilvan Batista de Santana
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