Rui Barbosa era um homem de estatura baixa, franzino, a cabeça grande sustentada por um pescoço fino. Tímido e feio, mas tinha uma voz poderosa quando ocupava a tribuna. Os olhos faiscavam, de cada centelha a oratória incendiava com a argumentação firme, baseada na verdade. Uma dialética convincente e fascinante surpreendia os adversários. As imagens impressionavam a quem escutasse a palavra eloqüente, que da garganta irrompia cheia de energia, a desfilar pontos de vista inabaláveis.
Era um orador prodigioso, seduzia pelo domínio do idioma, vocabulário ilimitado, citações expressivas, raciocínios perfeitos. O político liberal batia-se pela mudança das instituições políticas para melhor. Indignava-se com a escravidão, clamava pela adoção das eleições diretas, pela reforma do ensino com métodos humanos, investia contra o poder papal, sendo um defensor ferrenho da ideia da separação dos poderes entre o Estado e a Igreja.
Lia os liberais ingleses e franceses, Shakespeare no inglês clássico. Quando discursava ou escrevia, revestia as ideias de princípios morais. Esse liberal convicto, qual um Quixote brasileiro viveu de pregar constantemente a paz, defender os direitos alheios, combater a violência, lutar pela liberdade em várias frentes. Construíra a República, dando-lhe o arcabouço jurídico..
Fora incapaz de conceber a vida sem um ideal. Advogado, jornalista, jurista, gramático, orador, poliglota, político, financista, escritor. Difícil dizer em que atividade era o melhor. Cada uma delas soube exercer com invulgar competência. O paladino da liberdade viveu à frente dos contemporâneos. Portador de uma inteligência privilegiada, associada à erudição adquirida das leituras armazenadas, ao longo do tempo, soube aplicá-las com brilho nas relações sociais, as quais só queriam fazer o bem na construção da vida. Gostava de repetir o versículo, “todo o bem que fizeres, receberás do Senhor.”
A oração que pronunciou em elogio a José Bonifácio, falecido no fim de 1886, constituiu-se em mais que um discurso, era mais um desabafo contra aquele mundo político mesquinho em que várias vezes havia sido derrotado. Na oportunidade, disse: Supõe-se ser a política a contradição do belo, como o tem sido, neste país, da verdade e do bem: uma espécie de divindade gaga, semilouca e míope, protetora do daltonismo e da surdez, inimiga da harmonia do colorido e do bulício da vida, afeiçoada às almas sem capacidade estética, sem instintos desinteressado, sem ondulações sonoras; uma combinação da esterilidade das estepes com a taciturnidade das paisagens de Java, onde as aves não cantam.
Suas palavras visionárias contra a luta suja pelo poder permanecem atuais até hoje, considerando-se a leitura que pode ser feita delas com relação às atitudes ambiciosas de políticos miseráveis, que acionam sem parar, em proveito próprio, a máquina da corrupção voltada para o econômico.
Rui Barbosa nasceu em Salvador, aos 5 de novembro de 1849. Faleceu em 1 de março de 1923, em Petrópolis, quando então se despediu deste velho mundo e ingressou na eternidade.
*Cyro de Mattos é escritor e poeta. No dia 15 de setembro próximo irá receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz e, no dia 10 de novembro deste ano, ocupará a cadeira 22 da Academia de Letras da Bahia, que tem como fundador Rui Barbosa e o seu último ocupante foi Clovis Lima. É um dos fundadores da Academia de Letras de Itabuna (ALITA).