A ARTE DA PALAVRA - Cyro de Mattos





                                A Arte da Palavra
               
                                               *Cyro de Mattos

                   Há quem afirme que o poeta e o ficcionista devem pertencer a um partido político. Não adotar uma crença política e não ter militância partidária  é ser um intelectual alienado. Não merece reconhecimento nos setores da sociedade e da comunicação porque nada faz de efetivo  para o bem da sociedade. Sabe-se que  qualquer ser humano é um animal político, já dizia Aristóteles na Grécia antiga. Age, opina, escolhe. Participa, direta ou indiretamente, dos fatos políticos provenientes da arte de governar os povos porque está inserido na sociedade, cumprindo seu destino gregário.
              Pode o conteúdo de uma obra literária ser até político, mas o estético deve prevalecer. Não se faz necessário que seu autor seja filiado a algum partido ou ideologia política, que, em geral, aniquila a utopia, essa apetência natural da alma humana para projetar através do sonho o real vinculado às estruturas equilibradas da vida. Dostoievski, Shakespeare, Fernando Pessoa, William Faulkner,  Guimarães Rosa, Clarice Lispector,   Lúcio Cardoso, Drummond  e outros deixaram um legado literário precioso para a humanidade e não foram militantes de qualquer partido político. Nem se preocuparam com esses sistemas de pensamento entranhados na esquerda ou direita. 
               O poeta ou o ficcionista são úteis à  sociedade por que seu discurso arrojado lateja verdades nas zonas da imaginação criativa. O resultado, que se materializa no objeto artístico,  não busca  solucionar problemas econômicos, sociais e religiosos. Busca investigar as forças que tornam opaca a realidade pelo moto contínuo do viver, que emerge da existência de tudo. Assim deseja  revelar  esse universo onde habitam os seres e as coisas,  inaugurar  novos sentidos. Iluminar os outros no mundo  quando toca a  graça e o ódio, a alegria e a tristeza, o belo e o feio, o bom e o ruim. 
             O míope e o vulgar por compulsões primitivas e limitações óbvias  não vão entender isso. Presos às convicções sectárias do viver imediato, não percebem que tanto a  arte literária resultante de humanismo social ou a que interpela o destino das criaturas em seus conflitos existenciais é caminho para ver e ler a vida sob outro prisma. O único com uma linguagem que nada quer em troca, destina-se ao que o homem detém nele próprio, a razão e a emoção,  por isso serve  para que os povos se encontrem como irmãos na união geral do amor. 
              A alma invisível da poesia força um novo olhar além da aparência  dos seres e coisas em tudo. Em nosso estar no mundo, ela fala da solidão, que pode ser cósmica, existencial, em família ou na multidão. Fala da esperança feita ternura, que comove e encanta. Denuncia o aviltamento social. Percebemos logo que, nessa condição do eu poético,  o elo gerador de gravidade e concordância da linguagem literária não funciona  afinado para a serventia de um determinado grupo, formador de opinião  com vistas à sua manutenção no poder. A  arte literária não se alimenta dos padrões discursivos da militância política. Ela participa do seu tempo, comprometida com a vida entremeada de essencialidades, verdades permanentes do ser. Dessa maneira atua  como libertária  dos seres humanos,   tornando o ficcionista e o poeta como os  verdadeiros  biógrafos e historiadores da vida.
           

*Cyro de Mattos é autor premiado no Brasil e exterior.