ENTREVISTANDO NOSSOS ACADÊMICOS - RUY PÓVOAS



1.Quem é o entrevistado analisado sob sua própria ótica?

Antes de tudo, sou filho de Oxalá, o Orixá da Paz e do Amor. Nasci Ilheense, mas depois Itabuna me deu o título de Cidadão Itabunense. Vou ficar aqui até o final de meus dias, florescendo onde ?Deus me plantou. Gosto de luz, música, flor e perfume. Amo o silêncio e o recolhimento. Detesto alarido, briga, gente embriagada. Gosto de limpeza, organização, disciplina e disposição para o trabalho. Leio todos os dias e escrevo quando a escrevinhação me vem. Sou deísta, animista e sonho com um sistema político econômico que ainda não foi inventado. Me perco horas sonhando outros mundos, outros sistemas, avanços do espírito humano. Sou uma pessoa do Candomblé, pois através de seus conceitos e categorias eu consegui me ler, ler o mundo, ler a vida.

2.Quando começou a escrever e como define sua preferência literária para criar?Desde sempre, desde que me entendo.

No Ginásio, o professor destacava minhas redações e as lias para toda a classe ouvir. Eu era o único menino, de uma família numerosa que sabia ler e escrever e por isso era o escrivão e o leitor das cartas dos familiares. Me diziam o assunto e eu escrevia a carta. Depois eu lia para o rementente que em geral desabava no choro e me cobria de elogios e agradecimentos.

3. Seus textos são produzidos com facilidade ou demora algum tempo, reescrevendo-os?

São produzidos com muita facilidade. Mas muita, mesmo. No entanto, dou-me ao trabalho de relê-los e faço correções.

4. Qual o processo de criação dos seus textos? De onde vem a inspiração?

O negócio é assim: vem de repente, chega numa onda avassaladora e aí eu não acerto fazer mais nada. Ou para pra escrever ou dou uma agonia. Também não tenho domínio algum sobre tal processo. Vem quando quer e vai ser avisar. Pode levar meses e meses sem dar sinal. Um dia, sem que nem pra que, lá vem a tsunami...

5. Qual a obra predileta de sua autoria? Lembra de algum trecho?

O pai escolhido, um conto que faz parte do livro Itan dos mais velhos. “— Morequim, eu estou dessa idade e nunca ouvi di­zer que alguém tivesse feito um pai. E agora vou ter que aprender tudo de novo. É isso, meu filho: aprender com você... O mestre sempre aparece, quando o discípulo está preparado.” p. 159

6. Sem preocupações cronológicas e de estilo literário, quais os seus autores favoritos?

Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Cecília, Durmmond e Bandeira.

7. Cite um autor que influenciou ou mudou sua forma de ver o mundo.

Jorge Amado

8. Há quem diga que os poetas são loucos e sonhadores. Qual é a sua opinião pessoal?

Eles são antenas da humanidade.   

9.Tem obras publicadas ou só publica em blogs, jornais e revistas?        

Tenho 8 (oito) livros publicados. Não tenho blog. Publico também em jornais e revistas. Até que nesses úlktimos meses ando meio quieto.

10. Encontra dificuldade para publicar e divulgar seus trabalhos?

No começo de minha carreira, foi difícil. Depois, tornou-se fácil. Não tenho de que me queixar.

11. Qual a sua opinião sobre a publicação digital (e-book), hoje tão atual?

Conforme disse Cícero, o grande orador romano, “com o tempo, todas as coisas mudam e nós mudamos com elas.” Então, e-book é uma mudança e outras mudanças mais ainda estão por vir.

12. A internet fez surgir mais escritores. Houve realmente a democratização da literatura?

Creio que está acontecendo uma democratização da divulgação. Mas que a Internet possa democratizar a Literatura, não creio, pois ela não faz com que a pessoa vire escritor e faça Literatura. Mas divulgar, aí, sim: como tudo se democratizou.

13. Tem prêmios literários?

Apenas um: o Prêmio Xavier Marques, que me foi concedido pela Academia de Letras da Bahia, em 1990. 

14. Com a sua experiência que conselho daria a alguém que começasse a escrever nos dias atuais?

Que leia sobre tudo. Leia os consagrados. Caminhe pelas ruas, praças e jardins e fique parado observando o mundo, as pessoas as paisagens. Se escapar dos ladrões, volte pra casa e reflita sobre o que viu. Fique atento ao nascer do dia, ao por do sol, ao céu num momento de tempestade. Lembre-se das pessoas com quem conviveu na infância e do que aprendeu com elas.

15.  O que acha imprescindível para um autor escrever bem?

Conhecer bem seu próprio idioma em suas variedades linguísticas; dominar as normas de cada variedade linguística; viajar de ônibus, com os olhos fechados e os ouvidos bem abertos. Vai ouvir coisas de espantar raposa.

16. O escritor só se considera um escritor de verdade quando publica um livro. Por que a internet não traz   esse sentimento de realização para o escritor?

Ainda é o ranço da antiga escala de valores. Mas com o tempo, isso vai mudando.

17. Para concluir nossa entrevista envie um texto em prosa ou em verso de sua autoria.



DESCOBERTA

À revelia de mim
(nem sequer me perguntou),
o Tempo, sem piedade,
o meu rosto mapeou.
Desfolhou minha cabeça,
aumentou minha barriga,
diminuiu o meu fôlego,
aumentou minhas saudades,
mistura de mel e sal,
num travo de amargor.
Depois, devagarinho
(para que eu não percebesse),
me jogou num labirinto
e minha existência definhou.
E quando dei conta de mim
(descobri boquiaberto),
Senhor Tempo, espertamente,
fez de mim corpo cansado,
e de um tecido amarrotado
me vestiu a fantasia
neste corpo de senhor.

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Por baixo da cortina do arco-íris, a barra enfeitada de ondas e cores. Do porto das lanchas, os velhos vêem. So­bras e sombras de tudo, agora eterno passado. Nos olhos baços, indícios de catarata, a íris dilatada. Lembranças no vaivém das ondas miradas de longe. Os mais-velhos come­çam a contar pausadamente os itan arquivados na memória. Palavras íntimas para dar vida ao que vivo foi um dia. Gostam de repetir o óbvio. De tão acostumado a ver o todo-dia, esse povo não enxerga o que não for dito e avi­sado, eles dizem. As lembranças em alinhavos pesponta­dos. Tudo é motivo para a deriva, é importante retardar o final da história. Para que pressa do fim, se ele já chega com avisos soturnos de tremores nas mãos, embargo na voz, fraqueza nas pernas e dores na espinha? Há mil nomes para serem lembrados. A omissão de um deles será injustiça a quem fez tanta história.Arco-íris no céu, retratos nos olhos, palavras ao vento. Somente os velhos escutam suas próprias histórias. Por isso, eles estão sempre em busca dos moços. E os moços perguntam: Para que guardar o que se foi? O vento carrega, barra a fora, as lembranças dos velhos. Palavras em busca de pági­nas. Os velhos continuam, no entanto, sempre a contar. Tempos pas­sados, tempos vívidos, tempos lembrados nos tempos de agora. Cada velho é espelho onde outro velho mira a pró­pria decomposição, ingrato desgaste da vida, todos sabem.Na boca da barra, o jangadeiro, ainda menino, escuta o vento. E o vento sabe de cor os itan dos mais-velhos do Pontal, terra aberta por sauipeiros. Eles estão lá, testemunhas do saber e do fazer. Ve­lhos sabidos, sentados na murada do cais, na luta contra o esquecimento dos moços. Até parece que esta gente nunca vai envelhecer também, eles dizem. Sobre as ondas, o arco­-íris ameaça se apagar, pois o sol vai se esconder. E os mo­ços, na pressa da vida, não têm tempo para olhar, quanto mais para ouvir ou conhecer.