MEMÓRIA GENÉTICA - Ceres Marylise

MEMÓRIA GENÉTICA - Ceres Marylise

 


Casarão da Fazenda Santa Bárbara - propriedade do Barão de Caetité, construída por escravos no período colonial. Do início do século XX até o início do século XXI, pertenceu aos pais de Dr. Paulo de Souza, ex-juiz de Direito de Itabuna, meu cunhado, e já falecido. O imóvel foi tombado e atualmente pertence ao Patrimônio Histórico.



MEMÓRIA GENÉTICA
(Uma história verídica)
Ceres Marylise


De portas, janelas, varandas  enormes,
um tal casarão, de cômodos tantos,
propõe-me um pungente e triste encontro
com o que fui um dia, também ser humano,
mas traste inútil, nos tempos de antanho.


Num quarto imenso, lúgubre, escuro, 
 do fundo da casa, perto dos currais,
estão sepultados os  mortos no tronco,
 os negros escravos, pobres, indefesos,
tão brutalizados quanto os animais.


Próximo à cozinha, meio apodrecido 
ainda resiste um tronco com argolas:
 grosso pelourinho, cravado no chão 
de terra batida do que foi senzala,
guarida de escravos, nos idos de outrora.


Por longos instantes, ali eu reflito
e escuto os lamentos dos meus ancestrais:
vieram de longe arrastando negros,
 arrastando índios, arrastando brancos; 
 genes milenares  - trago os seus sinais.


No silêncio do tempo, com voz alquebrada,
 ressoa mais forte, aquela mais triste:
  delata a presença de todo um passado
de  dor, inclemência, cruel, desumano
- do negro que sofre e ainda resiste.


Quantas espadas perfuraram os seus peitos? 
Quantos braseiros queimaram seus corpos sãos?
Quantos chicotes rasgaram corpos inteiros? 
Quanto sangue jorrou forte e indefeso,
 enriquecendo aos senhores e às nações?


Inconformada, infeliz, rio como louca
e parece que ouço o zunir dos chicotes,
 o arrastar de correntes e infinitas dores,
 presentes na alma, na carne e no sangue:
 memória genética - escrava e senhora!


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