REFLETIR É
PRECISO
Sônia
Carvalho de Almeida Maron*
Semanas atrás, na
avenida Aziz Maron, nesta nossa cidade, o casal
Alberto e Maria Palma Andrade foi assaltado no momento em que caminhava
em obediência à orientação médica, que aconselha o exercício aeróbico para
pessoas, como eles, que atingiram a denominada terceira idade. Alberto foi
derrubado pelo assaltante e, ao perder o
equilíbrio, arrastou na queda sua
esposa, que já enfrenta sério problema de locomoção e feriu gravemente o joelho. Para o nosso cotidiano de cidade
campeã de violência urbana, nenhuma surpresa. Fato normal que dispensa
registro. Poucos dias depois, um dos sócios do LAP Laboratório, farmacêutico
Anselmo Luiz de Brito, no mesmo local, foi abordado sob a mira de um revólver, sendo obrigado a entregar o carro, a carteira com documentos e dinheiro, e até o
tênis que calçava. O horário ? Entre sete e oito horas da manhã nos dois casos.
O que fazer? A
quem atribuir a responsabilidade pela segurança do cidadão digno, que trabalha
honestamente e paga impostos ? À polícia civil? À polícia militar? Ao político escolhido pelo povo que exerce o
mandato na esfera municipal, estadual ou federal? Ou ao Papa Francisco que
desafiou todas as recomendações mundiais de segurança? O Santo Padre pode fazer
o que quiser, pois quem zela por sua segurança não é deste mundo. E nós? Estas reflexões servem para afirmar que as
especulações invocadas, nenhuma delas, é
caminho e bandeira para protestos e manifestações. A raiz, a verdadeira raiz, é bem mais profunda. Não é
simples e imediatista, como pode parecer. O povo deve continuar indignado e
sonhador, sem abrir mão de nenhum dos seus direitos. Mas deve parar para
refletir, buscando armas para não agir ingenuamente, aceitando soluções marqueteiras
e ridículas e facilitando a manipulação de suas consciências. Enfim, a batalha
que travamos no cotidiano, em Itabuna, na Bahia e no Brasil, não é contra o
crime, tão velho quanto o homem na face da terra e que sempre vai existir: a
luta inglória e desigual é contra a impunidade.
Dizem por aí que somos um Estado de direito, alicerçado
em três poderes harmônicos e independentes. Como Estado de direito vivemos sob
a “batuta” de uma lei maior, com partituras executadas por “maestros” que não
conhecem muito da execução, ou executam de forma distorcida, ou exageram nos
finais apoteóticos. Dizendo melhor, somos uma orquestra muito desafinada. Temos
nas mãos uma Constituição que
assegura a liberdade individual dos
indivíduos “frente às variadas formas de exercício arbitrário de poder,
particularmente odioso no direito penal”: são palavras do jurista e filósofo
italiano Norberto Bobbio, no prefácio da primeira edição italiana do livro de
Luigi Ferrajoli, Direito e Razão, teoria
do garantismo penal. Também já ouvi dizer que nossa Constituição é garantista, ou seja, foi inspirada na teoria do Luigi Ferrajoli e
ocorre que nossos três poderes estão carregando nas tintas. Quando digo nossos
três poderes, o faço porque a Constituição tudo disciplina; mas, em verdade,
somente o Judiciário, por sua Suprema Corte, sabe do que se trata; os demais,
forçoso é reconhecer, mal sabem o que estão fazendo ao povo, preocupados
em olhar o próprio umbigo,
Pouco adianta lembrar que, nos últimos tempos, Executivo e Judiciário andam às turras, como se fosse possível uma queda de braço
entre o Poder que cuida da administração de um país e o Poder responsável pela
segurança jurídica e paz social. Entre o desrespeito e o desencontro, o povo,
espremido, leva a sobra. Com o devido respeito ao Super Poder, última
trincheira reservada aos brasileiros e a qualquer povo que se respeite, a
leniência vem comandando o princípio tão festejado da “presunção de inocência”
no que se refere à aplicação da lei penal. Poderia citar centenas de exemplos
de crimes hediondos, provados e confessados pelos réus, com prova material
farta e indiscutível, que a suposta “primariedade” dos réus conduziu os
tribunais superiores a reformar decisões do primeiro grau. Tais decisões afastaram
da convivência social indivíduos que representavam ameaça concreta “à ordem
pública” ou impediriam a “ aplicação da
lei penal”, permanecendo em liberdade apesar dos requisitos que autorizam a prisão preventiva. A inadequação do sistema
carcerário é outra história, que não pertence à esfera de competência dos
julgadores. Enquanto isso, o cidadão que
trabalha, respeita o semelhante e obedece às leis do seu país, permanece como
se estivesse encarcerado em sua própria casa, cercado de alarmes, grades nas
portas e janelas, câmeras em circuito fechado, desarmado, em permanente estado
de alerta, temendo pela própria vida e
dos seus familiares. Aguardando o trânsito em julgado da última, das últimas,
das últimas decisões dos tribunais competentes, o réu é premiado e ainda dá
risadas dos otários: nós, os cidadãos e cidadãs de bem que constroem o país.
É melhor parar por aqui, evitando reflexões abstratas e
fora do contexto atual. Afinal, os princípios éticos e morais que servem de
moldura à conduta que distingue o cidadão de bem do marginal estão esquecidos e
a última categoria ocupa, algumas vezes,
o lugar que seria reservado ao “ficha limpa”. Como nada pode ser feito,
pelo menos que os casais como Alberto e Maria Palma possam caminhar em paz na
avenida Aziz Maron, com o respeito que a
terceira idade merece, assim como
os homens de bem como Anselmo Luiz de Brito. É o apelo que faço ao meu caro
amigo, Tenente Coronel PM Antonio Marcos Lemos, digno e atento comandante do 15º BPM, para destinar uma viatura ao patrulhamento do circuito das caminhadas nas avenidas Aziz
Maron e Beira Rio. Serviria para tranquilizar um pouco os que precisam seguir
recomendações médicas, ou lutam para manter uma vida saudável. Afinal, “a
dignidade da pessoa humana” ainda é princípio fundamental previsto na
Constituição.