SAUDAÇÃO DO ACADÊMICO ANTÔNIO LOPES AOS NOVOS EMPOSSADOS



SAUDAÇÃO DO ACADÊMICO ANTÔNIO LOPES AOS NOVOS EMPOSSADOS ALEILTON FONSECA, JORGE LUIZ BATISTA DOS SANTOS E SILMARA SANTOS OLIVEIRA

Saibam todos quantos nos ouvirem que a Academia de Letras de Itabuna - Alita é entidade ainda muito nova. A Academia Francesa, modelo usado em todo o mundo, tem mais de quatro séculos; a Academia Brasileira de Letras já conta mais de 100 anos; a Academia de Letras da Bahia está às portas do centenário, e bem perto de nós existe a Academia de Letras de Ilhéus, com mais de meio século – enquanto a nossa é criança que há pouco ultrapassou um ano.
Em formação, a Alita ainda não pode se dar ao luxo de certos rituais, por isso empossamos hoje, em solenidade sumária, três integrantes – quando o rito manda que seja um de cada vez. Mas essa pequena transgressão com a história não nos tira o prazer nem a honra de receber nesta noite histórica para a cultura de Itajuípe e da região, três novos membros da Alita que eu gostaria de nomear: Silmara Oliveira (que assume a Cadeira nº 2, cujo patrono é Sosígenes Costa), Jorge Luiz Batista (Cadeira nº 26, patrono Fernando Leite Mendes) e Aleilton Santana da Fonseca (que vai assumir a Cadeira de nº 22, cujo patrono é Castro Alves).
Portanto, a Alita, em alarido de festejos, os saúda, mesmo que da forma sintética, resumida, que o relógio nos impõe – e com o grave, mas justificado, delito da mutilação de suas biografias.


Os três são professores – e é certo que eu voltarei logo a esta informação – mas Aleilton Fonseca é, essencialmente, escritor. Nascido quando morria a década de cinquenta, já granjeou respeito como poeta e contista em plena adolescência, ao vencer por três vezes o concurso de contos do Jornal da Bahia.

De imediato passa a publicar também em A Tarde e ainda em 1977, aos 18 anos, recebe o aval do lendário Adinoel Mota Maia, que o apresenta numa entrevista, a primeira de sua vida, como “um novo escritor que surge no Sul da Bahia”. Ele se referia ao fato de Aleilton ter nascido ali em Firmino Alves, então chamada Itamirim.

Fim dos setenta, início de 1980 é o tempo, por assim dizer, de afirmação do escritor: ele se transfere de Ilhéus para Salvador, organiza seu primeiro livro de poemas, ganha um concurso da Universidade Federal da Bahia – e é selecionado para abrir a série de publicações da Fundação Cultural do Estado, integrando um grupo de 14 novos autores baianos, que fixariam o perfil da Geração de 80.

Em 1981 publica o livro de poesias, Movimento de sondagem, que lhe renderia atenção especial de Carlos Drummond de Andrade e acolhida entusiástica de Rubem Braga, que publicou dois poemas na coluna que ele assinava na Revista Nacional, no Rio de Janeiro.
Em 2001, recebeu Prêmio Nacional Herberto Sales – Contos, da Academia de Letras da Bahia, pelo livro de contos O canto de alvorada, e publica, naquele mesmo ano, O desterro dos mortos.

Em 2003 leciona, como professor convidado, na Universidade de Artois, na França, e faz palestras em várias universidade francesas, e em Budapeste, na Hungria. Ao completar 50 anos, em 2009, teve homenagens da Academia de Letras da Bahia, da Universidade Federal da Bahia, reconhecimento na França e a encenação de Nhô Guimarães, seu trabalho sobre Guimarães Rosa.

Aleilton é doutor em literatura brasileira, membro do Pen Clube do Brasil e da Academia de Letras da Bahia, cofundador da revista Iararana e coeditor da revista Légua e Meia. Publicou vários títulos em poesia e prosa. Citemos: Enredo romântico, música ao fundo, Teoria particular (mas nem tanto) do poema. Oitenta: poesia & prosa (Carlos Ribeiro), O triunfo de Sosígenes Costa (com Cyro de Mattos), O pêndulo de Euclides, romanesca visita ao território mágico de Canudos, e coleções de contos que o elevam ao panteão dos modernos criadores da short history brasileira: O desterro dos mortos, A mulher dos sonhos, O canto de alvorada, Jaú dos bois e aquele que, provavelmente, reúne a maior fortuna crítica de vossa senhoria, publicado também em francês, As marcas do fogo. Sobre ser a história de amor de Marcos e Clara, o conto é também uma ode, uma descoberta da cidade do Salvador na Bahia.


O crítico Hélio Pólvora, que tem assento na Alita, chama a  atenção para a forma como vossa senhoria seleciona as palavras no seu mister de narrador. “O contista as toma no paladar, sente-lhes o gosto, o peso, o nível de expressão. Há nesse conúbio com as palavras um prazer por assim dizer sensual. O escritor escava lembranças, que se identificam através de palavras, escava rostos e episódios da infância - e essa garimpagem permanente lhe rende histórias dignas de reflexão” – o assinado, Hélio Pólvora.
 
Senti, se vossa senhoria me permite a ousadia de dizê-lo, um tom de literatura fantástica naquele amor de Jau pelos bois, com Marta de permeio. Mas, muito melhor do que eu, a  professora Angélica Milano Siqueira Ramos, fez cuidada leitura daqueles contos e mostrou a existência de aberturas, links, portas, janelas, gavetas e escaninhos não perceptíveis ao primeiro olhar – ou ao olhar do leitor mediano.

Diz a professora que a narrativa de vossa senhoria proporciona uma forma de catarse de nossas próprias tristezas enclausuradas e não resolvidas”. E Angélica Milano acrescenta: “por isso os contos do escritor Aleilton Fonseca têm uma função terapêutica e purificadora”.

Modestamente entendo que essa função terapêutica está mais explícita ainda em A mulher dos sonhos, uma deliciosa coleção de textos de humor, em que não poderia faltar a referência àquela moça especialista em gerúndios e que costuma estar telefonando para nos estar oferecendo algum serviço nos piores momentos.

Resta dizer que o conto As marcas do fogo foi o centro de uma homenagem que vossa senhoria recebeu em Toulouse, na França, com uma exposição chamada Les marques du feu. Há de se destacar ainda que As marcas do fogo, o livro, teve uma edição muito bem cuidada, bilíngue (português e francês),  algo à altura do prestígio que vossa senhoria possui também na terra de Danton e Robespierre. Também é bilíngue Um rio nos olhos, poemas.

Acrescente-se ser o novo acadêmico doutor em literatura brasileira (pela USP), tendo apresentado tese sobre a poesia urbana de Mário de Andrade. Foi orientador de bolsistas de iniciação científica na UESB, fundou, com colegas seus, o curso de Pós-Graduação e Diversidade Cultural, na UEFS. E dizer que o interesse de vossa senhoria sobre a cidade na poesia moderna – despertado talvez com o doutorado na USP – perpassa a prosa de As marcas do fogo e chega ao projeto atual, vigente na Uefs, chamado Imagens Urbanas na Literatura. Por fim, mas não menos importante, lembramo-nos de que vossa senhoria representou o Brasil, recentemente, no 28º Festival Internacional de Poesia, em Québec, no Canadá.

Senhor presidente, senhoras e senhores, o currículo aqui resumido mostra um dos mais significativos escritores brasileiros contemporâneos e justifica, por si só, que lhe sejam abertas as portas da Academia de Letras de Itabuna. Senhor Aleilton Santana da Fonseca, seja bem-vindo, nós o saudamos.



Eis que, findo este sobrevoo na biografia do escritor Aleilton Fonseca, estamos diante de outro nome importante que hoje chega à Alita, curiosamente, também educador.

O senhor Jorge Luiz Batista dos Santos é, dentre outras coisas, mestrando em IN ovações Pedagógicas (pela Universidade da Madeira, em Portugal), é autor, ator e diretor de teatro, é pós-graduado em Filosofia Contemporânea.

Devo-lhe dizer, senhor acadêmico Jorge Luiz Batista dos Santos, que se outros professores me causam grande admiração (inveja positiva), é provável que o senhor me provoque muito mais esse sentimento, e já adianto meus motivos:

Vossa senhoria não é apenas professor, é professor de filosofia. E não é somente professor de filosofia, é professor de filosofia para crianças e adolescentes. Se ensinar é a mais nobre das missões, o que dizer de quem leciona filosofia – e  o faz para os jovens?

Essa disciplina, sabe vossa senhoria muito bem, é um prolongamento das outras, porque nelas se apoia e delas depende. Alguém já disse que as ciências em geral explicam a natureza, explicam as coisas, enquanto a filosofia explica o porquê da natureza, o porquê das coisas – e, quem sabe, a natureza das coisas.

Não fosse a glória que me cabe hoje, de entrar para a história de Itajuípe e da região com os três novos integrantes da Alita, eu já ficaria devendo, em particular, a vossa senhoria, por este instante.

É que, sabendo-o professor de filosofia, apressei-me a rever conceitos apreendidos em tempos que longe vão, quando era maior minha curiosidade com o vasto mundo que nos oprime. Assim, tirei a poeira do meu Georges Politzer e seus Princípios fundamentais de filosofia, o que nunca será perda de tempo.

Retomar o contato com esse professor marxista francês me avivou a memória de que grupos sociais conservadores  conceituam a filosofia como coisa de quem não tem os pés na terra.

A ideia de que a filosofia é um saber impenetrável, reservado a inteligências privilegiadas, superiores, não podendo ser de muitos, mas um apanágio de elites, é um desserviço à sociedade, se não for apenas uma fraude grosseira.

Afirma o mestre francês que esse engodo ideológico se explica pelas muitas filosofias que estão nos manuais, muitas teorias que mais confundem do que esclarecem. Sabe vossa senhoria mais do que eu que esse festival de “ismos” se reduz a duas teorias gerais: uma que explica o mundo de forma científica, é o materialismo; outra que explica o mundo de forma não científica, é o idealismo.

Entre elas há uma teoria simpática, o agnosticismo, a meio caminho das duas e que não ganhou muito respeito do mundo acadêmico: para os materialistas, o agnóstico é um idealista envergonhado; para os idealistas ele não passa de um materialista que sucumbe à timidez de seus próprios argumentos.

Vossa senhoria é, repito, portador de minha maior admiração, por desempenhar esse mister de levar as crianças a pensar – tarefa importantíssima, pois é das crianças que são feitos os bons adultos. Mas devo, no bojo dessas considerações, externar minha frustração:

Sinto que trabalho meritório desse tipo não chegue ao seu lugar mais adequado, que é a melhor escola, a escola pública, gratuita, laica e obrigatória, a escola de todos, a escola que o Estado nos deve.

Nem precisaríamos dos três educadores, e de outros que estão à mesa, para explicar nossa indignação: esta plateia sabe que o Estado não quer que a gente pense. A escola onde crianças pobres aprendam filosofia “desfraudada” – e parece que vai aqui uma invenção gramatical, eu quis dizer filosofia sem fraudes – seria muito perigosa para o Estado. E quando eu digo Estado a referência é a todas as instâncias de poder – do município mais desimportante até o fulgor do poder, em Brasília.

Faltou dizer que vossa senhoria é de origem pobre, com raízes profundas nestas terras do cacau: é filho de uma índia tupinambá de Olivença e um feirante, tendo crescido, como disse Machado de Assis, ao ar livre, cercado de praia, mar e histórias de gente. É um bicho de teatro (como se diz no jargão do meio), um trabalhador intelectual, valendo-se da palavra – para usar seus próprios qualificativos – ASPAS escrita, dita, maldita, gritada, envelhecida ou viva ASPAS. Creio ser vossa senhoria daqueles que, como eu e o poeta, lutam com as palavras, diariamente, mal rompe a manhã.

Gosto, em particular, de um conceito que vossa senhoria explicitou, conceito que não saiu dos manuais de filosofia, mas da vossa lucidez, vivência, inteligência e sensibilidade:
ASPAS “Filosofia é o lado inquieto da vida. É a música do dia a dia frente aos ruídos da moda. É o silêncio perturbador dos olhos, ação e transformação pessoal” FECHA ASPAS.

Portanto, professor Jorge Luiz Batista, venha até nós, abanque-se nesta Academia de Letras de Itabuna e, com sua arte, sua técnica e seu entusiasmo, nos ajude a fazer frente aos ruídos da moda e a transformar pessoas.

A acadêmica Silmara Oliveira é mestra em cultura e turismo, pela      Universidade Estadual de Santa Cruz – posição a que chegou após cumprir seu tempo de estudos básicos no Grupo Escolar Dr. Pedro Catalão, no Grupo Escolar Professora Núbia Badaró e no Colégio Polivalente de Itajuípe. Em seguida estudou no Ginásio Dr. Diógenes Vinhaes, onde fez os cursos de Magistério e de Assistente de Administração.

Senhor presidente, se me é permitido dizer eu digo à professora Silmara Oliveira que ela é um produto típico desta região. Vossa senhoria carrega, de fato, pela vida afora, os cheiros e sabores daquela infância que sabe a jasmim, orquídeas, mel de cacau, grama molhada e canto de pássaros. Também da infância vossa senhoria evoca goiabas, araçás e sapotis, arroz doce, banana da terra e quibe cru – não tivesse Itajuípe a cozinha fortemente marcada pelos árabes, sírio-libaneses, sobretudo.

Digo a quem tem ouvidos de ouvir que a acadêmica Silmara Oliveira, aqui presente, com seus pés de menina grapiúna, pisou as buraras de Itajuípe, bebeu água de ribeirão tendo folhas de cacau como copos, talvez por isso seja tão indissoluvelmente ligada à sua aldeia.

Mas vossa aldeia, professora Silmara Oliveira, não é aquele marasmo de Cidadezinha qualquer, o poema de Drummond, em que “Um homem vai devagar, um cachorro vai devagar,
um burro vai devagar” – naquela vida besta, como a intitulou o poeta de Itabira. Não, vossa aldeia é a de Tostói, da mulher que não se entrega à pasmaceira, nem tampouco abandona seu quintal: luta, desconstrói, reconstrói, canta sua aldeia e, cantando, vislumbra o horizonte universal.

“A gente vive o cotidiano, mas está sempre esperando o momento do salto, da libertação, do sonho, do prazer que a alma tem com o transcendental”.

Se me for perdoada mais uma intromissão-quase abelhudice, refiro aos presentes esta profissão de fé, nascida da lavoura intelectual de vossa senhoria e que eu ouso repetir: “A gente vive o cotidiano, mas está sempre esperando o momento do salto, da libertação, do sonho, do prazer que a alma tem com o transcendental”.

Vossa senhoria viveu o cotidiano de Itajuípe, mas nunca se deixou tomar levar pela mesmice, pelo conformismo, pela inércia: de olhos abertos, identificou o tempo da libertação, apercebeu-se do momento objetivo e deu o salto. Assim fazendo, já tem suas marcas nesta terra: e sua pesquisa sobre a produção literária de Adonias Filho, que conheço em resumo, é prova inequívoca de que o salto foi dado.

Uma mulher que numa cidade com as dimensões de Itajuípe se dedica a projetos de cinema, turismo, educação, literatura, documentação (com o Memorial Adonias Filho) e outros, a exemplo da A Associação dos Filhos e Amigos de Itajuípe, bem poderia ser chamada de agitadora cultural. Se hesitei em chamá-la assim foi porque o termo agitador repugna a certa geração, a minha, a que estava ativa nos anos sessenta.

Vencida essa ojeriza, da qual não é culpada a palavra, mas a estupidez humana, chamo vossa senhoria, por justiça, de agitadora cultural, sem que este epíteto ponha em risco suas unhas esmaltadas: saibam todos que o Brasil de hoje, embora não seja o melhor dos mundos – e apesar dos saudosistas que querem o passado de volta – já não arranca as unhas dos agitadores de nenhuma espécie.

Quando vossa senhoria louva e honra seus pais, seus mestres, seu ambiente da infância e sua história, mira-se neles, mas não os reproduz. É curioso como nossas ligações com o passado, com a célula familiar, com culturas ancestrais, não prendem àquele quadro nossa inteligência, nossas decisões, nosso fazer, nosso livre arbítrio. A vida, como a arte, não gosta de pastiches, não aplaude as cópias, prefere as criações. A vida, senhora acadêmica Silmara Oliveira, é invenção, antes e acima de tudo.

Por isso sabe vossa senhoria que a fazenda Santo Antônio, lá pros lados da Água Sumida, é hoje, por assim dizer, apenas um retrato na parede. O tempo é outro, o mundo girou, a menina já não caminha sobre as pedras do riacho. Pedras que eram o caminho, hoje são – às vezes dolorosamente – pedras no caminho, entraves que precisam ser removidos, e que precisam que a senhora seja forte para removê-los.

Mas esta noite me traz, no meio das lembranças, um dos versos mais bonitos de toda a poética do vosso patrono, Sosígenes Costa: “A noite vem do mar cheirando a cravo”. Esta noite, senhora Silmara Oliveira, vem do mar de Ilhéus, das matas do Sequeiro do Espinho, do mar de Belmonte de Sosígenes, vem de Itabuna esta noite, vem da Pirangi de Dr. Montival Lucas, de Clodoaldo Cardoso e da professora Ângela Bezerra; vem da Itajuípe do meu amigo Marcos Santarrita, vem também da Almadina e do Itajuípe de Adonias Filho. E cheira a cravo, canela, jasmim, mel de cacau e saudade.

É a noite de vossa senhoria – doce e bela agitadora de Itajuípe – para quem a Academia de Letras de Itabuna abre, prazerosamente, as portas.

Sejam bem-vindos, então os ocupantes das cadeiras número 22, Aleilton Fonseca; número 26, Jorge Luiz Batista; e número 2, Silmara Oliveira.
A todos que me ouviram, muito obrigado!






DISCURSO DE POSSE E RECEPÇÃO - ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA EM 27 DE NOVEMBRO DE 2012
A cadeira de Sosígenes Costa
Silmara Santos Oliveira

Senhores acadêmicos e convidados,
Dois são os escritores que trato, extraordinariamente, nessa noite: Adonias Filho, pela sua cidadania natural de itajuipense – e devido a ser hoje, 27 de novembro, a data de aniversário de seu nascimento – e Sosígenes Costa, patrono que nomeia a cadeira de número 02 da Academia de Letras de Itabuna – ALITA, que ora passo a ocupar.
Literatura... Quem melhor que ela, para trazer à tona o valor humano e sua realidade vivida? Seja na palavra romanceada com personagens históricos nos quais nos vemos em sua largueza, nos gestos maiores de liberdade e absolvição, benevolência e redenção ou inversamente, na condenação, no movimento mesquinho e apequenado da alma daquele que julga, que se imiscui – e detona a pólvora, seja na poesia, terreno sagrado do poeta. O poema segundo, Octavio Paz é “língua dos escolhidos... Palavra do solitário.”
É a literatura que trata desse complexo tesouro chamado “vida”. E para que possa existir, ela reclama o escritor, o trabalhador das palavras que labora pensamento e forma. O autor é uma espécie de “raio-X” da alma humana e, ao elaborar personagens que comovem ou assustam possibilita ao leitor, burilar a sua própria alma. No eixo dessa literatura, o homem. A órbita humana rege o papel da literatura e do escritor, aquele que anima e dá o sopro inicial a palavra que põe a circular o sentimento vário da pessoa e seu entorno.
É nesse sentido, que Adonias Filho pertencente à Academia Brasileira de Letras, patrono do Memorial e da Academia de Letras de Itabuna movimenta sua escrita, preenchendo-a com personagens bravios e assombrosos, porque o faz à guisa da tragédia e dos conflitos maiores do indivíduo humano. Adonias localiza e ressalta, em grande parte deles, o verniz da Mata Atlântica do Sul da Bahia, realçando-os com o tingir do sangue na fundação dessa terra.
Trabalha cada palmo e légua dessa gleba advinda do zoneamento das capitanias com o tema da implantação da cultura do cacau, inscrevendo como o fruto maior da natureza, o próprio homem em cuja humanidade reside céu e o inferno dantesco, a um só tempo. Seu discurso e seu ser político sinalizam a gravidade das ações praticadas pelos habitantes que fundaram essa região com o ceifar de vidas nas demandas da lida diária nas brenhas da mata fechada.
De seus romances, desfilam dezenas de personagens agigantados pelo destemor, na conquistas de terras e manutenção de suas famílias. Cajango e seu tio, Inuri, em Corpo Vivo; Tari Januária, Zefa Cinco, Lina de Todos e Zonga em, As Velhas; Jerônimo, Abílio, em Memórias de Lázaro e Paulino Duarte, em Os Servos da Morte, para citar apenas alguns poucos. Homens e mulheres, com apenas um sentido: a defesa da vida. A escrita adoniana é fomentada pela memória do menino e alçada pela liberdade, como bem o disse em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras:
“Seria imperdoável não mover o tempo... 
O menino está deitado na terra, sombras nas roças de cacau, os homens cortam os frutos. O agreste de Ilhéus, Itabuna e Itajuípe... A saga é violenta, guerra e ódio, também piedade e amor a carga humana pesa como o chão das árvores. Ouviu, o menino ouviu.”

Um escritor de muitas histórias, o Adonias Filho.
Adonias e Sosígenes, vizinhos na geografia e em universos semelhantes na arena do tempo, alinham-se em pensamento e escrita, no que tange ao problema de fundação das terras regionais. Ambos escrevem suas memórias de menino, experiência correlatas no tempo cronológico, Sosígenes nascido em 1901 e Adonias, em 1915, vivenciaram paisagens ainda intactas que tornaram robustas as suas escritas. A terra, o cheiro, o som, os animais, sabores e cores permearam suas mentes, particularizando a aldeia de cada um, em seus cantos e contos.
O patrono da cadeira de nº 02, o poeta Sosígenes Costa nasceu em Belmonte, na Bahia, terra de águas doces e salgadas e amplas paisagens, propícias à contemplação e à inspiração, geradoras de obras como o poema Iararana, que significa “Uma falsa Iara”, uma arquitetura regional sobre como esta região foi colonizada. Claro que sua observação de historiador não se reduziu apenas aos fatos. Antes, mesclou-se ao sentimento poético, ou, ao contrário, o pulsar da poesia se fez maior na atitude narrativa.



“Iararana dá conta da colonização brasileira, da miscigenação primitiva na mata brasileira e da invenção de um mito de origem para o surgimento do cultivo do cacau na região” (Malafaia. 2008, p.145).

José Paulo Paes, escritor e crítico literário de grande magnitude, considerou Iararana, o “mais extenso, o mais ambicioso e o mais sustentável dos poemas narrativos de Sosígenes”. Dentre outros estudiosos de sua obra, presentes aqui, o escritor Cyro de Mattos e Prof. Aleilton Fonseca, prefaciado por Jorge Amado, é festejado pela crítica por sua linguagem diversificada e paisagens imagéticas pinçadas da natureza exuberante.
Para ilustrar essas imagens, apresento um pequeno trecho de Iararana,




... Mas a alma lá do mato
Me chamou me sossegou:
Não corra meu filho
Que eu sou teu avô,
E em contou a história
E me deu esta flor.
Me levou pela mão
Para o tempo do onça.


Assisti essa história
Do tempo do onça
No tempo em que o rio
Não tinha cacau
E nem frota-pão
Só tinha quiçare
Velame, cajá


Sosígenes gosta das cores de tons rubros, vermelhos lilases, róseos. E como são mágicos esses matizes, violetamente purpúreos, assim como os vitrais da Igreja Matriz da cidade de Itajuípe, transparentes e voláteis na sua penetrabilidade do ambiente. Além de tais cores, os sabores e cheiros de países por onde não andou, o que torna mais bonito e curiosa a sua obra, falar de paisagens não vistas, nem visitadas.
A poesia de Sosígenes celebra a diversidade temática e reúne elementos que vão da literatura clássica ao conteúdo tropical de mata fechada. Fala de deuses, da Grécia, do Japão, universaliza o local, aplica a fábula para engendrar o nacionalismo, utiliza como recursos, textos da bíblia. Portanto, Sosígenes é um tradutor da natureza fundada pelo ser aventureiro, nas suas viagens ao mundo dos pavões que se insurgem no descortinar do amarelo ensolarado.  E como é poderoso o sol para Sosígenes. A gradação do amarelo quente em seus diversos momentos do dia, completando a elegância das imagens e perfumes no poema:

Tornou-me o pôr-do-sol um nobre entre os rapazes
Queima sândalo e incenso o poente amarelo
perfumando a vereda, encantando o caminho.
Anda a tristeza ao longe a tocar violoncelo.
A saudade no ocaso é uma rosa de espinho.
tudo é doce e esplendente e mais triste e mais belo
e tem ares de sonho e cercou-se de arminho.
Encanto! E eis que já sou o dono de um castelo
de coral com portões de pedra cor de vinho.

O pavão vermelho

Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.
Vem pousar como um sol em meu joelho
quando é estridente em meu quintal a aurora.

Clarim de lacre, este pavão vermelho
sobrepuja os pavões que estão lá fora.
É uma festa de púrpura. E o assemelho
a uma chama do lábaro da aurora.

É o próprio doge a se mirar no espelho.
E a cor vermelha chega a ser sonora
neste pavão pomposo e de chavelho.

Pavões lilases possuí outrora.
Depois que amei este pavão vermelho,
os meus outros pavões foram-se embora.

Ao adentrar no conjunto dessas obras primorosas devemos a esses escritores nas suas diversas formas regionais, nas palavras e articulações semânticas e sintáticas que construíram, o extrapolar de si as lembranças permitindo a nós, leitores, o vislumbre das nossas próprias reminiscências.
Adonias, hoje dia 27 de novembro, completaria 97 anos de idade, se vivo estivesse. É o escritor que Itajuípe homenageia e, agradecemos a todos pela delicadeza do deslocamento da ALITA para esta cidade, como prova de desprendimento e consideração ao seu patrono, bem como a todos que aqui estão presentes.
Nesta noite memorável, nossos agradecimentos mais uma vez aos presentes, a Academia de Letras de Itabuna, ao escritor Cyro de Matos pelo convite que me foi feito para ingressar nesta casa e aos amigos presentes com a satisfação de oferecer o que melhor de mim houver para trabalhar pelas letras e artes do Sul da Bahia.