TEMPOS DE ARLEQUIM - Florisvaldo Mattos






TEMPOS DE ARLEQUIM


*Florisvaldo Mattos


Salvador é Carnaval. Quando cheguei,
Em noite de Segunda-Feira Gorda,
As cores da cidade feiticeira
E os meus olhos na praça fumegavam.
Havia corso e blocos veteranos
(Nomes claros que hoje fazem sonhar).
Sobem os Inocentes em Progresso,
Descem os Mercadores de Bagdá.
No Bob’s Bar, que depois será Cacique,
Param o som travesso e a peraltice
Da guitarra elétrica na fobica;
Uma estrela desponta e, com a luz dela,
A multidão que pula e agita ramos
(A prévia tosca da mamãe-sacode)
Canta, dança, grita, bebe cerveja.
Eu ali que faço? Acompanho o passo.
Batalhas de confete e serpentina,
Pierrôs, lança perfume, colombinas,
Estrelejando o chão da Rua Chile,
Onde desfilam afoxés. (A brisa
É mais um concorrente da folia,
E eu, olhos postos em longínqua trama
De sonhos dando voltas num salão
E numa rua, espelho do infinito.)
Avança por meu tempo de incertezas
A máscara sedutora do passado,
Blocos de rancho fecundando auroras
E o entardecer de etéreas batucadas.
Súbito são morenas de um cordão;
Arlequim invasor da madrugada
Agarra-se à cintura de uma delas
E sobe a praça rumo à Sé que ferve.




Do livro: POESIA REUNIDA E INÉDITOS


* Florisvaldo Mattos é poeta e ensaísta.