A CRIAÇÃO DO MUNDO - Ruy Póvoas






A CRIAÇÃO DO MUNDO
*Ruy Póvoas

      Contam os mais velhos que um dia, Olodumaré, o controlador de todos os destinos, entendeu de criar o mundo. Chamou Obalatá e mandou que ele fizesse isso. Deu a ele um saco com o sopro da existência e ordenou também que ele criasse o semelhante. Aí, Obalatá desceu para cumprir as ordens de Olodumaré. Mas ele trouxe consigo alguns objetos, até mesmo uma cabaça de vinho. E Obalatá veio por ali, caminhando, caminhando e, antes de achar um ponto conveniente para criar o mundo, sentiu muita sede e bebeu o vinho. Resultado: ficou bêbado e acabou dormindo. Nisso, Olodumaré ficou esperando a explosão, sinal de que o mundo tinha sido criado. E nada. Aí, Olodumaré chamou Oduduya e mandou que ele fosse ver o que tinha acontecido.
      E Oduduya foi. Procura daqui, procura dali, terminou encontrando Obatalá, que ainda estava de sono solto. Quando ele olhou entre as pernas dele, viu o saco da existência, assim, largado. Muito curiosa que só ela mesma, pegou o saco devagarinho, devagarinho.. Quando abriu, tebeiiii!!! foi aquela grande explosão. Tão grande que o barulho chegou aos ouvidos de Olodumaré no Orun.
      Com o barulho da explosão, Obalatá acordou atordoado. "O que foi?! O que foi?!" Oduduya explicou tudo. Aí eles viram que o Aiyê já estava criado. E ficaram sem saber o que fazer. Depois de pensarem bem, resolveram voltar ao Orun e contar tudo a Olodumaré. E assim foi feito. Na presença do Dono de Tudo, contaram os acontecimentos. Depois de ouvir tudo, Olodumaré disse: " Agora voltem lá e façam o semelhante".
      Primeiro, fizeram com o ar, mas o semelhante evaporou. Fizeram outro de madeira, mas ficou muito duro. Fizeram outro de pedra, mas ficou insensível. Fizeram outro de azeite, mas logo se derreteu. Fizeram outro de areia, mas logo se desmanchou. E ficaram pensando com que matéria eles iriam fazer o semelhante, para que tudo desse certo.
      Acontece que, um pouco mais adiante, Nanã Borocô estava observando tudo, calada. Ela é a mais velha de todas as mães, Senhora da Lama. Então, ela se debruçou sobre a Lagoa da Vida, imensa como o próprio mundo e apontou o seu ibiri¹ para as águas. Retirou do fundo da lagoa um bolo de lama e deu a Obatalá e a Oduduya. Obatalá fez o semelhante com o barro molhado, pingando água e soprou a existência sobre o barro. Oduduya fez a mesma coisa e também soprou a existência sobre o barro. Deu certo: os dois semelhantes viraram gente, homem e mulher.
      Pois é: a gente não está no mundo à toa.




* Ruy Póvoas, professor, escritor, babalorixá e membro da ALI e da ALITA
 [1] Espécie de cajado ritual, em forma de útero, que simboliza as forças criadoras  de Nanã Borocô, orixá da chuva, da lama, enquanto matéria primordial da criação.