BILHETE DO RIO CACHOEIRA - Cyro de Mattos











Bilhete do Rio Cachoeira
Para o Prefeito Vane
                          
*Cyro de Mattos

  
Eu não me canso de dizer que estou morrendo,
Gente, dê-me a  mão, antes tarde do que nunca.
Tenho sede, tenho fome, tenho de tudo
Saudade, do tempo que fugiu da música

Sempre bonita,  das estações temperadas
Com sol e chuva. Peixes que ofertei a tantas
Bocas, água, areia de minhas moradas,
Meus sonhos quando a lua derramava prata.

Na triste descida que dia e noite faço
Em viscosas mágoas, pesadas de vômitos
Que me jogam, nesse volume de detritos

Contaminando-me a todo instante, no raso
E no fundo, lembro, sem saber pra onde vou,
Manhãs e tardes naquelas vagas do amor.


*Cyro de Mattos é poeta e escritor premiado no Brasil e no exterior.






Poeta Florisvaldo Mattos Opina Sobre Poema de 
Cyro de Mattos Que Fala da Agonia do Cachoeira

  
Sobre o poema Bilhete do Rio Cachoeira para o Prefeito Vane, o poeta, escritor e jornalista  Florisvaldo Mattos enviou  e-mail ao poeta Cyro de Mattos e teceu o comentário seguinte:

“Amigo Cyro:

Só eu e uns poucos mais, talvez sobreviventes, estariam à altura de ler este seu soneto marcado de forte ânimo sensível e fazer as devidas ilações de alma que ele suscita, como depoimento de memória sentida, mas no fundo revoltada, indignada, pois foi neste venerável Rio Cachoeira que passei saudáveis horas de minha adolescência primeira, entre os 13 e os 17 anos, nadando com irmãos e diletos amigos, seja no Poço da Pedra do Gelo, em frente à futura Praça Camacã (não sei que nome tem hoje), seja nos poços da antiga pinguela de acesso ao Bairro da Conceição, defronte à balaustrada da Praça Olintho Leone, onde ficava a sede antiga da prefeitura.
Lembrando daquele rio heróico  e sentindo o canto amargo e lamurioso de seu soneto, na forma clássica, mas sem rimas, vejo que ele, o venerável Rio Cachoeira, caminha para o mesmo destino do Rio Mucambo, de Uruçuca, justamente antiga Água Preta do Mucambo, onde aprendi a nadar, nos idos da longínqua infância, hoje um triste curso de fedorento esgoto. Mas é isso, amigo, é no mais dos casos viver para sofrer...
Vai o meu abraço de sentimento solidário.

Florisvaldo”