19 DE ABRIL - DIA DO ÍNDIO BRASILEIRO: A BELEZA E A SINGULARIDADE DE SUA LITERATURA POÉTICA

 

19 DE ABRIL
DIA DO ÍNDIO BRASILEIRO







 




 


 


A ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA - ALITA,  REVERENCIA O INDÍGENA BRASILEIRO APRESENTANDO UM BREVE ESTUDO  SOBRE A BELEZA E A SINGULARIDADE DE SUA LITERATURA POÉTICA






Escritores indígenas brasileiros premiados em 2012


 


 
       

         


BREVE ANÁLISE SOBRE A LITERATURA
POÉTICA INDÍGENA BRASILEIRA

*Ceres Marylise Rebouças
(dedico ao meu querido confrade e parceiro de trabalhos, Jorge Batista)


       O presente estudo enfoca especialmente, a literatura poética dos indígenas brasileiros. É inadmissível continuarmos estudando a literatura da história universal através de apenas uma lente: faz-se necessário recuperarmos outras versões e vozes dessa história, outros testemunhos e códigos que geraram arte e literatura nesse imenso continente do qual o Brasil faz parte.
       Para entendermos a literatura indígena precisamos desatar alguns nós que durante séculos obscureceram um possível olhar sobre esse "outro" que também habita nosso território e, portanto, nos reflete. Necessitamos reconhecer a importância desse diálogo intercultural como via paralela, alternativa e clara ante a velocidade e o pragmatismo que imperam em nosso tempo.
       A voz dos povos das montanhas está na voz dos pássaros e se essas vozes emudecem é porque seu povo está morto. Vida, voz, povo e canto, são cores do mesmo tecido. A metáfora se sobredimensiona ao recordarmos que esses povos habitam territórios povoados de lugares sagrados e guardiões naturais. Ao entardecer, os pássaros são as vozes do diálogo dos povos indígenas com seus deuses.
       A poética indígena brasileira é a estratégia que usam para dar visibilidade à sua cultura, mostrando o alcance de uma língua não hegemônica, mas mesclada de palavras e saberes transmitidos pelos seus ancestrais em criações individuais.
       Seria inexato designarmos suas línguas apenas como "dialetos", quando suas variações linguísticas são  aspectos regionais como os de qualquer outro idioma. São signos linguísticos definíveis, com o ordenamento gramatical necessário à complexa gama de comunicação simbólica, metafórica e lúcida a partir de um sistema fonológico próprio.
       A arrogante exclusão de textos indígenas da produção literária ocidental evidenciou ainda mais os equívocos e o preconceito que os distanciava das demais, pressupondo-se que literatura só se referia à "redacta" com palavras perpetuadas no papel. Com isso, foram ignoradas categorias inteiras de representação de suas próprias configurações do tempo e do espaço com seus valiosos detalhes linguísticos: as sociedades "ágrafas" excluídas e sem qualquer valorização, sustentavam seu saber nas tradições orais e outros códigos diferentes da letra, como a pintura simbólica, o desenho nos tecidos, o artesanato, etc., gerando arte e preservando suas tradições através das histórias e das imagens poéticas demonstrando fortes ligações com a natureza para elucidar suas verdades, o que nos faz questionar sobre a visão evolucionista a partir do estruturalismo de Levi-Strauss que impregnou os estudos antropológicos das culturas indígenas.
       Muito além da visão etnográfica e antropológica da oralidade e de outros códigos, surge a palavra indígena com novos critérios para definir o literário, transcendendo a letra, pura e simplesmente.
       Sem pretensão de aprofundarmo-nos mais nesta problemática que exigiria estudos mais prolongados e específicos, chamamos a atenção para a necessidade de um reconhecimento mais amplo e apurado sobre a literatura indígena como forma de evidenciar os vazios que a literatura brasileira deixou.
       Esse atual horizonte sobre a produção intelectual do indígena brasileiro, demonstra uma mudança de leitor e de olhar comprovando que a sua leitura vai muito além das páginas e o ritmo dos seus textos poéticos vai mais além do que os sons de sua língua - quando o índio dança toca a terra e louva a natureza em sua pujança; isso é literatura, é poesia louvando a sua terra e  de seus ancestrais; quando ele canta ou silencia, é também literatura poética, conversando com seus deuses e seus ancestrais; sua poesia é canto de amor e respeito ao universo do qual faz parte. Vejamos um pouco dessa belíssima literatura:


"Pedras são altares
 dos meus avós,
 escutas eternas,
 duras em seu silêncio,
 duríssimas em suas respostas"

_______



"Tínhamos a sabedoria,
e não havia maldade entre nós.
Havia saúde, devoção,
não havia enfermidade, dor de ossos,
febre, varíola, nem dor no peito.
Andávamos com o peito erguido.
Mas vieram os conquistadores
e tudo foi desfeito: ensinaram o temor,
murcharam nossas flores até a morte
para que vivessem as suas.
Já não havia sacerdotes para nos ensinar.
E assim começou nosso segundo tempo,
com outros senhores e isso foi a causa
de nossa morte: sem sacerdotes,
sem sabedoria, sem valor, sem altivez,
tudo se transformou em vergonha.
Os conquistadores mataram nossos deuses,
nosso sol, nossa lua, roubaram nossas matas,
nosso ouro e nossa prata!
E os filhos dos seus filhos ficaram entre nós...
deles só recebemos e aprendemos
sua grande amargura."

_______


"O lago que está
 perto de minha casa
 é um caracol gigante.
 Quando sonha,
 avisa que a chuva
 vem atrás do vento."







O ÍNDIO PATAXÓ

Cyro de Mattos





O Índio Pataxó
           
Cyro de Mattos

Apareceu de repente, sem ninguém esperar ou pensar que isso pudesse acontecer um dia. Não usava cocar feito com penas de tucano. Nem usava enfeites nos braços e pernas com penas de arara. Não tinha o beiço de baixo furado e metido por ele um osso, como uma vez eu tinha visto na revista. Ao invés de tanga, uma calça de mescla azul arregaçada nas pernas até o joelho. O peito nu. Era alto, tinha braços compridos, musculosos. Lábios grossos, cara achatada, cabelos pretos, crescidos, amarrados atrás com um cordão grosso, dando idéia de um pequeno rabo de cavalo.
            Passou a morar na Ilha do Jegue, que ficava no meio do rio. De onde ele tinha vindo? Um menino metido a saber das coisas disse que veio da Reserva Paraguaçu-Caramuru, que ficava a cerca de algumas léguas da vila de Pau-Brasil. Devia ter cometido algum malfeito na aldeia e foi colocado pelo cacique para fora da tribo. O menino acrescentou que o pai tinha fazenda de pecuária lá naquelas bandas. Uma vez ele foi de jipe com o pai até a Reserva Paraguaçu-Caramuru conhecer os índios. Trouxe de lá um cocar, que o pai comprou do cacique e deu para ele.
            O menino foi logo desmentido. O que acabara de contar era  pura conversa fiada. Segundo a professora de geografia e história, aquele índio pertencia ao povo Pataxó, que vivia amalocado em Camacã, um povoado que surgiu com os acampamentos armados pelos forasteiros no meio da mata. A professora havia informado também que os homens derrubavam as árvores nativas com o machado para que a madeira de lei fosse aproveitada como tábua, peças, esteios e estacas. Com a derrubada das árvores grandes, a mata ia sendo raleada. Apareciam as clareiras e,  ao mesmo tempo, a caça desaparecia. Os índios tinham dificuldade para encontrar o que comer nas matas onde a caça ia cada vez mais desaparecendo com a presença dos machadeiros.
            A professora observara que, em contato com os homens que derrubavam as árvores nativas, os índios iam pegando sarampo e gripe, doenças que eles não conheciam. Como remédio feito com folha e raiz não curava aquelas doenças que foram  trazidas pelos machadeiros, os índios iam morrendo da noite para o dia. Dizimados pelas doenças dos brancos, talvez só restasse da tribo apenas aquele índio que acabava de aparecer na cidade e estava morando na Ilha do jegue, lá no meio do rio.
            Os outros meninos ficaram sorrindo com o que acabava de contar o mais franzino da turma, aquele pixote que um dia ia se tornar escritor para narrar histórias de gente grande e pequena acontecidas na região com suas vilas e cidades, que iam surgindo com a derrubada das matas.
            Ele não falava, o tempo todo tinha o rosto fechado. Os olhos pretos quase imóveis. Do barranco gostava de ficar olhando o rio. Pegava o arco, esticava-o e disparava a flecha, que subia feito um raio, sumia e ia cair na ilha, lá longe. Os meninos ficavam pasmados, abrindo a boca e fazendo óóóóó! Só um homem como aquele índio, com força descomunal, era capaz de fazer tamanha proeza. Um homem habilidoso no manejo do arco e flecha, que tivesse a pontaria certeira como a dele.
            Um dia, o índio surpreendeu ao menino franzino, mostrando o rosto tomado por um sorriso. Ele tinha acabado de avistar um gavião lá no alto do céu. Soltava pios estridentes e seguia soberbo no voo, rumo às serras que cercavam uma das partes da cidade, no outro lado do rio. Nesse dia, o céu estava bem azul e brilhava feito um espelho, com poucas nuvens gordas. Nesse mesmo instante em que ele havia avistado o gavião, disse alguma coisa numa fala que não se entendia, como se fosse feita de ruídos, grunhidos ou talvez gemidos. O que ele falara era por causa do gavião, não havia dúvida, os olhos dele brilhavam na direção da ave que foi sumindo num ponto longínquo. O que seria que ele queria dizer no momento que avistou o gavião atravessando o céu alagado de azul?
             De dia era visto nadando e mergulhando nos poços mais fundos. Demorava muito no fundo das águas, tinha um fôlego que deixava gente grande admirada. Quando vinha à tona, trazia o peixe espetado na lança. Nadava veloz, atravessava o rio sem precisar descansar em alguma pedra, proeza que homem algum da cidade conseguia fazer. Em pouco tempo se tornou no fato mais importante da cidade, através de comentários constantes, face às façanhas mais incríveis que só ele fazia. Para tristeza minha e de outros meninos, desapareceu de repente como havia aparecido, sem ninguém esperar ou pensar que isso fosse acontecer um dia.

·         Cyro de Mattos é escritor e poeta. Premiado no Brasil e exterior. Tem livro publicado em Portugal (3), Itália (3), França (1) e Alemanha (1)





O BUGRE

Hélio Pólvora


      Conheci alguns índios de ficção. O primeiro, na juventude, foi Peri, do romancista José de Alencar. Ainda hoje, no meu imaginário, ele desliza em canoa, com a sua adorada Ceci, na enchente do rio. Tenho certeza que jamais naufragaram, porque eram amantes românticos, amantes eternos.
      A seguir, veio o índio guerreiro, forte e destemido, do poeta Gonçalves Dias. Aquele que dizia que “viver é lutar”, que “a vida é um combate que aos fracos abate” etc.
      Senhores da floresta, da terra brasiliense antes da chegada de Cabral, esses índios andavam seminus, caçavam e pescavam, enfrentavam feras e muitos morreram arcabuzados pelos portugueses, como aconteceu a uma tribo de aimorés, em Cururupe, entre Ilhéus e Olivença, na Batalha dos Nadadores.
      Na criação desse índio brasileiro mais ou menos utópico, Alencar imitou modelo estrangeiro. Estava em moda o moicano de Fenimore Cooper. Nenhum sociólogo levantara ainda objeções à teoria do “bon sauvage” de  Chateaubriand, o autor de Atala. 
      Romantismos à parte, o cerro é que o ficcionista cearense lançou com a sua temática indigenista os alicerces de uma literatura brasileira na sua tipicidade. Infelizmente a sintaxe lusitana desfigurou em parte o intento.
      Eu teria de me fazer adulto para reencontrar esse índio, já não mais estilizado, nas ficções sul baianas de Adonias Filho. Em especial, no romance As Velhas. Um índio mais escravo do que senhor, aviltado por uma civilização que o despoja de sua identidade e cultura para melhor subjugá-lo. 
     No entanto, um índio estoico, resistente. A mata, hoje devastada, ensinava-o a sobreviver. Os estudiosos que se debruçam sobre as fontes da formação étnica e social grapiúna deveriam dar maior ênfase à densidade do sangue índio e negro nas nossas veias. 
      O caldeamento cultural grapiúna não os dispensa. Para o cultivo do cacau, no seu ápice econômico, vieram negros do Recôncavo, tangidos pelo declínio do agronegócio canavieiro e fumageiro. Vieram sergipanos muito pobres, de origem mestiça. Foram os braços das nossas lavouras e conviria, a bem da verdade e na contramão dos preconceitos, cultuar a memória desses sacrificados heróis anônimos. 
      Quem perde a identidade, pressionado por forças sociais avassaladoras, tende a se desesperar. O Brasil que se cuide: tem as suas etnias marginalizadas e se nega, ou então tarda a ouvir advertências da História. 
Na condição de contador de histórias, que outra não quero ter, vou narrar-lhes a breve convivência com um desses índios exilado no seu próprio paraíso. 
      Chegou de manso. Baixo, atarracado, um feixe de músculos. Estendeu as mãos, palmas para cima
— Sou bom de enxada, vosmecê vai ver.
      Mãos grandes, um calo só. Meu avô resolveu experimentar o bugre, como passaria a chamá-lo. E do mesmo modo como tinha chegado, com a roupa do corpo, apenas arregaçando as pernas da calça até o joelho, o bugre entrou no eito e empunhou a enxada. Logo se viu que a enxada lhe era familiar, o cabo corria ligeiro em suas mãos, como pena amestrada de doutor, a lâmina cantava igual ao teclado de piano ferido pelos dedinhos mimosos de donzela prendada. 
      Só levantava a vista para franzir as narinas e cheirar jaca madura. Tinha fome, talvez uma fome de dias. “É, não trouxe merenda”, comentou um trabalhador.
      Em pé, o bugre parecia um toco chamuscado em queimada. Grosso, desses que espalham raízes fundas na terra. E sempre fechado, encalacrado, lá em conversas consigo mesmo ou com o morubixaba de sua tribo perdida. No seu rosto não perpassava sequer a nuvem esfiapada de um pensamento. Até que veio o sábado, com o pagamento da semana — e ele, com a mesma calça e camisa, a mesma cara enfezada, aquele tique de repuxar o bigode ralo prum lado, sumiu-se com os companheiros de turma pra fazer o saco em Rua-de-Palha. 
      Voltaram no lusco-fusco, como sempre acontecia. E às quedas, como de hábito. O bugre, camisa aberta no peito, pés que eram marretas engessadas pela lama dos caminhos, mas de olhos buliçosos e chamejantes, em vez de entrar na sua casa-de-palha veio nos procurar. 
      Eu estava sentado no alpendre, ele se chegou e tomou assento no chão, as costas apoiadas na parede. Seus olhos me procuraram. Estavam afetuosos, úmidos, eram brasas esmaecidas que, no entanto, alumiavam bem. O rosto sorria. 
— Senhor bom, me deu trabalho — disse o bugre.
Balancei a cabeça, em assentimento.
— Eu tinha fome, três dias comendo besteiras nas estradas — disse o bugre.
— Ah, lá isso nós imaginamos.
— Senhor não imaginar tudo — disse o bugre.
Fez uma pausa, estirou as mãos enormes.
— Senhor não poder imaginar tudo — disse com uma raiva súbita.
Me sobressaltei. Eu ali, na escuridão que caía sobre a pastagem, sozinho com o bugre.
— Apanhei muito — disse o bugre.
A voz me tocou pela brandura e por uma nota dorida, aguda, próxima do choro. 
— Hoje?
— Hoje não. Antes. 
    E fez um gesto com os braços, abarcando o mundo, o tempo. 
—O cabo de polícia me pegou. Me disse que era pra eu estender as mãos, abrir bem as palmas. Assim. 
   O bugre estirou as mãos, palmas para cima — aquelas mãos calosas, firmes, de enxadeiro. 
— Disse que era pra eu abrir bem, senão a palmatória me quebrava os dedos. Eu abri logo, eu proteger meus dedos.
— Quando foi o sucedido? Quem era o cabo?
      Enrolou uma lengalenga que não decifrei direito, cheia de repetições, de peripécias que se contradiziam. De repente, parou de falar, ressonou. Parecia um toco, um tronco, um toro tisnado ali largado na varanda que semelhava uma barcaça e esta vogava na maré do anoitecer. Que durma. Que cure a carraspana, disse meu avô. 
      Os dias se repetiam, trabalho e somente trabalho, de noite o negrume cercando as casas, uma solidão espessa. Nos domingos descia sobre os campos a mortalha da mais pesarosa tristeza que já conheci. Tudo estagnado, com jeito de lodaçal, tudo baço. Calado, enfiado nos seus adentros, o bugre repuxava num tique nervoso o bigode ralo. Tinha os olhos apertados, trevosos. Nas horas de folga, sentado na pedra lisa que servia de degrau na porta de sua casa-de-palha, furava o solo com a ponta do facão. 
      Mas os sábados e domingos eram gastos, quase todas as horas, menos as de dormir, na feira de Rua-de-Palha. Trazia sempre um litro de aguardente no embornal. Loquaz, quando bêbado e bebido, tropeçava nas palavras, repetia, dizia e desdizia, jurava e esconjurava. As mãos, aquelas mãos que acariciavam o cabo da enxada, tinham inchado, ele precisou aplicar salmoura.
— Vinte bolos, senhor. Vinte bolos com toda a força do braço do cabo de polícia. 
— Mas por quê? Qual foi a sua arruaça?
O bugre ignorou a pergunta.
— Quarenta bolos, um atrás do outro, eu ia contando e gemendo. E teve um momento que não aguentei, o mijo escorreu quente pelas pernas, dentro da calça. 
    As lágrimas que lhe enevoavam os olhos correram pela cara achatada.  Desciam lentas, como envergonhadas de rolar em cara de bugre macho que tinha enfrentado onças. Uma lágrima parou no canto da boca, formou  uma gota cristalina. 
—  O cabo batia — chorou o bugre. — Uma dúzia de bolos de arrebentar as mãos. Esta aqui que o senhor está apertando agora.
     E me forçava a um aperto de mão esmagador. Noite escura, de raras estrelas; no céu, brandiam a foice da lua nova. Os soluços do bugre quebravam o silêncio como pedras atiradas em poço fundo. 
     O nome desse índio eu não sei. Talvez fosse um ascendente de Galdino Jesus dos Santos, aquele líder pataxó que incendiaram em Brasília (20 de abril de 1997), a quem dediquei um livro de crônicas. O índio perdeu a identidade na aguardente dos brancos, nas doenças recebidas, nas matas derrubadas, no trabalho semiescravo em troca de um prato de feijão com tripas. 
    Peri teve mais sorte. Continua a remar no rumo do horizonte inundado e contempla Ceci com a devoção devida à Rainha do Céu. O imaginário perfuma à força feridas incuráveis.

    
*Hélio Pólvora, escritor premiado, é jornalista, editor, cronista, crítico de cinema e literatura e tradutor de centenas de contos, romances e ensaios.







Camacã

Cyro de Mattos


Certo pássaro
Distante canta
No meu peito
A fuga do vento
Sem rumo certo,
O horror do sol
Vendo as águas
Na mancha
Que envergonha.
Atravessa-me
Nestas ladeiras
A flecha quebrada,
Dispersa nas cores,
Cheiros e sentidos
De todas as manhãs,
A bala que baniu
Da taba a dança
Em dó e lágrima