CURIOSIDADE - FESTAS JUNINAS: COMO SURGIRAM?







           Os rituais que originaram as festas junitas já foram praticados pelas mais diferentes culturas em todos os tempos. Apesar de hoje serem associadas a santos como São João, Santo Antônio e São Pedro, elas se originaram nas sociedades pagãs da Europa, antes de Cristo.
        As festas ocorrem em junho porque na Europa este é o mês do Solstício de Verão (época em que o sol passa pela sua maior declinação boreal – dias 22 ou 23 de junho), e os povos pagãos comemoravam a chegada desta estação com rituais que invocavam a fertilidade para garantir o crescimento da vegetação, na fartura, na colheita e clamar por mais chuvas. Eles achavam que dependiam dessas manifestações para evitar uma calamidade. Costumavam acender fogueiras e tochas por acreditarem que assim livrariam as plantas e colheitas dos espíritos maus que poderiam impedir a fertilidade. O fogo também representa criação, nascimento, luz original, alegria e elemento que foi divinizado pelo homem. É princípio de vida, revelação, ilmuniação, purificação.
        Esses rituais perduraram através dos tempos e na Era Cristã não houve como apagá-los. A Igreja Católica, então, se viu obrigada a adaptá-los às comemorações do dia de São João Batista que, coincidentemente, teria nascido em 24 de junho, dia próximo ao solstício. São João era primo de Jesus, e adquiriu o pseudônimo de "o Batista", por pregar o batismo de imersão como penitência para "preparar os caminhos do Senhor". Ele batizou, às margens do rio Jordão, ao próprio Jesus de Nazaré, fato considerado o marco inicial da vida pública de Cristo. Por isso foi incorporada às festas juninas a tradição de banhar-se no mar, nas nascentes, nos rios ou no sereno, na noite da véspera do dia da festa do Solstício. Tanto que em Nápoles, há uma igreja dedicada a São João Batista com nome de São João do Mar.
        É por isso também que em alguns locais do Brasil se costuma realizar a "lavagem" ou o "batismo" do santo antes da meia-noite, quando todos os participantes formam uma procissão com andores onde estão dispostas as imagens de alguns santos e se dirigem às margens de um riacho, rio, lagoa ou córrego das proximidades.
       Depois de São João, a igreja associou mais dois santos às festas juninas: Santo Antônio (13 de junho) - que leva a fama de casamenteiro pois, segundo reza a lenda,a generosidade do frade era tanta que presenteava as jovens pobres com dotes para que pudessem casar - e São Pedro (29 de junho), o Guardião das Portas do Céu, mas também encarregado das chuvas, sendo portanto, associado aos rituais de fertilidade, tanto da terra quanto dos homens. A
partir daí, inventaram novos elementos para associarem à festa. As fogueiras, por exemplo, se diferem dependendo do dia de cada santo. A de Santo Antônio deve ser quadrada, a de São João, redonda e a de São Pedro, triangular. Por conta dos rituais de "fertilidade", as festas juninas incorporaram o casamento à tradição. As antigas oferendas deram lugar às simpatias, adivinhações e pedidos de graças aos santos.

       
        BRASIL

        Quando os portugueses chegaram com seus jesuítas no Brasil, no século XVI, trouxeram em sua bagagem todas as suas crenças e costumes, entre eles, as festas de São João, que foram muito bem aceitas pelos indígenas. Eles identificaram os rituais das festas de São João aos seus rituais sagrados, realizados também em torno do fogo. Para os Jesuítas, foi uma forma de aproximar os indígenas à religião católica.
        Mas, no início, não havia quadrilha que é uma dança de origem francesa, no final do século XVIII. Esta dança desembarcou aqui com a vinda da família real portuguesa, em 1.808, e só a alta sociedade da época divertia-se em suas recepções ao som dela. Com o tempo, o modismo caiu nas graças do povo e começou a fazer parte das festas populares. Foram surgindo, então, adaptações da dança, como a quadrilha caipira, que era dançada no interior do país para homenagear os santos juninos e agradecer as boas colheitas da roça. Para acrescentar mais ingredientes à este coquetel de cultura, vem a culinária "junina". Essa a gente não importou. Ela veio da culinária indígena, com suas comidas à base de milho: espigas cozidas e assadas, pamonha, canjica, bolo de fubá.

        NORDESTE

       As festas juninas em centenas de cidades e, principalmente, no Nordeste, movimentam mais gente que o nosso famoso Carnaval. Mas por que essas festas se adaptaram melhor no Nordeste brasileiro? Por conta das origens dos rituais de fertilidade da terra, as festas juninas têm caráter rural. Por isso foram tão associadas aos caipiras. "E o Nordeste foi a região que entrou mais tardiamente na urbanização do Brasil, por isso tem um caráter rural mais forte e arraigado", explica Trigueiro, professor da UFPE . "Além disso, as festas do catolicismo popular brasileiro chegaram com os portugueses quando o Brasil era um país eminentemente rural. Então, continuam mais fortes e presentes nas pequenas cidades que ainda têm forte caráter religioso. E, mesmo nos grandes centros, o imaginário cultural brasileiro é ligado ao meio rural", completa.

        OS MAIORES "ARRAIÁS"

        Os arraiáis em municípios do interior são confraternizações pequenas, mas em outros já se transformaram em megaeventos, com altas produções, chegando a reunir até 1 milhão de turistas ao longo do mês. No circuito junino do Nordeste, destacam-se as cidades de Caruaru, em Pernambuco, e Campina Grande, na Paraíba, que disputam o título da melhor festa do país. A primeira é conhecida como "capital do forró" e a outra como "o maior São João do mundo".
 
         No Norte do país, outra região que também demorou mais a se urbanizar, as festas continuam bastante presentes. Na Amazônia cabocla, a tradição de homenagear os santos constitui um calendário que tem início em junho, com Santo Antônio, e termina em dezembro, com São Benedito. São festas de arraial, onde estão presentes as fogueiras, o foguetório, o mastro, os banhos da meia-noite. A noite de São João na cidade de Belém é de feitiçaria indígena e adivinhação. São realizados também os "banhos de cheiro" que, acredita-se, dão sorte, alegria, prosperidade. 

        No sul de Minas, há uma preocupação em comemorar as festas juninas nos moldes simples do homem do campo. Ao contrário das grandes cidades, que vão deixando de lado o caráter folclórico destas festas, no interior a tradição ainda sobrevive.
 








         Nas silhuetas cansadas da memória revejo os festejos juninos de outrora, quando as famílias  se reuniam alegremente à frente de suas residências, o entra e sai incessante de visitantes nas casas, as crianças soltando fogos de artifício junto às fogueiras acesas, mocinhas com bacias cheias de água invocando santos e simpatias para adivinhar com quem se casariam e grupos animados soltando balões de todos os tamanhos para colorir o céu com lanternas acesas no seu interior.
         Naquela época, fabricávamos nossos próprios balões com papel de seda e a bucha era uma das peças mais importantes: algodão para os balões pequenos, estopa para os grandes, e óleo de rícino ou de cozinha eram o combustível. Muitos deles caíam e era desolador presenciar a frustração de seus donos enquanto a meninada torcia e gritava: cai, cai balão!
        A animação musical vinha das ruas por onde passavam pequenos grupos tocando sanfona, zabumba e triângulo, e nas casas, as radiolas tocavam marchinhas juninas: " Olha pro céu, meu amor / veja como ele está lindo", “O céu fica todo iluminado / fica todo estrelado / pintadinho de balão”, "Chegou a hora da fogueira / é noite de São João", etc. soando repetidamente aos nossos ouvidos naquelas frias e chuvosas noites. Atualmente, em muitas cidades do nordeste do Brasil, o prefeito que não contratar os chamados pancadões do forró oferecendo à população megaeventos, pode até perder o mandato.
        Na praça principal, muitas quadrilhas ensaiadas durante meses se apresentavam  caprichosamente, disputando prêmios oferecidos pela municipalidade.  Nas casas, as mesas, atentas aos chamados de "São João passou por aqui?" expunham a farta culinária de origem indígena à base de milho e mandioca: canjica, pamonha, milho verde cozido e assado na fogueira, bolo de milho, de aipim, de carimã,  amendoim cozido e torrado, licor de jenipapo que só os adultos podiam saborear. Até nas mesas mais humildes sempre havia um prato de canjica para servir aos visitantes.
        Hoje, os balões apagaram-se para sempre e com eles, a poesia e o encanto de construí-los artesanalmente. A ingenuidade e a simplicidade dos costumes perderam-se pelos caminhos do progresso: apagaram-se as fogueiras e acenderam-se as armas no cotidiano da violência das noites juninas de nossas ruas...


*Ceres Marylise é membro efetivo da ALITA