OS PERSONAGENS PARECEM REAIS PORQUE SÃO VERDADEIROS - Antônio Lopes




Antônio Lopes, jornalista e escritor é o autor de Estória de facão de chuva, seu  terceiro livro de crônicas

Artífice da crônica literária, gênero em que brilharam Machado de Assis, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, Antônio Lopes recria em seus livros personagens retirados do cotidiano da aldeia de sua juventude, Buerarema, e os torna universais. Zito Calango, Mundinho Cangalha, Pastor Freitas, Doutor Elias e Zé Vitorino são todos “gente de se ver e pegar com as mãos”, atesta o autor, recebido com elogios no meio literário por escritores como Hélio Pólvora, Marcos Santarrita, Cyro de Mattos e Jorge de Souza Araújo.


ENTREVISTA AO REPÓRTER RONALDO OLIVEIRA

A Tarde Cultural – Numa entrevista a Jorge Araújo, para o tabloide “Abxz”, você diz que o primeiro livro foi uma brincadeira que deu certo. Você demorou um pouco a revelar o que ele chama de “sua escondida faceta de escritor”, não?

Antônio Lopes – Eram textos publicados em jornal, que, reunidos em livro, viraram coisa séria, as pessoas gostaram. Dele eu gosto mais do título e da apresentação do próprio Jorge Araújo. Na verdade, eu me sinto jornalista. Meu negócio é O quê? Quem? Quando? Onde? Como? E por quê? Meu livro é resultado do jornal. Hélio Pólvora costuma dizer que o livro é uma forma de abrigar o texto publicado em jornal, onde ele acabaria servindo para enrolar sabão ou limpar a casa do cachorro.

ATC – Como você define Estória de facão e chuva?

AL – Eu diria que é a continuação de Luz sobre a memória, que tem textos mais densos, tangenciando o conto, uma preocupação maior com a literatura. Curioso é que meu primeiro livro, apesar do título [Buerarema falando para o mundo] tratava de Buerarema de passagem.

ATC – Mesmo quem não conhece as cidades do sul baiano se sente transportado para Buerarema, ao ler suas crônicas e impressionado com a humanidade dos tipos que você descreve.

AL – A cidade do interior é universal. Buerarema está em Itajuípe, em Ibicaraí, em Camacã, está em qualquer lugar do Brasil. Quanto aos personagens, eles parecem reais porque são verdadeiros. Eles existem, embora não no exato tempo e nas exatas circunstâncias em que o leitor os vê. São também tipos universais, como o caso de Zé Vitorino, o mitômano. Qualquer pessoa que viva no interior termina encontrando o grande mentiroso, o comunista, o padre, o ateu. O nosso ateu é Alcides Alves, o Mestre Alcides, barbeiro, tocador de violão e cavaquinho, bom músico prático. O padre Antônio Granja existiu de fato e era como o descrevi: fazia traduções do latim de acordo com seu gosto, recriava, dizia um texto que não estava no livro, dramatizava, talvez devido a uma reprimida vocação para o teatro.

ATC – Padre Granja, Pastor Freitas e Doutor Elias são personagens recorrentes em suas histórias.

AL – Eles me ensinaram coisas que valem até hoje. O doutor Elias Couto Almeida, que morreu há uns dois anos, em Brasília, vice-diretor do Ginásio Henrique Alves, era de uma dedicação extraordinária, como professor e como médico. Quem podia pagar não pagava, e dos pobres, que não podiam, ele também não cobrava... Um dia teve de arrumar as malas e ir-se embora, pois não tinha meios de sobreviver em Buerarema. Imagine: o único médico da cidade e não conseguia viver da medicina. Doutor Elias, espírita e esperantista, parecia um personagem de ficção.

ATC – Além de editoriais para o Agora, o que está produzindo no momento?

AL – Não tenho escrito. Acho que foi Manuel Bandeira quem disse, quando alguém lhe perguntou algo assim: “Escreva só se for absolutamente necessário”. Houve um momento em que achei necessário escrever essas coisas de Buerarema, não sei se como “pagamento” à cidade por estar aqui vivo e alfabetizado. Minha sobrevivência tem a ver com Buerarema, com meus amigos, meus professores e minha escola.

ATC – Compensa escrever?

AL – É só prazer, como ocorreu um dia desses. Estava conversando com Marcelo Ganem, em Buerarema, quando apareceu um pintor de paredes, roupa suja de tinta, abriu uma pasta igualmente maltratada e de dentro dela tirou um exemplar de Luz sobre a memória. Só por isso compensa escrever.

Quem é Antônio Lopes

Nascido no município de Triunfo (PE), em 24-5-41, Antônio Lopes cedo perdeu os pais. Aos dez anos foi levado pelo irmão mais velho, João Lopes, para Buerarema, onde viveu a infância e adolescência. Foi redator da Rádio Baiana de Ilhéus, diretor da Rádio Difusora Sul da Bahia e diretor de jornalismo da TV Santa Cruz, editor dos semanários  Agora e A Região, dentre outras atividades. Atualmente exerce a função de editorialista do Agora e assina uma festejada coluna (sob o heterônimo de Ousarme Citoaian) no blog Pimenta na Muqueca. É autor de Buerarema falando para o mundo, Luz sobre a memória, Solo de trombone – ditos & feitos de Alberto Hoisel e Estória de facão e chuva. Pertence às Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna.