LINGUAGEM DAS MANIFESTAÇÕES - Sônia Carvalho de Almeida Maron

                       

LINGUAGEM  DAS  MANIFESTAÇÕES

                                                            *Sônia Carvalho de Almeida Maron
        Nos últimos dias, todos os meios de comunicação ocuparam-se de um único tema: as manifestações populares que surgiram no Brasil inteiro, com multidões nas ruas e avenidas principais transformadas em gigantescas arquibancadas, irrompendo de forma surpreendente do silêncio que o povo se impôs por algumas décadas. Sacudindo os últimos resquícios dos “anos de chumbo” e usando a liberdade conquistada através das redes sociais,  que não podem ser amordaçadas, resolve ressuscitar os direitos decorrentes da cidadania e proclamar que “todo poder emana do povo”, transmitindo a mensagem da Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 1º, Parágrafo único, caput, que muitos fingem ignorar e outros nem mesmo se dão ao trabalho de tentar ler o comando da lei maior. A lição primeira é que a história tem duas faces: os donos do poder, hoje, são aqueles que estavam nas ruas em 1964.
       Como a Copa das Confederações e a Copa do Mundo comandam o espetáculo, objetivos, valores, projetos sociais, transformam estádios em arenas, têm na FIFA o órgão supremo que decide a venda de bebidas alcoólicas nos estádios, pergunta-se se quem chegou ao  pódio através do voto popular está conseguindo manter a taça de ouro na vitrine, ou deixou que ela fosse subtraída. Felizmente, desta vez, a taça voltou às mãos do povo, que decidiu explicar que existe, tem voz e, quando se manifesta, é a nação no gramado, aplaudindo e vibrando com o virtuosismo dos seus ídolos ou comandando as vaias – e o que é pior e assustador – perdendo o controle sobre os pequenos segmentos  que usam a violência e o vandalismo para desvelar as personalidades doentias que também integram a multidão e fazem parte, do mesmo modo, de todas as instituições sociais e políticas. Essas pessoas, perfeitamente identificáveis pela inadequação ao convívio social, não conseguiram e não conseguirão desfigurar a mensagem do movimento do povo brasileiro, já denominada por alguns noticiários da imprensa internacional como “primavera tropical”.  Aparentemente sem comando único ou liderança declarada,  abriga todas as classes sociais, à exceção, naturalmente, dos políticos e milionários.
Nossa “primavera tropical” tem um nome, um comando e uma liderança : indignação.  Não é preciso a releitura de Gustave Le Bon, que estudou a multidão com lucidez incomparável, em sua obra sobre a psicologia das massas. Sua frase “as vontades fracas traduzem-se em discursos; as vontades fortes em ações”, aparece, em outras palavras, em dois cartazes de cartolina, com letras manuscritas, exibidos por um grupo de jovens e registradas pela TV Bandeirante, graças à sensibilidade do cinegrafista. A primeira dizia:
Não quero a Copa
Não quero não
Devolva meu dinheiro
Em saúde e educação !

E o segundo cartaz dizia:  “O GIGANTE  ACORDOU !“

   É isso aí. Eu diria que o gigante, que dormia em “berço esplêndido”,  acordou em um “ leito de Procusto”... Chegou o momento de acordarem todos aqueles que receberam o poder conferido pelo povo e, equivocadamente, pensam que figuram como outorgantes na procuração, que é o VOTO. O voto é um mandato, conferido pelo povo, que é o único e verdadeiro outorgante. Os escolhidos pelo voto popular são meros outorgados, dizendo melhor, mandatários. Honrando e respeitando o voto recebido, o povo não irá às ruas. Não irá às ruas, mas não se iludam: continuará acordado.

*Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA