Hélio
Pólvora: clássico, definitivamente
Antônio Lopes*
O itabunense Hélio Pólvora (cerca de 30 livros
publicados), jornalista, cronista, crítico literário, contista e romancista,
tem sua contística renovada: trata-se de Melhores Contos, da Global Editora,
em edição dirigida pela escritora Edla Van Steen.
Melhores... é uma ambiciosa antologia de clássicos brasileiros e portugueses,
com o objetivo de levar ao público algumas das melhores produções literárias de
nossa língua. Lançado há mais de 20 anos, cada volume reúne rigorosa seleção
dos textos, informações bibliográficas, biografia do autor e um estudo
introdutório sobre o contista. No caso de Hélio Pólvora, definitivamente
clássico, a seleção de textos e o estudo são do ensaísta André Seffrin.
Em recente entrevista à
escritora e crítica literária Gerana Damulakis (para Rascunho – jornal literário de Curitiba), o contista fala de seu
processo criativo, a “ruminância” do texto, deixando-o “descansar” (mal
comparando), conforme faz o cozinheiro com a massa do bolo. “A emoção é
má conselheira. Deixo o texto esfriar, sujeito a reprovação ou aprovação
posterior, quase sempre com ressalvas. Há casos de revisões radicais. O
ficcionista teria de ser exigente a partir da ferramenta da linguagem atrelada
à expressão. Se esta for de fato pessoal, ele satisfará, assim, um compromisso
de qualidade assinado em branco e sem prazo de vencimento”, diz Hélio. E
acrescenta, deixando trair leituras que formaram o escritor e reforçando nossa
pobre metáfora do cozinheiro: “Apurar o ponto de cozimento da escrita não
significa necessariamente cortar, enxugar, como queria Hemingway. Às vezes é
preciso acrescentar, conforme lições de Balzac, Henry James e Joseph Conrad.
Entendo que retórica não é apenas adorno; também acentua as ênfases, tangencia
o indizível”.
“O jogo Vida versus
Ficcionismo
atingiu uma escala atordoante”
Integrante de um ciclo
ficcional “verdadeiro”, daqueles escritores os pés no nem sempre lírico dia a
dia, Hélio Pólvora afirma que “a vida
fornece as histórias, contos e romances, seja diretamente, seja por via da
sugestão”, pois a vida é o manancial, a arca”. O conto de Hélio não é invenção,
mas realidade reescrita. Aqui, o que
pode ser lido como um exercício de ironia, traço recorrente no autor de O grito da perdiz: “Ultimamente a vida
tem sido de uma criatividade espantosa: seus enredos ultrapassam a ficção mais
descabelada. O jogo Vida versus Ficcionismo atingiu uma escala
atordoante”. Essa “realidade mais empolgante do que a ficção” seria, sugere o
contista, responsável pela atual crise de leitura no Brasil e no mundo
inteiro. “Para que a intermediação, o
leitor pergunta, se a realidade se assemelha àquela ave de rapina de Kafka, que
bica os nossos pés, sobe, entra pela goela e despedaça entranhas?” – argumenta.
Sobre a seleção de seus
contos publicada pela Global, o ficcionista conhece as dificuldades de, numa
seleção, atender-se a preferências coletivas: “Antologias
exprimem sempre um gosto pessoal. Portanto, são indiscutíveis, menos aquelas
que caracterizam ação entre amigos. No caso de Seffrin, crítico e pesquisador
aparelhado, sensibilidade de alta voltagem, ele há de ter partido de uma tese,
de um esquema a priori. Escolheu alguns contos que se ajustavam e
esqueceu outros por ventura de igual nível ou superiores. Eu teria incluído,
pelo menos, “A caderneta” e “Pavana para uma menina quase defunta”,
da série de histórias anteriores a Estranhos e assustados, porque
reproduzem situações de uma literatura tipo raw life — aquela que
me agrada em cheio. Mas havia um limite para o número de páginas… Portanto,
concordo cabalmente com a escolha de Seffrin.
Narrador de investigações e aventuras
“A partir da estreia, em 1958, com a coletânea Os
galos da aurora, Hélio Pólvora aprofunda e alarga o seu conceito de
conto literário: sua short story não é mera anedota, não se resume a
peripécia ou mero incidente; é o conto artístico, porque a literatura é, para
ele, arte aberta a investigações e aventuras. Pode parecer exagero, mas qualquer
conto de Pólvora, ou quase todos, escolhido ao acaso dentre os 120 que
escreveu, é um texto denso que preza o verossímil, ao mesmo tempo em que
deflagra a sugestão e instiga o leitor a descobrir o que há na parte submersa
do relato. Por seu muito saber do quanto viver é negócio perigoso, conforme
anotou João Guimarães Rosa, o contista Hélio Pólvora não permite que se lhe
escapem circunstâncias e vicissitudes eloquentes; garante ao leitor, se
entusiasmado ou cúmplice, estupefato ou indignado, mais de uma leitura, segundo
planos narrativos insinuados ou interpostos, e mais os protagonistas que narram
e são narrados. Por vezes o seu leitor indagará quem narra, de fato, e em que
tempo exato.
Os mais recentes títulos de Hélio Pólvora são os
romances: Inúteis luas obscenas e Don Solidon, ambos editados pela
Casarão do Verbo, respectivamente em 2010 e 2011, sendo que o primeiro título
foi um dos finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura”.
(Gerana Damulakis)
*Antônio Lopes é jornalista, membro das Academia de Letras de Ilhéus e Itabuna.