CARTA
PARA ANTÔNIO MENEZES FILHO, MEU IRMÃO
Sônia
Carvalho de Almeida Maron*
Antônio, meu irmão querido
Tenho
o hábito de escrever cartas aos ausentes muito amados. Assim foi com
Calixtinho, Antonio Pedro, Pinheirinho,
Gabi e Valdelice e tantos outros que
foram e são presença em minha vida. Não seria diferente com você, entre todos o
irmão escolhido pelo coração, carentes, os dois, de um cúmplice, como acontece
com os irmãos que têm afinidade, eu, filha única e você, com um único irmão. Assumimos
nossa escolha em uma época na qual meninos e meninas não brincavam juntos, não
estavam sempre juntos na escola e nas festinhas da pré-adolescência. Berenice –
sua mãe e minha querida Bebé – confirmava que eu era a irmã que você não teve; seu
pai, Antoninho, dizia o mesmo e Walter Nunes Fonseca, seu tio e meu amigo
querido, tinha a mesma opinião. Eu e sua mãe estudamos juntas para prestar o
primeiro vestibular da FESPI: Berenice escolheu Pedagogia e eu escolhi Direito.
Aprovadas, festejamos no sítio de Bebé e
Antoninho e seu discurso emocionado envolvia a mãe e a irmã. Somente suas
namoradinhas, a maioria com a cabecinha do tamanho da cabeça de um
alfinete, conseguiam distorcer a
realidade e não entendiam o sentimento puro e fraterno que sempre nos uniu. Lembro
perfeitamente o ciúme ridículo de uma delas, que teve a petulância de ir até
minha casa verificar se você estava; na cabecinha dela – bem menor que a cabeça
das outras – a incapacidade de pensar autorizava a “invasão de domicílio”. O
acesso foi permitido por minha mãe, que de forma irônica conduziu a mocinha a
todos os cômodos da casa. Desculpei a
coitadinha, até porque, induzida por uma amiga de ocasião, não teve sensibilidade
para entender o sentimento que nos unia e você partiu ignorando o fato hilário.
Melhor assim.
Vivemos
nossa ligação fraterna desde as salas de aula do Colégio Divina Providência,
estendendo-se às campanhas e eventos da União dos Estudantes Secundários de
Itabuna, confidências e sonhos da adolescência e da maturidade, até o anoitecer
do dia 13 de setembro, quando pedi ao funcionário da Santa Casa de Misericórdia
de Itabuna que não sepultasse uma singela coroa de rosas brancas, fitas e fios
dourados, deixando-a como decoração da sua ultima morada entre nós. A outra, a verdadeira, eu sabia, esperava
você decorada com seus atos, de solidariedade e amor ao próximo, que distribuiu
no curso de setenta e dois anos.
Até
aqui estou lembrando o irmão, o amigo, aquele adolescente que tinha o apelido
de “Tonho Bonito” ou “Tonho Pão”. Acontece que conheci, do mesmo modo, o
médico, Antonio Menezes Filho. A vida, em seus caminhos escorregadios, fez com
que eu conhecesse o ortopedista. Um acidente infeliz provocou uma fratura em
meu punho direito. Eu sou dextra e cursava o sexto semestre do curso de direito
da FESPI. João Otávio Macedo, também médico e outro amigo do mesmo nível, tem
uma memória prodigiosa e gravou dia, mês e ano: fui recebida por Tavinho, na
porta do Hospital Maria Goretti, na quarta-feira da semana santa, do mês de
abril de 1976. Como era de esperar-se, eu só queria perto de mim o irmão e você
chegou em poucos minutos, trazendo José Carlos Mastique, o que deixava
explícito que preferia fazer o procedimento com sedação. Era a conduta emocionada
do irmão que buscava impedir a dor física, evitando-a com a anestesia. Eu não
aceitei seus argumentos e preferi uma redução cruenta, mais simples e mais
rápida. E tentando fazer humor, naquele momento em que você não disfarçava as
lágrimas, eu disse: “Ora, Tonho, que médico é você? Quantas reduções, sem
sedação, você já fez nos pacientes do INPS?” E você, com a voz embargada,
respondeu: “É diferente, a paciente é minha irmã!”
Acompanhei,
de longe, o seu calvário. Visitei-o uma única vez quando já permanecia no
leito. Ninguém é perfeito, meu irmão. E eu, entre os inúmeros defeitos, não sei
lidar com a dor das pessoas que amo, quando nada posso fazer para mitigar. Foi
assim com meu marido, Amil Maron, que visitei diariamente na UTI do Hospital
Calixto Midlej, sem “dar plantão” na antessala, confiando-o a Alair e Fany,
únicas pessoas que poderiam ajudá-lo; foi assim com Raymundo Freire, o amigo
tão querido, que também se dizia meu irmão e com Sony, que adotei para dividir
a afeição que tinha por Raymundo. Quanto a você, meu irmão, em todas as etapas
da sua enfermidade, teve o conforto de uma família unida, carinhosa, solidária
e perfeita no amor de Margarida e dos meninos, que as noras e netos assimilaram
e deram o testemunho em todos os momentos. Minha presença era dispensável e eu
nada poderia fazer, a não ser enxugar suas lágrimas.
Encarei
a despedida com profunda dor e um pouco de remorso, depois que ouvi da
enfermeira que cuidou de você a respeito do seu interesse quando via minha
imagem na TV, nas aparições eventuais dos programas locais. As lágrimas, que
haviam secado no curso da vida, voltaram aos meus olhos mesmo sabendo que você
entendeu, porque sempre apostou em nossa amizade. Esta carta não é uma
despedida, nós sabemos. Nesta dimensão que você deixou com tantas flores,
lágrimas e saudade de todos que viveram ao seu lado, acompanharam sua
trajetória, ou receberam, de suas mãos competentes e caridosas, o retorno à
perfeita integridade física, não existe adeus. Até breve, meu irmão.
Recomende-me a todos os nossos amigos que irão recepcioná-lo e leve meu recado
a ELE, Juiz de nossas ações e do nosso saldo credor e devedor, que me deixe
ficar mais um pouco. ELE sabe muito bem que não posso comprar a passagem agora.
No momento que ELE determinar irei ao seu encontro.
*Presidente
atual da Academia de Letras de Itabuna – ALITA (15.09.2013)