SOB O CANTAROLAR GOSTOSO DA CHUVA, GRIÔS DA ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA ENCANTAM O PÚBLICO... ATO EM COMEMORAÇÃO DO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA






ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA ‒ ALITA


Comemoração do Dia da Consciência Negra

28 de novembro de 2013






Fala de Ruy Póvoas:  

HISTÓRIAS DE SÁBIOS E SABIDOS

      Senhoras e senhores, estamos aqui, com a graça de Deus, comemorando o Dia da Consciência Negra. E me vem à mente que a nossa cultura local também tem suas raízes calcadas na africanidade, tendo em vista a história da formação do Brasil, principalmente da Bahia.
    É notório que a nossa cultura regional não criou valores exclusivamente nossos. Não temos canções, brincadeiras, pratos típicos, festas folclóricas e substâncias alimentares que sejam uma exclusividade do Sul da Bahia. Evidentemente, tal fenômeno nos leva a indagações de diversas ordens, do ponto de vista da Sociologia e da Antropologia. No entanto, arrisco-me, aqui, a um recorte mais generalizado, pois os eventos que envolveram os afrodescendentes nesta nossa região não são assim tão diferentes do que aconteceu em todo o nosso país. Por isso mesmo, me restrinjo à área da memória ancestral, buscando o que nos dizem, ou nos disseram os mais-velhos. Então, escolho ficar com a memória e rever histórias que herdamos de nossos ancestrais.
   São muitas as histórias que fazem parte do acervo afro-brasileiro, conservadas entre os vários segmentos que elaboram um fazer e um viver afrodescendentes. Por isso mesmo, deixem-me contar um itan para vocês. É uma história sobre o ato de alimentar-se. Coisas dos humanos, estes seres tão singulares da Natureza, que somos nós todos. É um itan chamado:


A COMIDA E O REGALO


     Contam os mais-velhos que, no começo do mundo, Olodumare criou os homens e enviou Ogum para tomar conta deles. Apressado como sempre, Ogum não fez as oferendas e veio logo cumprir sua tarefa. Acontece que o único alimento que Ogum usava era o palito do dendezeiro e era isso que ele oferecia aos humanos, quando eles reclamavam que estavam com fome. Tempos depois, todos os humanos guiados por Ogum morreram de fome.
      Então, Olodumare resolveu confiar a Orixalá uma nova missão. Vagaroso como sempre, ele se arrastou tanto que não teve tempo para fazer as oferendas e veio, assim mesmo, cumprir com sua obrigação, isto é, conduzir outro grupo de humanos. Mas o único alimento que Orixalá conhecia era a água. E quando os humanos diziam que estavam com fome, Orixalá lhes dava apenas água para beber. Com pouco tempo, não restou nenhum humano vivo.
     Com esse segundo fracasso, Orumilá se ofereceu para conduzir as criaturas humanas e Olodumare concordou com isso. Muito cuidadoso, Orumilá fez uma consulta e lhe foi recomendado fazer oferendas. Foi dito também que ele preparasse sementes de legumes, verduras e frutas e despejasse tal oferta sobre a terra. Também desenvolvesse na Terra a criação de todo tipo de animal. Assim mesmo ele fez.
      Quando as sementes caíram na terra, as plantas nasceram e cresceram, dando raízes, folhas, flores, frutos e sementes. Os animais cresceram e se multiplicaram. Foi uma abundância sem igual. Aí, Orumilá trouxe os humanos, e eles encontraram a Terra coberta de fartura. Com essa fartura, Orumilá alimentou os humanos. A receita deu certo.
     Então, Ogum e Orixalá ficaram intrigados com o sucesso de Orumilá e resolveram fazer uma visita, para descobrirem qual era a causa de tão grande sucesso. Principalmente, queriam saber por que fracassaram. Já se dizia até que Olodumare ia dar a Orumilá o título de Dono do Mundo. Pois bem, eles foram fazer a visita. Quando chegaram, foram recebidos com um grande banquete. Todos os humanos daquele lugar estavam na casa de Orumilá, comendo em silêncio, e as mesas estavam repletas de uma variedade imensa de alimentos.
      Ogum e Orixalá foram tão bem recebidos que ficaram surpresos e muito satisfeitos. Perderam até a vontade de fazer qualquer pergunta. E o jeito foi reconhecerem que, de fato, Orumilá era o Dono do mundo. Mas Orumilá, com toda humildade, não quis aceitar o título e disse que, por maior que fosse aquele banquete, ainda faltavam duas coisas. Fez-se um profundo silêncio e todos quiseram saber do que se tratava. Então, Orumilá disse que faltava a parte de Ogum e faltava a parte de Orixalá. Sem isso, o banquete não estaria completo: palitos para esgravatar os dentes e água para enxaguar a boca.
     Todos bateram palmas, cheios de contentamento e alegria. Ogum e Orixalá ficaram maravilhados e deram sua participação. E quando o dia amanheceu, a terra estava em paz, a abundância e a alegria reinavam entre os humanos. Pois é: Não basta apenas ter o que comer; é preciso também o regalo, para a alma se alegrar.     

       Retomo aqui e agora, o que tenho dito em outras ocasiões: Por que uma história extraída da cultura nagô? Minha motivação não é a onda de africanidade e africanização que varre o país, numa ânsia de corrigir os 500 anos de exclusão dos chamados afrodescendentes. Fazem parte de meu viver e de meu fazer enxergar o mundo e interpretar o universo e a vida, a partir de uma formação afro-brasileira. Fui criado entre a gente de terreiro de candomblé e recebi formação que tem por base valores herdados de ancestrais vindos da terra dos iorubas, na África. É interessante, para mim, recordar que alguns deles até eram brancos. E enquanto isso, alguns negros que moravam em minha rua eram mais brancos que os próprios brancos.
      Tenho dito sempre isso: com os meus mais velhos, aprendi os itan e a importância deles para o ato de ensinar e aprender. Itan é uma palavra nagô. Significa história, qualquer história e, mais especificamente, as histórias que compõem o acervo memorizado pelos sacerdotes de Ifá, os babalaôs, que explicam como situações angustiantes são resolvidas desde os tempos imemoriais. Foi justamente por isso que os itan passaram de geração em geração.
     Agora tomemos o itan A comida e o regalo. Podemos dizer que esta história simples narra a saga da humanidade para aprender alimentar-se, nessa região que é o planeta Terra. Três tentativas são experimentadas, mas apenas uma delas deu certo. A primeira é encarada como uma tarefa, que é realizada por um apressado. A segunda, uma obrigação efetuada por um vagaroso. Ambos não fazem oferendas, isto é, não realizam as trocas simbólicas; apenas fazem uma imposição alimentar. Não era importante, para eles, procurar saber quais alimentos os humanos precisariam para sobreviver. Ogum e Orixalá impõem um saber. Pouco importava o sabor e a propriedade nutritiva do que era fornecido.
       Ao primeiro, Olodumare enviou. Ao segundo, confiou. O terceiro, porém, se ofereceu e foi aceito. Fica, então, patente: Orumilá assume o empreendimento por uma escolha sua. E é por isso que ele é cuidadoso. É por isso que ele faz oferendas, isto é, compreende que o saber só é útil, quando construído a partir do conhecimento de um dado problema e daqueles que necessitam de uma solução. Não resta dúvida: um excelente ensinamento para quem deseja ensinar ou pesquisar. É preciso primeiro debruçar-se sobre a realidade. Isso só não basta; é necessário passar para o lugar do outro.
        Pois bem: Orumilá assume uma postura participativa e, por isso mesmo, ele derrama as sementes sobre a terra, depois de prepará-las e desenvolver também a criação de animais. O resultado é positivo: a receita deu certo, os humanos foram alimentados. Por isso mesmo, houve abundância e diversidade, duas condições necessárias para atender as necessidades de grandes grupos. Ah, se o pessoal de certos programas governamentais aprendesse disso...
      Mas o que aconteceu com os coordenadores das duas tentativas anteriores que fracassaram? Eles mesmos se interessaram em descobrir a causa do fracasso. Outra vez, o itan deixa clara a questão da construção do conhecimento. O fracasso não foi um impedimento para que Ogum e Orumilá desistissem do saber. Isso nos remete também à questão do ensino e da pesquisa na Universidade: no sistema que exercitamos atualmente, os pesquisadores são obrigados a ter sucesso, caso contrário, as verbas serão cortadas. Todos que pesquisam se veem obrigados a elaborar projetos que garantam resultados certeiros. Vem daí o elevado número de projetos insossos e pesquisas insignificantes, cujos resultados são comprovados, mas por sua irrelevância, dormirão nas gavetas para sempre. Por sua vez, professores e alunos estão condenados ao sucesso compulsório, nem que seja pelo artifício da maquiagem.
     Então, vem a grande surpresa no desfecho do itan: Ogum e Orixalá resolvem visitar Orumilá e são bem recebidos. São surpreendidos com o bom tratamento. A experiência de participarem do banquete foi suficiente e não era mais necessário fazer pergunta alguma. Os fatos falavam por si mesmos: mesa farta, casa cheia. Orumilá, em sua humildade, desaparecia por trás do evento. Por isso, ele não quis título algum, o seu objetivo tinha sido atingido plenamente: o outro foi alimentado com variedade e fartura.
      Uma surpresa maior ainda estava reservada. Orumilá queria mais: para ele, era necessário oferecer regalo, isto é, o prazer causado pelo bom tratamento. E aquilo que, de início, foi causa de fracasso, agora é incorporado como elemento sem o qual o banquete não estaria completo. Ogum e Orixalá são elevados à condição de colaboradores, os humanos rompem o silêncio, os aplausos ecoam. É justamente por isso que a paz se estabelece: todos são envolvidos na alegria de escolher o que comer, comer com abundância e sentir prazer por ser bem tratado. Aqui está um elemento a ser incorporado às receitas culinárias, aos cardápios, aos menus: REGALO, prazer por ser bem tratado. No banquete da vida, também é assim: não basta ter o que comer e comer de tudo; é preciso também o regalo para a alma ficar contente.
       Nós, os itabunenses, perdemos o regalo. Retiraram o regalo de nós. Não mais podemos nos sentar na praça, à noite, para um encontro entre amigos. Não mais podemos apreciar o reflexo da lua cheia no dorso do rio Cachoeira. Não mais podemos beber água pura na concha da mão, nos regatos que ainda resistem na nossa terra. Não mais temos vernissages, uma boa livraria. Nossos artistas, dispersos, são relegados à sua própria sorte. Nem sequer dispomos de uma boa sala de projeção. Musicais, serestas, exposições de arte, nada nos é propiciado. Até parece que fazemos parte daqueles dois primeiros grupos de humanos: só nos restam palito e água. E contra isso precisamos nos levantar, caso contrário, jamais teremos o banquete de Orumilá. 

     Mas ao contrário do que narra o itan, nossa classe dirigente não está interessada em saber das causas de seu fracasso administrativo, porque os interesses são outros. A falta desse regalo nos deixa estressados e, por isso, por qualquer coisinha, estamos em pé de guerra uns com os outros.
      O que ainda nos salva é termos uma Literatura. Nesse terreno, a nossa produção é vasta e tem valor universal. Corre o mundo as páginas escritas por Jorge Amado, Hélio Pólvora, Adonias Filho, Cyro de Mattos, Telmo Padilha e tantos outros talentosos escritores. Se não fosse nossa Literatura, depois que a cultura do cacau findou-se, seríamos apenas uma grupo social como outro qualquer.

 Cuidemo-nos, pois. Valorizemos o regalo, pois sem ele, a existência se torna apenas um campo de batalha pela sobrevivência.




Itan: ANCESTRALIDADE de Ceres Marylise por Sônia Maron presidente da ALITA

Itan: NATAL DAS CRIANÇAS NEGRAS de Cyro de Mattos por Celina Santos
 
Sione Porto: CONSCIÊNCIA NEGRA E A LUTA PELA IGUALDADE RACIAL

Itan: Ceres Marylise - MEMÓRIA GENÉTICA de sua autoria

Itans: HISTÓRIA DE ONÇA  E CRIAÇÃO DO MAR por Jorge Batista, diretor cultural da ALITA


JOÃO OTÁVIO MACÊDO E RUY PÓVOAS



  


"Negro é quem se sente negro"

IVETE SACRAMENTO, homenageada em 2012 pela ALITA
e Terreiro Ilê Axé Ijexá Orixá Olufon

Ivete Sacramento, mestra pela Université du Quebec au Montreal, veemente defensora da ocupação de espaços e das conquistas do povo negro, a educadora foi a primeira reitora negra do Brasil a assumir a gestão da UNEB (Universidade do Estado da Bahia): exatamente na época em que a instituição começou a implantação do sistema de cotas.

Premiada e respeitada por sua militância em favor dos "não-brancos", ela ressaltou a importância de se abrir espaço também para a literatura negra. Citou autores renomados, como Adam Ventura, Boaventura Santos, Luiz Cuti e Oliveira Silveira, que se tornaram famosos no exterior antes mesmo de serem conhecidos no Brasil.



 






Racismo padrão FIFA

A FIFA parece não ligar para as inúmeras denúncias de racismo e ameaças de boicote. Como prova mais recente, acaba de substituir Camila Pitanga e Lázaro Ramos por um casal de loiros

lázaro ramos camila pitanga fifa

Jogadores negros ameaçam boicotar a copa do mundo! Assim mesmo, a FIFA decidiu vetar o casal de negros, Camila Pitanga e Lázaro Ramos.
O jogador marfinense, Yaiá Touré, do Manchester City, avisou às autoridades do futebol europeu que os jogadores negros poderão não disputar a Copa do Mundo de 2018, na Rússia. País com histórico de racismo nos estádios.
Touré, em partida este ano contra o CSKA, foi chamado de macaco pela torcida russa. Em 2012, o Yayá Touré e Ballotelli foram ofendidos pela torcida do Porto que cantava hinos racistas. No início deste ano, Balotelli e Robinho foram ofendidos por alguns torcedores da Fiorentina. Outro dia, a torcida do Roma ofendeu tanto os negros Balotelli e Boateng, do Milan, que o árbitro teve que interromper a partida. Boateng já abandonou o campo certa vez por não suportar as ofensas. Acontece o tempo todo. Em muitos estádios europeus, jogadores negros são ofendidos pela torcida adversária com jocosas imitações de macaco, e até bananas são arremessadas nos gramados.
Mesmo assim, a FIFA não aceitou a dupla de negros sugerida pela Globo.
Na semana passada, a torcida do espanhol Bétis, time do brasileiro Paulão, vaiou o nosso patrício e fizeram macaquices. Torcedores do seu próprio time!
Porém, a FIFA não quis saber do casal de negros e escolheu um casal de loiros sulistas para apresentar a cerimônia do sorteio de grupos para a Copa do Mundo do ano que vem.
Lázaro Ramos, um dos grandes atores brasileiros da atualidade, filho do teatro popular, é da Bahia, onde será realizado o evento no mês que vem. A Bahia é o estado que tem o maior contingente negro do Brasil. Mais: a Bahia é o centro da resistência e do orgulho negro no Brasil.
Mas a FIFA preferiu que os mestres de cerimônia do evento, a ser transmitido para todo o mundo, fossem a apresentadora gaúcha Fernanda Lima e o ator catarinense Rodrigo Hilbert.
O futebol brasileiro, até os anos 20, recusava profissionalizar jogadores negros. O presidente Epitácio Pessoa chegou a vetar a presença de negros na Seleção Brasileira no Sul-Americano de 1921. Mas os negros não desistiram e foram conquistando o seu espaço. Primeiro no Vasco, transformando o time em uma potência, depois Bangu, Flamengo, Fluminense…
Em ’34, chegou à seleção brasileira o ousado Leônidas da Silva, o Diamante Negro, inventor da bicicleta, a jogada mais espetacular do futebol, a mais criativa, a mais inusitada. Já na Copa do Mundo de ’38, o Diamante Negro comandou o time que encantou o mundo. Um time com branco, mulato e preto. Quatro décadas depois, um negro surge como o maior nome deste esporte em todos os tempos. Em seguida vieram Romário, Denner, Ronaldos, Rivaldo, Robinho, Neymar…
A questão, portanto, não é que a CBF tenha escolhido um casal loiro. É que ela rejeitou o casal de negros.
Na verdade, mesmo sendo o maior exportador de jogadores para o exterior, e sendo negros a maioria deles, o Brasil ainda tem poucos negros nas situações de comando. Após o negro Barbosa ter levado nas costas toda a culpa pela perda da Copa de ’50, demorou muito para vermos um negro novamente com a camisa de goleiro na seleção.
A FIFA poderia ter sugerido mesclar Fernanda Lima e Lázaro Ramos, ou Pitanga e Hilbert. Mas mesmo fazendo campanhas contra o racismo nos estádios, a FIFA não conseguiu compreender a simbologia de termos ali ao menos um negro representando o Brasil; ou não quis compreender.
Na Copa das Confederações no ano passado, durante o jogo entre Uruguai e Itália, devido ao preço exorbitante dos ingressos, o cara mais negro dentro da Arena Fonte Nova, na negra Bahia, era o italiano Balotelli.
A FIFA já quis proibir a venda de Acarajé durante os jogos, e desproibiu a venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Ela faz e acontece. Pode até não se importar com o fato de que, no Brasil, o preço do ingresso pode segregar raças.
Se importará em 2018, se Touré levar o seu ativismo adiante.
Eu fui à varanda olhar para o mar, um pensamento passou com a maresia e eu o agarrei: com mil diabos, mesmo com tudo isso sendo do conhecimento de todos nós, a FIFA recusou o casal de negros e contratou o casal de loiros. E eles aceitaram!

Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/11/racismo-padrao-fifa.html