A SOLITÁRIA MULTIDÃO VIRTUAL






A solitária multidão virtual


Celina Santos*


       Na ainda bucólica praça Olinto Leone, a brisa e a chuva oscilavam pela noite de sábado. No palco, a voz marcante da cantora itabunense Amanda Chaves invadia os ouvidos atentos. Esse era o mundo real. Seria uma noite típica dos tempos de calmaria, se os ecos das “novidades” não berrassem para “bagunçar” aquele coreto.
     Na plateia, enquanto alguns estavam inteiramente entregues ao momento ali vivenciado, outros tantos tinham os sentidos roubados pelas tentações de um mundo surreal, fomentado pela tecnologia.
      Vamos aos personagens: um casal de jovens namorados fazia parte do grupo de “presentes-ausentes”. Ao invés de conversar ou trocar carícias comuns aos apaixonados, parecia haver uma parede entre eles. Não há como fugir do trocadilho: o muro em questão era virtual.
      O rapaz acessava a página do Facebook pelo Smartphone; a moça, por incrível que pareça, fazia o mesmo. Mas utilizava o aparelho dela. Resultado: estavam juntos e, paradoxalmente, separados.
       Numa mesa próxima, estavam duas amigas. Uma delas apreciava o belo show de voz e violão. A outra, assim como vários ocupantes de mesas vizinhas, conferia as postagens do aplicativo WhatsApp ou do próprio “face”, como a rede social é carinhosamente chamada.
    A cena de um sábado, dia tradicionalmente dedicado à diversão e confraternização, pode ser comprovada em tantos outros dias e lugares. A interação real, o bate-papo entre amigos, a emoção decorrente de um espetáculo artístico, enfim, os elementos outrora típicos do cotidiano vão perdendo espaço para o “convívio” fictício do universo virtual.
      Os abraços, olhares e apertos de mão, simplesmente, cedem a vez para as “curtidas” do Facebook. Resultados de automáticos cliques, elas se tornam suficientes para marcar o território de indivíduos que insistem em provar adesão a uma máxima contemporânea: “Posto, logo existo”.
    Esse novo “espaço” é tão sedutor que o mergulho hipnótico nele não permite perceber algo aparentemente óbvio: a multidão meramente virtual é solitária, apesar de transmitir a ilusão de que se está fazendo parte de um universo.
     Ao mesmo tempo em que se multiplicam os acessos nas páginas da web, parecem ser subtraídos os gestos que marcam a existência fora da Rede Mundial de Computadores.


*Celina Santos é jornalista e membro da ALITA