A COPA DO MUNDO DE 1966

Por Cyro de Mattos

Fui redator do Jornal do Comércio no Rio, anos 60. Às vezes aparecia na Cinelândia pela tarde quando encerrava o trabalho no jornal. Ia tomar uns chopes no Amarelinho, bar que ficava em frente da praça. Acomodado na cadeira de uma das mesas, junto à porta de entrada, ficava dali vendo a vida desfilar no ritmo agitado da cidade grande.

Apesar de já estar quase um ano no Rio, não havia me acostumado ainda ao ritmo impulsivo da metrópole. Causavam-me espanto rostos anônimos que passavam apressados a todo instante, carros velozes que cantavam os pneus no asfalto, subindo rumo à Zona Sul. Os que seguiam disparados para a Zona Norte desciam pelo outro lado da Cinelândia, na avenida Rio Branco, onde ficava a Biblioteca Nacional.

As distâncias grandes, edifícios de muitos andares, túneis, viadutos e avenidas formavam uma paisagem que me parecia cheia de solidão, ocupando um espaço vazio próprio da selva feita de cimento e pedra. Embora soubesse que naquele tempo ainda se podia andar a pé, à noite, por certos lugares do Rio. Do Catete ao Largo do Machado, caminhei sozinho várias vezes à noite e nunca fui assaltado. De vez em quando ia tomar uns chopes no restaurante Lamas, perto do Largo do Machado. Por lá chegava o conterrâneo Alberto Silva para conversar sobre literatura e cinema.

Na Copa Mundial de Futebol de 1966, realizada na Inglaterra, fui à Cinelândia três vezes em menos de dez dias, para assistir no telão armado na praça os jogos da Seleção Brasileira. Queria ver o Brasil sagrar-se campeão mundial de futebol em gramados estrangeiros pela terceira vez e comemorar a conquista do título no meio do povo. Havia uma euforia que contagiava a todos na praça. Éramos os melhores do mundo, disso ninguém tinha dúvida, não dava mesmo para nenhuma seleção deste planeta ganhar da nossa formada por craques e dois gênios. Quem tinha Pelé, um rei que surgiu nos gramados da Suécia, na Copa de 1958, quando fomos campeões mundiais de futebol pela primeira vez, e Garrincha, o das pernas tortas, que ganhou sozinho a segunda Copa Mundial de Futebol para o Brasil em campos do Chile, em 1962, com suas jogadas e gols espetaculares, só podia ter a certeza de que mais um título de campeão mundial de futebol viria para as nossas cores sem maior esforço.

A primeira partida contra a Bulgária deu a entender que o terceiro título de campeões mundiais de futebol chegaria daí a algumas semanas. Era só esperar, ver e festejar. Aquele gol de falta que Garrincha bateu, a bola entrando na rede adversária sem que o goleiro visse por onde havia passado o passarinho, só trazia ventos da felicidade. Gritos, abraços, pulos e vivas dos que estavam fazendo a corrente da vitória na Cinelândia.

A decepção veio com a segunda partida quando o Brasil jogou contra Portugal. A seleção portuguesa sempre fez jogo duro com o Brasil. Havia formado um time que era tido como um dos favoritos para ganhar a Copa Mundial de Futebol de 1966. O arqueiro Costa Pereira, o marcador implacável Vicente, o maestro Coluna, o goleador Eusébio e o ponta Simões destacavam-se numa seleção que vinha encantando platéias em gramados da Europa. O jogo causou espanto e medo aos torcedores na Cinelândia, que viam a defesa portuguesa sem dar espaço a Pelé, caçando o rei com pontapé e empurrões a todo instante. Faltas eram cometidas no rei, uma atrás da outra, sem que o juiz expulsasse um jogador português sequer. Pelé saiu de campo contundido e não mais voltou.

Perdemos o jogo por três a um. E ficaram dúvidas quanto ao desempenho do Brasil no próximo jogo. Nossa seleção mostrava falta de preparo físico, sem tática, desorganizada e individualista. Parecia um bando de jogadores espalhados no gramado. Não mostrava garra em cada jogada enquanto Portugal executava um futebol solidário, compactado. Tinha um ritmo veloz, disputando a bola com valentia em qualquer parte do campo.

A decepção da derrota para a Hungria, pelo mesmo escore que Portugal nos impôs, dessa vez foi mais amarga. Pela primeira vez a Seleção Brasileira havia sido eliminada de uma Copa Mundial de Futebol na primeira fase.

A verdade do desastre de nossa seleção em gramados da Inglaterra estava ali mesmo na Cinelândia, coberta de silêncio em seus ares fúnebres. O futebol arte tinha sido vencido pelo futebol solidário, de nada mais servia a nossa habilidade, improviso, magia e outras qualidades insuperáveis, que só o jogador brasileiro possuía.

A cena que vi com um senhor sentado no banco da praça afastou um pouco minha tristeza de torcedor frustrado. Ele dava comida aos pombos. O mesmo homem tão do mundo, apaixonado como eu pela Seleção Brasileira de futebol. Achava um lugar ao sol na praça deserta onde os pombos formavam uma bela aparição. Igual a uma vez que eu vi na Praça da Matriz, em São Paulo. Os pombos baralhavam em festa tormentas, dissabores, suavizavam o audaz andarilho, naquele momento em estado de graça.