EDIÇÃO ESPECIAL- COPA DO MUNDO 2014

 FUTEBOL BRASILEIRO
A NECESSIDADE DA CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA.

Por Marcos Bandeira

         Sem dúvida, o futebol brasileiro, cantado em verso e prosa nos quatro cantos do mundo está em crise. A vergonhosa derrota imposta pela seleção alemã por 7 x 1, numa Copa do Mundo disputada em casa, trouxe à mostra o que já suspeitávamos: não mais praticamos o melhor futebol mundial. Perdemos a essência da arte e da competição do nosso futebol. Sua estrutura está obsoleta: apresentamos uma seleção de futebol de baixo nível técnico e tático para disputar uma Copa do Mundo de excelente nível técnico. A escola alemã mostrou para todos como deve se jogar coletiva e estrategicamente e não calha o argumento simplista de que houve um “apagão” diante da vitória consolidada em pouco menos de sete minutos. O Brasil não teve poder de reação e o sistema tático ficou inalterado.
            Não basta os jogadores cantarem com emoção o Hino Nacional à capela, chorar, entregar-se, receber apoio psicológico, etc. sem realizar o essencial: jogar futebol nas quatro linhas, dentro de um esquema tático consistente e que apresente variações para momentos de dificuldades, e isso, infelizmente, não ocorreu. Na verdade, a apatia se repetiu contra a desmotivada Holanda, quando novamente massacrados, perdemos por 3 x 0 . O pior é que a prepotência da comissão técnica não admite que tenha cometido erros.
            Quem acompanha futebol há algum tempo e tem algum discernimento, observa que o futebol brasileiro empobreceu e que há muita coisa por fazer, no sentido de recolocar o Brasil no lugar que ele merece pelas conquistas alcançadas com muita luta e brilhantismo ao longo do tempo. O campeonato brasileiro é um exemplo de venda de ilusões aos brasileiros quando assistimos aos jogos de nossos clubes com jogadores “refugos”, enquanto os grandes talentos são transferidos para a Europa e outros continentes. Temos também como exemplo garotos brasileiros que estão se naturalizando em outros países para jogarem em Copa do Mundo.
            Quando o Santos perdeu de 8 x o  para o Barcelona foi um sintoma de que algo errado estava acontecendo no futebol brasileiro. Não se admite que uma equipe da 1ª. divisão do campeonato brasileiro haja se submetido a tal massacre. O problema é que logo depois, a equipe do Santos começou a disputar as primeiras posições na classificação do campeonato brasileiro, ganhando de outros grandes clubes mas mostrando toda a fragilidade e o baixo nível técnico dos seus jogadores. Assim, fica nítido que o nível do futebol nacional caiu e está em crise. O exemplo atual está na disputa da Libertadores, quando todos os clubes brasileiros que participaram do certame foram eliminados. É verdade, chegamos ao fim do poço!
         Urge agora que calcemos a sandália da humildade e nos recolhamos à nossa condição atual para que possamos refletir e tomar decisões adequadas visando uma profunda e ampla transformação, fortalecendo o futebol de base, valorizando as seleções sub-17, 20 e 21, criando um calendário racional que não desgaste tanto o atleta profissional, enfim, mudando completamente as estruturas arcaicas que sustentam o nosso futebol atualmente. É preciso que se criem mecanismos para evitar que um jovem de 16,17 ou 20 anos saia do país para jogar no futebol europeu sem passar pelos principais clubes brasileiros. Precisamos democratizar o sistema de escolha de dirigente da CBF e criar mecanismos de controle por parte do Estado, fiscalizando, por exemplo, as contas desta instituição. A Confederação Brasileira de Futebol não mais pode ser dirigida da forma como vem sendo, como se fosse uma dinastia, que passa o trono para o genro, depois para o amigo, e que serve de cabide de emprego para “apadrinhados” e mina de ouro para os poderosos de plantão, deixando todo o rastro de corrupção debaixo do tapete. O futebol brasileiro deve ser tratado com seriedade e transparência, pois as consequências são sentidas por todo o nosso povo que é verdadeiramente apaixonado por futebol. Não nos esqueçamos do rosto daquela criança brasileira chorando copiosamente pela derrota fragorosa sofrida pelo Brasil diante dos alemães e do seu sonho acalentado que estava indo embora.
         Segundo os chineses, crise é uma palavra que traduz “perigo” e “ oportunidade”.  Estamos passando por uma situação de perigo, de risco, que pode ainda perdurar por algum tempo. O momento exige reflexão para grandes transformações. A questão não é tão simplista como se tudo pudesse se resolver com a mudança da comissão técnica. É bem verdade que Felipão já está obsoleto, mas a problemática é muito mais complexa: precisamos construir um novo paradigma, que não sei precisamente qual será e ninguém sabe, mas que certamente nos conduzirá a um melhor caminho, ao reencontro com a nossa vocação de melhor futebol do mundo e aproveitarmos a oportunidade da crise que estamos passando para, de forma criativa, reinventarmos a estrutura do futebol brasileiro, criando condições para voltarmos a ter orgulho do nosso futebol e de nossa seleção brasileira e dizermos com todas as letras para aquela criança que o sonho dela não acabou, apenas foi adiado por alguns anos.

Marcos Bandeira
*Juiz titular da Vara da Infância e Juventude de Itabuna, professor de Direito da UESC, membro da academia de letras de Itabuna e mestrando em Segurança Pública, Justiça e Cidadania da UFBA.




O AMARGO SABOR DO FRACASSO


                                                                                                                                                   Consuelo Pondé de Sena*

Para nós, brasileiros de todos os quadrantes, é de máxima importância compreender que o desejo da vitória não pode, de maneira alguma, suplantar a verdade dos fatos.
Nenhuma previsão é infalível, porque êxito e malogro dependem de inúmeras circunstâncias. Quando se desenham fatores previsíveis de sucesso, a vitória é alcançada. Mas, quando se interpõem fatores desconhecidos ou ignorados, deles resulta, quase sempre, o insucesso inesperado.
Será que, de sã consciência, algum brasileiro, de média capacidade intuitiva, acreditava na conquista do hexacampeonato? Por que antecipar prognóstico de sucesso e pintar com cores vivas os ônibus de traslados dos jogadores? Por que apostaram tanto nessa suposta “probabilidade” tão improvável?
Não pode haver dúvida de que o tempo exerce um poder catalisador, de molde a arrefecer o sentimento de derrota que feriu fundo a alma da nossa gente. Com o amortecer do trauma, a sensação dolorida deste momento cederá lugar a uma sensação de conformidade com o inevitável.
Não sei se muitos brasileiros já despertaram do “sonho letárgico” e se conscientizaram do enorme fiasco que a equipe brasileira e seus mentores expuseram aos olhos do mundo.  Ingenuamente, muitos compatriotas se comportavam como se vencedores pudessem ser. Como consequência agiram irracionalmente, emitindo correntes mentais de triunfalismo que se reproduziram por todo o país.  A dose de paixão e de emoção incontrolada foi tão intensa que mesmo assistindo o mau desempenho dos nossos atletas, ainda se acreditava que Neymar Júnior e Tiago Silva, citando apenas esses dois ídolos, pudessem resolver a questão. O desastre ocorrido com o primeiro jogador, convertido em talismã, e o cartão amarelo dado ao segundo, devem ter servido de aviso. Talismã, minha gente, segundo os ocultistas , jamais poderá ser usado por mera ostentação. De acordo com os mesmos detentores desses poderes poderá ser objeto de um pensamento negativo.  Quanta coisa má foi lançada sobre o jovem ídolo brasileiro? Quantas correntes de pensamento negativo recaíram sobre sua frágil figura física? Resta, todavia, um consolo: o mérito do talismã é a capacidade de regenerar-se após restabelecidas as harmonias abaladas ou subtraídas diante das malévolas emanações .
Por outro lado, a superstição muito arraigada no espírito da nossa gente, faz com que o discernimento vá para as “cucuias” e a crença de que tudo vai dar certo ainda perdure na mente dos que acreditam que Deus é brasileiro. Nesse caso, a opinião pública, sintetiza a opinião da maioria e, mesmo que muitos não acreditem na quimera, acabam sendo contagiado pela onda de otimismo. A onda de patriotismo também infla os pulmões dos torcedores numa forma de orgulho irracional que não permite que se enxergue o óbvio e que se alimentem de uma arrogância excessiva.
Para os brasileiros que confiavam cegamente na liderança de Felipão, nas baboseiras de Galvão Bueno, de Ronaldo, o Fenômeno ou do rouquenho Casa Grande, tudo ia bem no “país do futebol”.  A catástrofe foi provocada pelos competentes alemães que deram uma surra de 7 gols na equipe brasileira. O sofrimento, inesperadamente, se abateu sobre a nossa gente, sobre as nossas criancinhas, usadas nas chamadas da TV, para alimentar a ilusão dos “vencedores”. Eu mesma, que não sou de me deixar contagiar com essas babaquices, gravei a propaganda do Banco Itaú, aquela que diz: “Mostre a sua força Brasil / amarra o amor na chuteira / e a garra da torcida inteira vai junto com você / Brasil”. Até que ponto é possível aceitarmos que tudo isso não é verdade?
        
*Consuelo Pondé de Sena é historiadora, presidente do IGHB e membro das Academias de Letras da Bahia e de Itabuna.






EM CAMPO, OUTRAS GLÓRIAS

Florisvaldo Mattos*

Planejava aguardar o final da fase classificatória da Copa do Mundo de futebol, da qual já foi surpreendentemente expulsa a campeã Espanha, declarando a morte de seu estilo por todos admirado e imitado, para celebrar algo que considero deslumbrante na atual edição desse torneio: a empolgante e fascinante presença de jogadores negros em várias seleções (fora as óbvias formações da equipe brasileira e elencos das de origem africana), especialmente nas de países tidos, antes como hoje, na história, como imperialistas ou de tradição colonialista, com pouquíssimas exceções, e então, adiantando-me, resolvi homenagear esses grandiosos atletas, em geral homens esbeltos, altivos e fortes, em meio a brancos simpáticos e educados, num exemplo patente de civilização, democracia e humanismo real. Para tanto, então, só encontrei um meio que satisfizesse meu intento – a transcrição de um poema que é parte de outro maior sobre as formas artísticas genuinamente, a meu ver, criadas pelo século passado (“Saudades do Século XX – Mitologias”, um elogio ao Cinema, ao Jazz e ao Futebol). Vai então abaixo a parte desse poema que celebra o Jazz, de suas origens à resplendência de seus grandes nomes, como a forma de arte com que a raça negra enriqueceu a história do Ocidente, com nada menos que a doce, sofrida e inesquecível voz de Billie Holiday, na monumental canção “Strange Fruit”, marco de uma época dolorosa. Ofereço a todos, tanto aos que amam e torcem, como aos que apenas toleram o futebol, além de sonharem com o Brasil campeão.




ACORDES E ECOS DA JÂNGAL
Florisvaldo Mattos

Desde que Buddy Bolden expedia
flechas de som da noite para o dia,
Nova Orleans era só fardo e barril,
irrompeu lá outra guerra civil,
sustentada em acordes e gemidos,
paixão, dor, consciência, duplos sentidos,
que proferem metais, tambores, cordas,
e deste vasto porto partem hordas,
aquilo que foi sopro, ritmo e canto,
de mistura com suor, lamento e pranto.
O do algodão e escravos Mississipi
é testemunha e, antes que se dissipe
essa remota história do fervor,
urdo um rol à memória do langor.

Começo por lembrar Louis Armstrong,
King Oliver, Sidney Bechet e o gong
De Big Sid Catlett; sigo um fundo vale
(de lá a Nova York, nada que me cale):
Hawkins Body and Soul arrebentando,
nos criativos trinta do suingue, quando
reinam Flecther e Jimmie Lunceford,
a nova ordem do bom para o melhor.
Invoco Hodges, Bigard, repito Blanton,
o trombone vodu de Trick Sam Nanton,
no rastro de Bix, Basie, algo que fungue
o pescoço da aurora, até Lester Young,
príncipe do langor; alas ao bebop
e a quem que na caudal surja alto e tope
com Dizzy, Parker, Monk, Powell, Mingus,
que ao jazz raspam a face de domingos,
ou reste apenas nos flancos dessa grei
espaço à prata e o ouro de Billie Holiday:
corça, escapa entre dédalos de pedra,
tênue haste, mais Ofélia do que Fedra.







Movido pelo espírito da Copa do Mundo e os ânimos que ela desperta e acende, o poeta José Carlos Capinan teve a brilhante ideia de promover, no museu de cultura afro-baiana que criou e dirige, um tributo ao goleiro Barbosa, o grande anti-herói da malfadada Copa do Mundo de 1950, a da trágica vitória do Uruguai, que emudeceu o Maracanã e deixou marcas indeléveis em gerações de brasileiros, convencido de que o gesto do goleiro, pegar no fundo das redes a bola do gol de Ghiggia, fazia um movimento que despertava e insuflava a dignidade e o orgulho nacionais para as conquistas futuras do Pentacampeonato Mundial de Futebol. Ao ser avisado dessa bonita iniciativa, lembrei-me de poema que escrevi, há alguns anos ("Saudades do Século XX - Mitologias"), celebrando o futebol como arte e sensação. Vai abaixo ilustrado com a foto de Barbosa, justamente no gol que paralisou a nação.


LUZES NO ÉDEN DAS QUATRO LINHAS 

A outra alma, a que palpita nos estádios
aqui, ali, acolá, a dos ruidosos gládios,
que abrasam corações, em rubras tardes,
estrépitos de passos, e os alardes
de alegrias que vêm às toneladas,
a rasgos de bandeiras desfraldadas.
O passe de Didi para Garrincha,
que Vinicius notou por uma frincha
do céu, aquele espaço, aquele porto
de cristal, onde reinava o anjo torto;
soberano Pelé e outros de Setenta,
gols, passes, dribles, gingas da opulenta
legião que ilustrou este e outros pagos,
quebrando a morbidez de dias vagos,
como estirpes de vinhos capitosos,
fecundam tempo e saga generosos,
desde os coroados a quem foi à lona:
Di Stefano, Puskas, Cruyff, Maradona.
Mas antes, bem antes, pois há quem ache,
as artes de Zizinho e Friendereich.
E as do naufrágio no Maracanã,
ídolos caídos em tarde dura e malsã,
quando conhecemos por voz agreste
o outro sabor da palavra Celeste
Em movimentos de fugazes luas,
enunciações de quanto perpetuas,
ó futebol, idioma corporal,
oculto em peripécias de jogral.


Florisvaldo Mattos





COPA DO MUNDO: A PÁTRIA DE CHUTEIRAS

Marcos Bandeira*

Chegou o grande momento esperado há mais de sete anos após a FIFA anunciar a realização da copa do mundo no Brasil. O tempo passou rápido, muitas coisas aconteceram, alguns amigos ficaram no caminho e não terão o privilégio de curtir uma copa do mundo em casa. Este é sem dúvida alguma, um momento mágico, apaixonante, quando o planeta literalmente para e direciona suas lentes para as 12 cidades sedes no Brasil, onde serão disputados os jogos da Copa do Mundo de 2014.


Não passaram despercebidos os equívocos cometidos na condução das obras necessárias à realização da copa do mundo no Brasil, como a construção de estádios desnecessários, a exemplo do Itaquerão (sonho pessoal do corintiano Lula da Silva), da Arena Pantanal, do Estádio Nacional de Brasília e outros, bem como da corrupção reinante no Brasil e da insatisfação do povo brasileiro em relação ao governo brasileiro no que se refere à implementação de políticas públicas em educação, saúde e segurança pública, deflagrando vários protestos dos movimentos populares por todo o país. O atraso na conclusão das obras dos estádios e o superfaturamento em algumas delas também marcaram negativamente os preparativos para a realização deste grande evento.


Todavia, o fato está consumado: a Copa acontecerá e agora seremos mais de duzentos milhões de brasileiros em uníssono vibrando pelo nosso escrete canarinho. O nosso amor pela seleção brasileira é grandioso e eterno. Até mesmo senhoras de idade, que jamais se importaram com futebol, transformam-se nesse período em torcedoras apaixonadas pela seleção brasileira. Vale ressaltar que algumas delas já sabem o nome da maioria dos jogadores e enfeitam a fachada de suas casas com bandeirinhas do Brasil. Há uma explicação lógica para tudo isso: o orgulho de ser brasileiro.


 Até 1958, quando a seleção brasileira, comandada por Didi, Pelé e Garrincha ganhou a 1ª copa do mundo na Suécia, o brasileiro, segundo o saudoso cronista Nelson Rodrigues, possuía o complexo de “vira-latas”, pois acreditávamos sempre na superioridade das escolas europeias e até então éramos a 3ª força sul-americana, atrás do Uruguai e Argentina. O “Maracanazo” de 1950, quando perdemos a copa do mundo para o Uruguai, por 2 x 1, com o gol de Ghiggia, pululava em nossa mente como resquício do fracasso e  símbolo de nossa inferioridade.


Hoje, o contexto é completamente diferente e temos motivos de sobra para alimentarmos o nosso amor pela seleção brasileira: ela traduz o retrato de nossa sociedade brasileira, marcada principalmente pela mistura de etnias; ela é a única seleção do mundo que participou de todas as copas e a única pentacampeã mundial; Pelé, o maior jogador de todos os tempos, é o único que venceu três mundiais e temos ainda o maior artilheiro das copas, Ronaldo, com 15 gols. Os “gringos” sempre se renderam à nossa ginga, à nossa miscigenação, à nossa molecagem com a bola no pé. Além de tudo isso, temos uma equipe competitiva com condições reais de ganhar mais uma copa.


Portanto, recebamos com hospitalidade os nossos visitantes e deixemos os problemas internos do nosso país para serem resolvidos no momento oportuno. Unamos nossos corações numa só direção formando uma grande corrente de vibrações positivas por mais um título de nossa querida seleção brasileira.


              Avante Brasil, rumo ao Hexa!










NADA ACONTECE POR ACASO

 Sônia Carvalho de Almeida Maron*


Lamentável, sob todos os aspectos, a manifestação das arquibancadas do Itaquerão dirigida à presidente do Brasil na cerimônia de abertura da Copa do Mundo. Embora as vaias e aplausos sejam normalidade nos estádios de futebol, surpreendeu a forma como foi traduzida, ou seja, um coro de palavras chulas, que a imprensa tradicional omitiu registrando apenas o fato, enquanto os vídeos das redes sociais divulgaram em áudio e a cores... Agrade ou não, erre ou acerte, Dilma Rousseff comanda um dos poderes constituídos, figura entre os estadistas que decidem o destino da América Latina e do mundo como um todo. Como se não bastasse, é a guardiã da liturgia do cargo e de todos os valores morais e éticos que servem de bússola ao governante de um país civilizado. Esta primeira análise é inquestionável. Ocorre, no entanto, que nada acontece por acaso, do mesmo modo que não existe crime sem motivo. 


Exercitando a memória, voltemos ao passado recente dos primeiros dias de governo do líder do partido da presidente Dilma, seu mentor e padrinho. O ex-sindicalista, já investido no honroso cargo de presidente da República Federativa do Brasil, compareceu a uma cerimônia pública em São Bernardo do Campo e colocou na cabeça o boné padronizado do MST, recebido das mãos de um dos ativistas. Ninguém ignora que o movimento reivindica seus direitos praticando atos de vandalismo contra a propriedade pública e privada, como são exemplos a invasão do Congresso Nacional e empresas como a VALE, sem falar em invasões de incontáveis instituições públicas e propriedades rurais “agraciadas” por visitas dos “sem terra” e crimes contra a pessoa. Esse foi o pontapé inicial para sacramentar simbolicamente, o apoio aos atos ilegais praticados pelos integrantes do movimento que se mantém com verba de órgãos federais, vale dizer, do nosso bolso. Em contrapartida, não existe notícia da prometida reforma agrária.



A sucessão de atos incompatíveis com o exercício digno e democrático do poder culminaram com o escancarado desrespeito aos poderes legislativo e judiciário, desmoralizando o primeiro e fragilizando o segundo, última trincheira que o cidadão dispõe no estado democrático para defesa e preservação dos seus direitos. O espaço restrito que um jornal dispõe para seus colaboradores não permite elencar todos os desmandos, provas irrefutáveis de corrupção, destruição de valores éticos e morais, uma constante na administração pública brasileira atual. O mais engraçado é que o ex-presidente não sabia de nada e mal conhecia o chefe da Casa Civil e outros colaboradores, conforme suas declarações na imprensa de países vizinhos, logo após o julgamento, pelo STF, da ação penal que ficou conhecida como “mensalão”. Coincidentemente a presidente atual também não tinha conhecimento dos detalhes referentes à compra da refinaria de Pasadena, apesar de integrar a comissão. E lá se foi a Petrobras, a joia da coroa... A solução encontrada foi a propaganda televisiva maciça do lado “cor de rosa” da empresa estatal, na tentativa frustrada de apagar mais um escândalo. Até mesmo o povão das “bolsas” e “minha casa minha vida” está enxergando a manipulação de suas consciências e não aceita a sugestão do ex-presidente no sentido de que o transporte no lombo de um jegue pode muito bem substituir o metrô, para alcançar as “arenas” nos jogos da Copa do Mundo. O povão sabe muito bem que a pessoa que lhe oferece o meio de mobilidade urbana usada pelo menino Jesus, usa jatinhos e carros blindados.

    

Em verdade, a vaia não partiu da elite. Naquele momento, aqueles que conseguiram adquirir o ingresso de preço proibitivo ao povo do salário mínimo, representavam o cidadão brasileiro que perdeu a paciência, não acredita mais que foi o PT quem descobriu o Brasil e esgotou a última gota de tolerância com o discurso maniqueísta e bolorento “nós somos o bem, eles são o mal”. Além do mais, o patrão da presidente vaiada (estrategicamente desaparecido e jogando a pupila às feras) cometeu um erro gravíssimo: tentou preparar uma “batida” misturando futebol e política em ano de eleição. Futebol é paixão nacional e contagia o mundo inteiro. É alegria, emoção, mistura de confraternização e disputa no tapete verde dos estádios, à vista de todos. Nossos craques são cidadãos do mundo, suam a camisa para fazer jus aos salários milionários. Nesse clima de glória, chuteiras douradas e euforia, os políticos são intrusos e indesejáveis quando a rejeição já restou provada em pesquisas de opinião. Ao herói do momento, que tem o nome de Júlio Cesar, toda honra e toda glória, até o fim da Copa, AMÉM!  

        

A Copa do Mundo vai seguindo “com o coração batendo a mil” e o cerimonial da FIFA exige a presença dos reis e presidentes no encerramento, cumprindo o ritual de entrega da taça ao vencedor. A presidente Dilma “acredita” que invocando os ORIXÁS da Bahia, aos quais pediu a bênção na convenção do seu partido (segundo divulgação do seu pronunciamento pelo jornal A TARDE), conseguirá a proteção desejada. Acontece que sou baiana. Posso afirmar que nosso sincretismo religioso, apesar de tolerante e magnânimo, não aceita adesões de última hora, até porque nossos ORIXÁS estão muito ocupados com os pedidos dos seus filhos da Bahia.





UMA PAUSA PARA FANTASIA
Por Celina Santos



 Nas gigantescas “arenas” construídas em 12 capitais, é um espetáculo à parte o “brado retumbante do heróico povo brasileiro” ao entoar o Hino Nacional à capela; torna-se difícil não se emocionar, ainda que do outro lado do televisor, quando a torcida canta “eu sou brasileiro/ com muito orgulho/ com muito amor...”.

Definitivamente, a Copa do Mundo envolve na redoma da fantasia, onde a maioria das pessoas é simbolicamente transportada para um universo regido pelo mais puro ufanismo. É como se a carinhosamente chamada camisa “canarinho” fizesse cair por terra qualquer sentimento negativo em relação ao país.

O momento, vivenciado a cada quatro anos, lembra uma célebre frase atribuída ao filósofo Georg Hegel, para quem “nada existe de grandioso sem paixão”. A despeito de preferências pessoais, não há como negar: Um dos mais inquestionáveis componentes da identidade brasileira é a paixão pelo futebol.

Neste ano de 2014, em especial, a mobilização é incomparavelmente maior. Afinal, a “terra adorada” é a anfitriã da maior competição do esporte mundial. Cerca de 600 mil visitantes vieram para assistir aos jogos, muitos ávidos por conhecer as tão alardeadas maravilhas do país. Em enquetes, eles já destacam a culinária diversa, a cordialidade e alegria dos “donos da casa”. Além, é claro, de testemunhar o quão forte é a ligação entre a torcida e a Seleção Brasileira

Como bem definiu o jornalista Tino Marcos, a Seleção é uma instituição cultural para o Brasil. Através dos dribles geniais dos jogadores, parecemos dizer: que venham os obstáculos, porque somos brilhantes o suficiente para derrubá-los. Ilusão? Alienação? Por ora, nada importa! As vitórias nas “quatro linhas” chegam como uma catarse, a expurgar toda espécie de frustração lá do mundo real.

Enquanto o lugar de torcedor se sobressai em relação aos demais papéis, o brasileiro cria uma espécie de carapaça, de modo a impedir que qualquer discussão sociopolítica (ou algo que o valha) invada o sagrado cantinho do sonho. Aliás, está aí a razão pela qual de nada adiantam as tentativas de atrelar política a futebol.

Ao mesmo tempo em que vibra, aplaude, vaia, chora, grita, a nação deixa claro que é hora de devanear. Já que não foi acionado novamente o “botão” da realidade, segue a festa, o batuque, a contagem para o apito final do juiz. Espera-se, porém, que a torcida possa desembarcar do “planeta fantasia” dando passes acertados na relação com o próximo (família, amigos, patrões, empregados, vizinhos, desconhecidos...) e, principalmente, levando a bola do voto para longe do gol contra.




FUTEBOL
  Por Cyro de Mattos


Febre. Religião. A nossa maior paixão popular. Que bonito é a torcida no estádio superlotado. As bandeiras desfraldadas. Apoteose de não sei quantas gargantas que explodem no ar um só grito de gol. Delira a torcida, ven­do a rede balançar, que felicidade!

Em 1958, a nossa maior conquista. Fomos campe­ões mundiais nos gramados da Suécia. Com um rei que surgia. Um garoto chamado Pelé. Magia na intimidade com a bola. Fenômeno que pensa pelos pés. Emoção mai­or em todos os estádios. Atleta do século, com as estrelas descendo do céu, todas elas iluminadas vindo beijar-lhe os pés.


Surge também Garrincha, o Mané das pernas tor­tas, alegria do povo. Na escrita certa os dribles desconcertantes. Garrincha e mais dez canarinhos bisando o feito de cam­peões mundiais nos estádios do Chile, em 1962. A marchinha dizendo que com o brasileiro não há quem possa, é bom no samba, é bom na bola, a taça do mundo mais uma vez era nossa.


No México, em 1970, todo o Brasil voltava a vibrar com o olho na telinha da televisão. Olho no lance. Radinho de pilha colado no ouvido atento. Goleada histórica na Itália, quatro a um, na partida final. A marchinha agora dizia que somos uma corrente pra frente. Todos juntos vamos saudar a seleção tricampeã mundial. Nesse cordão do amor, nesse delírio geral, nessa emoção dada de graça por todo o País, que tem um só coração.


Em 1994, após vinte e quatro anos de rações duras, o grito de tetracampeão de futebol ressoava em gramados norte-americanos e pelos quatro cantos do Brasil. "El! El! El! Vai que é sua, Tafarel!" Zero a zero no tempo normal de jogo e na prorrogação, vinha a certeza da guerra vencida com a cobrança de penalidades. A Itália protagonizava o lado dos rivais derrotados mais uma vez, perdendo três penalidades. Um dos pênaltis foi defendido pelo herói Tafarel.


Mas tivemos derrotas que até hoje ferem a memó­ria do torcedor tetracampeão. A primeira delas, a mais triste, quando jogávamos pelo empate e ganhávamos o jogo no primeiro tempo por um a zero. Perdemos por dois a um. Inauguração do Maracanã naquele campeonato mundial realizado em 1950, vencido pelo Uruguai. O país do fute­bol todo coberto de silêncio. Naquela tarde trágica, dei­xam o Maracanã os torcedores como uma procissão de rostos cabisbaixos, por que não dizer de mortos, sem sa­ber para onde ir.


A segunda pior derrota acontece na Copa do Mun­do da Espanha, em 1982. Uma seleção feita de craques, como Zico, Sócrates, Junior, Eder e Leandro. Tudo dava errado. As bruxas estavam soltas outra vez. Não passa­mos pelas semifinais. Outra vez jogávamos pelo empate. Final de jogo: Itália 3 e Brasil 2. A dose de amargura que se aloja no peito do torcedor brasileiro retornaria na Copa do Mundo de 1986, de novo realizada no México. O Bra­sil não passa outra vez pelas semifinais. Eliminado nos pênaltis pela França. No último deles a bola bateu na tra­ve, em seguida nas costas do goleiro Carlos e foi para o fundo das redes. Era demais para qualquer coração brasi­leiro suportar.


Minha paixão pelo futebol vem desde menino, jo­gando peladas nos campinhos dos terrenos baldios da ci­dade natal. Havia o "Campinho do Fole" no outro lado do rio. Ali eram jogados aos domingos as partidas mais im­portantes. O time de garotos da rua de cima com o da rua de baixo. No vaivém do jogo não faltavam empurrões, bate-bocas, xingamentos e algumas brigas fortes. Termi­nado o jogo, o banho na correnteza de águas límpidas se­renava os ânimos. Uma amizade feita de relações natu­rais logo se refazia com mergulhos e saltos do barranco íngreme.


O pai levava o menino para ver a seleção amadora de sua cidade jogar no Campo da Desportiva. Cercado com folhas de zinco no início, depois murado, o Campo da Desportiva era uma festa aos domingos. Lá, naquele campo de grama mal tratada, o menino viu o drible de Puruca como o maior de sua vida. O gol de Juca. A defe­sa de Asclepíades. A matada de Santinho. A catimba de Tombinha. O nó de Carrapeta. A investida do ponta Fernando Riela como um raio fulminante na defesa adversária. O engraçado torcedor Rodrigo Bocão. E o cracão de bola Léo Briglia, sem igual. Viu o menino a Seleção Amadora de sua cidade como o maior time de sua vida. Ah, os roletes da Desportiva como o melhor doce de sua vida. E sentiu esse tiro na memória, que seria, inevitavelmente, o gol mais triste de sua vida.