AMIGOS E CATEGORIAS DE AMIGOS

                        
                                                                                          Sônia Carvalho de Almeida  Maron*

         Somente a idade, quando passa da meia-idade, oferece a oportunidade de classificarmos os amigos, “louvando a quem bem merece e deixando o ruim de lado”, na sabedoria musical de Gilberto Gil. Os amigos não são todos iguais. Devemos, sim, cultivar milhões de amigos, exercício que necessita de regras, ordem, disciplina e imparcialidade. Minha proposta é organizá-los como se fossem um precioso arquivo – o mais precioso de todos – colocando cada um na sua pasta. É preciso separá-los, em grupos ou categorias bem definidas, cada um com suas características.
         Um dia resolvi organizar meus amigos, em categorias com designação e características próprias, para continuar amando todos eles, como são, sem esperar que ofereçam o que não podem dar. Cada qual no seu cada qual, cada macaco em seu galho, cada jogador na sua posição: defesa, meio de campo, ataque e banco de reservas. Seguem-se as categorias existentes em meu arquivo.
         Amigo disponível – é aquele sempre pronto a colaborar, desde que sejam respeitadas suas limitações.
         Amigo responsável – é o amigo que cuida das tarefas impossíveis, é “o faz tudo”, polivalente e confiável.
         Amigo cintilante – não conte com ele para tirar você de apertos:  é o amigo  cheio de glamour, fashion, presente nos momentos das plumas e paetês e, nesses momentos, até que é necessário.
         Amigo oculto – vive em um mundo diferente do seu, se precisar dele aparece, chega junto e você, às vezes, esquece que ele existe ao enviar convites.
         Amigo enigmático – é, e não é; escorrega, desliza, mas tem grandes momentos de amizade.
         Amigo bipolar – oscila entre a amizade eufórica e o silêncio total; prefere as amizades do momento e não se preocupa em cultivar a que você oferece, tão verdadeira.
         Amigo líquido – fica bem longe das tarefas que significam desgaste e trabalho, concordando com tudo para não ser envolvido e perder seu precioso tempo, que emprega olhando o próprio umbigo.

         Amigo camaleão – não tem opinião formada, é conveniente, procura agradar sempre e fazer a política da boa vizinhança. É o adepto da suposta conciliação. Em sua cartilha, é melhor conciliar do que argumentar  e convencer. O que ele gosta mesmo é de sombra e água fresca. Nos “anos dourados” era denominado “amigo vaselina”.
         Amigo “mala sem alça” – dispensa explicação, ou é preciso definir o perfil? Chato, inconveniente, eterno provocador de discussão sem o mínimo de argumentos: discute pelo gosto de discutir e de dizer asneiras. É bom caráter.  O pior é que não consegue descobrir o momento de sair ou ficar calado.
         Amigo “papo cabeça” -  serve apenas para uma boa conversa. Não espere dele nada mais. Não é que seja egoísta, esta categoria de amigos é assim mesmo: em alguns momentos, quando está disposto, é capaz de gestos humanitários e de carinho. Mas não conte com sua adesão a uma tarefa mais séria. Deixe-o sossegado. Apesar de tudo, ele não é descartável, faria falta em seu arquivo. Não corte o laço. Nenhum amigo, de outra categoria, poderia substituí-lo. Talvez um amigo de fé, se for muito especial. Vale salientar que tem a capacidade de transformar-se, quando deseja, em “amigo de fé”. Mas não é quando você precisa, é quando ele quer. E haja paciência...
         Amigo de fé – não se trata de fé religiosa, as relações de amizade são laicas. Se a fé coincidir, ótimo. Se não coincidir, cada um na sua. É aquele mesmo, o irmão camarada, o que está “ao seu lado em qualquer caminhada”, no verso inspirado de Roberto e Erasmo Carlos. É o amigo que tem sempre os braços abertos, o amigo de todas as lutas, o bom companheiro, o grande guerreiro. É aquele amigo que ao partir leva um pedaço de nós, da nossa alegria, do sorriso, leva até parte da luz que ilumina nosso caminho. Reúne um pouco do melhor de cada categoria, sem qualquer resquício dos defeitos das outras. São poucos e raros e tenho o privilégio de possuir alguns. Um deles, em uma só frase, conseguiu resumir a sua categoria: o afetivo é o efetivo da vida.  
         Pelo exposto, um “amigo de fé” vale por todos. Mesmo assim, quero  continuar aumentando meu arquivo e cultivando um milhão de amigos. É o maior investimento para ser feliz.
*Membro da Academia de Letras de Itabuna
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