A SUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER

Sônia Carvalho de Almeida Maron*

         O título não reflete a intenção de comentar o livro de Milan Kundera,  escritor nascido na Checoslováquia festejado e reconhecido internacionalmente.   Seu livro, A insustentável leveza do ser, apresenta personagens que por escolha ou por acaso enfrentam o peso insustentável que baliza a vida. É evidente que não tenho a pretensão de penetrar no campo da crítica literária, para mim desconhecido. Apenas cometi a ousadia de retirar o prefixo “in” para uma abordagem diversa. Em verdade, a inspiração para o texto foi exatamente uma frase do escritor referido: “Atravesso o presente de olhos vendados, mal podendo pressentir aquilo que estou vivendo...” Esse é o risco que não podemos correr.  
         A triste conclusão é que a democracia, nascida na Ágora grega (praça onde os cidadãos discutiam e decidiam, através do voto direto, os temas ligados à justiça, obras públicas, leis e cultura), evoluiu em nosso país para um espetáculo tragicômico. Trágico porque os clichês são os mesmos: promessas, rostos sorridentes, frases feitas, um ou outro novo ator no espetáculo com os galãs e estrelas de sempre no desempenho do “vale a pena ver de novo”. Sem falar na prática interminável dos crimes contra a honra e o costumeiro “festival de besteiras”, como dizia Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto). Eis o motivo porque usei a frase de Milan Kundera, de forma lícita, é claro, com a referência. Os eleitores que decidem o destino de todos nós permanecem de olhos vendados durante a campanha eleitoral e são levados às urnas como o gado é levado ao matadouro. Votam os analfabetos funcionais, votam os menores de 16 anos, inimputáveis para o Direito Penal. E o destino a Deus pertence.
         O lado cômico do espetáculo é que os protagonistas não percebem também o que estão vivendo e como apresentam o personagem: muitos nem cuidam de decorar o script imaginando que a massa está controlada. Afinal, a massa é mesmo para ser amassada e amansada com muitas esmolas e fica contente com muito pouco. Resumindo, os humoristas encontram matéria farta e os espectadores de bom humor aproveitam para sorrir.
         O lado hilário do espetáculo, como um circo, tem de tudo. Lembro, para ilustrar, o aparato que anunciava os circos armados na praça hoje denominada Otávio Mangabeira, mais conhecida como praça Camacan: um caminhão do circo percorria as ruas principais, levando as jaulas com os bichinhos a reboque, enquanto o palhaço, com pernas de pau e megafone, anunciava o homem que engole fogo, o leão, o elefante, o anão que levanta o gigante; além disso, faziam parte do espetáculo as peças teatrais “O ébrio”, “O céu uniu dois corações” e outras. A irreverência serve para suavizar o clima de corrupção desenfreada que somos obrigados a assistir como plateia silenciosa e passiva.
         Neste clima de fase pré-eleitoral pontificam os comentaristas políticos, transformando a eleição em luta de MMA. Imaginam-se em uma arena (não foi assim que os estádios foram batizados?) onde ocorrerá uma luta sangrenta, repleta de crimes contra a honra, praticados livremente sob a égide da legislação do  período eleitoral, admitido o direito de resposta.  Luta por luta, prefiro a capoeira: nenhuma luta de pesos pesados tem a musicalidade, a leveza e a beleza exibidas nas lições dos mestres como Bimba (capoeira regional) e Pastinha (capoeira de Angola).
         A exaltação da campanha eleitoral provoca comentários interessantes. Entre muitos, destaca-se a ideia de qualificar os candidatos de acordo com anomalias na genitália interna ou externa. Para melhor compreensão, dizem que os candidatos de escol, perfeitos, são aqueles que possuem as glândulas destinadas à procriação em número maior do que a sábia natureza permite. Melhor dizendo, testículos e ovários  normalmente são em par para os dois sexos. Nenhuma dúvida quanto a isso. Ainda assim, existe quem afirme que a mulher tem apenas um ovário e a candidata ideal para governar o Brasil deve possuir dois ovários e o homem três glândulas do seu aparelho reprodutor. É uma idéia perigosa. Imaginem se fosse possível o excesso - quatro para cada um dos sexos - criaria uma séria aberração de conseqüências imprevisíveis: a patologia anunciada poderia aumentar a natalidade desmedidamente ou impedir a  continuidade da espécie. Sabe Deus o risco que seria desafiar a natureza.
         Vale lembrar que o ex-presidente Fernando Collor de Melo, de triste memória, foi mais modesto, preferindo qualificar-se pela cor da genitália externa. E deu no que deu...