EUFONIA E BELEZA DO IDIOMA

                        
                                                                                     Sônia Carvalho de Almeida Maron*

         Os leitores deste jornal são premiados em todas as edições com os comentários do Professor Odilon Pinto sobre nosso idioma. A valiosa colaboração reflete a sensatez e inteligência da direção. Escrever sobre o idioma é tarefa para os mestres, de fato e de direito, como Odilon Pinto, do qual sou a mais atenciosa das alunas e fiel leitora. Minha formação de bacharela em Direito não habilita ao conhecimento rico e complexo do idioma português. A propósito, nossas universidades afastaram o idioma pátrio da grade curricular quando deveriam mantê-lo, como disciplina obrigatória, até o final de todos os cursos.
         A opinião que manifesto decorre de vinte e sete anos de sala de aula, como docente da FESPI e UESC, lidando com alunos do curso de Direito.  Os futuros bacharéis, que teriam o idioma português como instrumento de trabalho, volta e meia tropeçavam em noções elementares de ortografia, concordância nominal e verbal, provando o menosprezo pelo idioma ou a ignorância do seu uso razoavelmente correto. Felizmente a maioria superava as deficiências trazidas do ensino fundamental pelo hábito abençoado da leitura de bons autores e bons textos.
         Observei, enquanto docente, que a qualidade dos textos dos meus alunos, nas provas escritas que sempre mantive,  pioravam  à medida que os anos passavam e o descaso pelo idioma era maior a cada semestre. Armados de  laptops e tablets achavam-se os donos do mundo.
         No primeiro semestre de 2010, corrigindo a prova de um aluno da disciplina Prática Jurídica I, encontrei tantos e tão graves erros de ortografia,  concordância verbal e nominal que minha consciência obrigou a diminuir a nota em um ponto e meio. Sem remorso, diga-se de passagem. O conteúdo não era e nem podia ser dos melhores.
         O rapazinho, ao receber a prova, argumentou que não merecia a reprimenda, referindo-se à delicada observação que eu coloquei na prova aconselhando um curso de português enquanto era tempo. Replicou dizendo que o professor do curso de direito não tem o direito de corrigir a redação dos alunos, se a legislação eleitoral, no Brasil, admite que analfabetos funcionais ocupem os mais importantes cargos nos poderes legislativo e executivo; comentou, ainda, a declaração de um político descartando a necessidade da leitura, atividade que não exercitava por ter “preguiça de ler”. Em verdade, ler sem entender cansa...
         Não pensem que conquistei a antipatia do aluno. Ele entendeu e aceitou o conselho. Sempre considerei meus alunos uma categoria especial de filhos e arrolo como testemunhas Clodovil, Harrison e Evy que são citados apenas porque estão à luz dos refletores do cenário político local. Todos os alunos de vinte e sete anos de ensino superior ocupam o mesmo lugar em minha lembrança e carinho. Todos são igualmente amados  como meu filho e meu sobrinho Paulo Afonso, também meus ex-alunos. E todos eles devem lembrar que eu pedia um tratamento carinhoso para o nosso idioma, além das regras da gramática: o zelo pela eufonia e beleza do idioma neolatino que herdamos.
         Os idiomas neolatinos são musicais, ninguém pode negar. Daí, não consigo pronunciar certas palavras quando soam desagradáveis, feias, ferindo a audição. Não importa, por exemplo, que os dicionários e regras gramaticais autorizem a flexão, sacramentando as duas formas, masculino e feminino. Se duas formas são admitidas, que prevaleça a eufonia e beleza do idioma. O esforço para forçar a  escolha do feminino para o substantivo “presidente”, por exemplo, pode criar algumas aberrações dos finais em “ente”: dirigente/dirigenta: conferente/conferenta; emergente/emergenta. Se a moda pega, sobraria o pior para a hierarquia militar que ingressaria no absurdo: cabo/caba; tenente/tenenta;  major/majora; tenente-coronel/tenenta-coronela; coronel/coronela. A última patente requer o maior cuidado na pronúncia, para não soar, ao invés de “coronela”, “couro nela”. Daí a preocupação com a eufonia e beleza do idioma, atributos que brotam naturalmente, sem imposição, em harmonia com a liberdade de expressão que a Constituição da República Federativa do Brasil ainda assegura.