Sônia Carvalho
de Almeida Maron*
Não pertenço à
facção dos telespectadores fanáticos, notadamente dos canais abertos. Admito,
no entanto, que a telinha faz parte do nosso cotidiano. A realidade dos nossos
lares leva a ver e ouvir notícias que despertam a curiosidade e até mesmo a
indignação pela interpretação distorcida.
Dias atrás, em
um dos programas policiais da TV Aratu, emissora afiliada à Rede Record,
festejava-se a libertação de um rapaz, dito inocente, recolhido à penitenciária do Estado durante três anos.
Filmado no momento em que saía do presídio e quando era recebido por parentes e
amigos, com cartazes e manifestação festiva de todos aqueles que apostavam em
sua inocência, o comentário do repórter culpava o Código Penal pelo calvário
enfrentado pelo réu que não era réu. Pelo visto, não poderia ser nem suspeito,
indiciado ou acusado: era inocente, escancaradamente inocente. Dizia o repórter
que “uma injustiça foi corrigida e a culpa era do Código Penal que devia ser
mudado”.
A análise
superficial conduz sempre à injustiça. No caso em tela, a injustiça é cometida
contra o Código Penal, pobre vítima da conclusão equivocada de formadores de
opinião.
As normas de
direito substantivo penal, melhor dizendo, do Código Penal, tipificam, ou seja,
dão nome aos crimes em sua parte especial; na parte geral, apresentam as regras
referentes à aplicação da lei no espaço e no tempo, definem o crime e as penas.
Além de apresentar critérios de aplicação da pena disciplinam a ação penal. O
Código Penal, apontado como réu, tem o direito de defender-se, tendo em vista
que a Constituição contempla os princípios da ampla defesa e do contraditório.
Para começo de
conversa, o Código Penal não absolve, nem condena. Apresenta normas abstratas
que serão aplicadas ao caso concreto. A linguagem midiática, ao condená-lo,
esqueceu outro réu, que segue à reboque: o Código de Processo Penal. Também é
um diploma legal que merece respeito e defesa. Denominado na doutrina “direito penal
adjetivo”, apresenta as normas que devem
conduzir o processo. Buscando uma linguagem distante do tecnicismo, seria
possível afirmar que juntando as normas dos dois códigos, se fossem interpretadas
corretamente e aplicadas no momento certo, o injustiçado não seria privado da
liberdade de forma ilegal e abusiva. Talvez tenha faltado ao acusado os três
figurantes do processo ideal: advogado,
promotor e juiz efetivamente comprometidos, dotados de sensibilidade,
conhecimento multidisciplinar, destemor e fidelidade ao ideal de justiça. A lei
é geral e abstrata e necessita de alguém que a interprete e aplique de forma
adequada.
Em verdade,
é uma idéia equivocada o entendimento da norma penal como uma panaceia, pacificando e curando todos os desvios e
descaminhos dos seres humanos. Apesar de constituir um dos meios de controle
social, aparece no cenário como última ratio.
As causas dos delitos que perturbam a vida moderna têm raízes mais profundas e não seriam
abolidas nem mesmo com a inclusão da prisão perpétua ou da pena de morte em
nosso ordenamento jurídico. Se ocorresse o contrário, nos países que admitem o
rigor punitivo o crime teria desaparecido.
A última palavra
deve ser reservada ao jurista Paulo Medina Osório, em entrevista nas páginas
amarelas da revista Veja, de 20.08.2014, sobre a Lei nº 12.846/2014, já
batizada “Lei anticorrupção”, a seguir
transcrita com a devida vênia: “A desconfiança não está na lei. Está nas
instituições que vão aplicá-la. Ela é um poderoso instrumento que não pode ser
usado pelas mãos erradas”. Em linhas gerais, o povo escolhe as mãos. E quando
escolhe errado, azar do povo.