Depois de ser
publicado em vários sites importantes brasileiros, como Boqnews.com e
Campograndenews, o artigo “Os Ventos Gemedores:
Saga do Brasil Arcaico”, do escritor
Adelto Gonçalves, Doutor em Letras pela USP,
sobre o romance “Os Ventos Gemedores”, de nossa autoria, foi divulgado no Pravda de Moscou, na edição em
português, em 8/02/2015, (Port.pravda.ru).
De ritmo ágil, com uma narrativa
labiríntica, o romance “Os Ventos
Gemedores” conta a história das dominações de Vulcano Brás, dono de muitas
terras no território do Japará, um condado imaginado pelo autor, e a busca da
vida livre e justa, representada pelo vaqueiro Genaro. Sobressaem ainda no conflito, que acontece em ambiente bárbaro,
forjado pela terra hostil, personagens como Almirinha, Amadeu, Abelardo
Pança-Farta, Edivirgem, os irmãos Olindo e Olívio.
O professor e Doutor em Letras pela
USP, Adelto Gonçalves, debruça-se sobre o romance e empreende uma análise de
natureza histórico-social, concluindo
que “o final deste livro conta a batalha corpo a corpo entre os jagunços de
Vulcano Brás e os homens de vaqueiro Genaro e – ao contrário do que normalmente
se dá na vida real – a vitória dos explorados, apesar das baixas de lado a
lado. A vitória maior, porém, que se registra é da Literatura Brasileira que
sai desse romance mais enriquecida.”
Abaixo transcrevemos o artigo “Os
Ventos Gemedores: Saga do Brasil
Arcaico”, de Adelto Gonçalves, publicado no Pravda de Moscou:
'Os ventos gemedores': saga do Brasil arcaico
08.02.2015
Adelto Gonçalves
I
No Brasil,
sempre foi assim: a luta pela terra invariavelmente produziu heróis falsos e
mártires verdadeiros. E o Estado sempre esteve ao lado dos mais fortes, aqueles
que conseguiam pela força subjugar os demais. Para aqueles que venciam, nunca
faltou a falsa pena dos escribas para legalizar suas conquistas nos papéis dos
cartórios e incensá-los na História. Ainda hoje é assim: os mandões do sertão
ganham placas e viram nome de fundações ou de ruas, avenidas ou rodovias. Já
para os derrotados sobram - quando muito - uma vala sem lápide e o esquecimento
eterno.
Sempre foi
assim, desde os tempos dos chamados bandeirantes, homens mestiços,
filhos de mães indígenas ou miscigenadas, que largavam tudo na cidade de São
Paulo ou em vilas como Santana do Parnaíba e Taubaté para, a partir de
Araritaguaba (hoje Porto Feliz), seguirem em canoas à frente de uma legião de
índios carijós, mulatos e negros em busca de indígenas que pudessem ser
escravizados, de ouro e pedras preciosas e mais terras. Como arrastaram as fronteiras
do Brasil para além do Tratado de Tordesilhas, hoje, alguns desses régulos são
homenageados com estátuas e monumentos em que aparecem como homens de feições
brancas, bem trajados. Provavelmente, seguiam para os sertões descalços e quase
semi-nus, como os indígenas e africanos que comandavam.
Ainda hoje é assim. Volta e meia, algum
parlamentar é acusado de manter trabalhadores sob regime escravo em suas
fazendas. De outros dizem que, em suas terras, ninguém entra sem autorização:
se alguém entrar, ainda que involuntariamente, será recebido à bala por
modernos jagunços bem armados, enquanto o mandão desfila sua onipotência em
Brasília ou mesmo em congressos lusófonos em Lisboa. Os mandões modernos já não
são grosseiros como os de outros tempos: afáveis, conquistam o interlocutor com
muita simpatia e salamaleques.
E, assim, o
mundo arcaico convive com o Brasil moderno sem maiores sobressaltos. É esse
Brasil arcaico que o leitor vai encontrar no romance Os ventos
gemedores, de Cyro de Mattos (1939), que acaba de ser lançado pela
editora LetraSelvagem, de Taubaté-SP, em sua coleção Gente Pobre (narrativas).
Ambientada nas terras do Sul da Bahia em época que se supõe que seja a de
meados do século 20, a trama se dá no condado imaginário de Japará, à
la WilliamFaulkner (1897-1962), região onde a mata até então
impenetrável começa a dar lugar às primeiras roças de cacau e pastos para bois
e vacas. É o cenário de Terras do Sem Fim (1943), clássico
romance de Jorge Amado (1912-2001), que, a rigor, inaugura a saga cacaueira do
Sul da Bahia.
II
Aqui, a luta
pela terra coloca, de um lado, Vulcano Brás, um régulo do sertão acostumado a
mandar bater e até matar; de outro, o vaqueiro Genaro, escolhido como líder
pelos explorados, gente envelhecida precocemente que traz a pele engelhada pelo
trabalho de sol a sol. Como Almira, moradora de um casebre, que procura
entender, numa espécie de monólogo interior, como o vaqueiro Genaro encontrou
coragem para chefiar os homens no levante:
"(...)
Ele havia dito que os homens estavam dispostos a enfrentar o despotismo de
Vulcano Brás, "não tenha medo, dessa vez, a gente vai tirar o freio da
boca, a argola da venta, o chicote das costas e a espora da barriga".
Deu-lhe em seguida a notícia de que os homens queriam ele como chefe do
levante, ela então teve medo, pensou na morte a espreitar pelos cantos todos
eles, de dia e de noite".
Depois,
Almira questiona: "Que adianta fazer esta revolta, Genaro? O lado de
Vulcano Brás sempre foi mais forte". Mas ele responde "A pior derrota
é daquele que não luta", acrescentando que "onde ninguém faz nada
contra Vulcano Brás só a vontade dele é a única que impera, e os que se agacham
permanecem assim mesmo o tempo inteiro, trabalhando, trabalhando, sem nunca ter
nada na vida".
Ainda hoje é
assim não só Sul da Bahia, mas em todo o Brasil: aqueles que trabalham na terra
só costumam se aposentar aos 65 anos de idade, isso quando conseguem apresentar
papelada reconhecida pelos sindicatos rurais que comprove o tempo de trabalho
na roça. Para ganhar salário mínimo.
O final
deste livro conta a batalha corpo a corpo entre os jagunços de Vulcano Brás e
os homens de vaqueiro Genaro e - ao contrário do que normalmente se dá na vida
real - a vitória dos explorados, apesar das baixas de lado a lado. A vitória
maior, porém, que se registra é da Literatura Brasileira que sai desse romance
mais enriquecida.
III
Nascido em
Itabuna, ao Sul da Bahia, Cyro de Mattos conhece bem a região que retratou em
seu romance. Foi ali que fez os primeiros estudos, concluindo o curso ginasial
no Colégio dos Maristas, em Salvador. Depois, fez o curso de Direito na
Universidade Federal da Bahia, concluindo-o em 1962. Hoje, é advogado
aposentado, depois de militar durante mais de quatro décadas nas comarcas da
região cacaueira na Bahia. Antes, atuou como jornalista no Rio de Janeiro,
passando pelas redações do Diário de Notícias, Jornal do
Comércio e O Jornal.
Contista,
ensaísta, cronista e poeta, é autor também de livros de literatura
infanto-juvenil e organizador de várias antologias. Já publicou mais de 50
livros e obteve numerosos prêmios literários. O principal foi o Prêmio Nacional
de Ficção Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras, para o livro Os
Brabos (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979), romance
elogiado por Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Alceu
Amoroso Lima (1893-1983).
Sua estréia,
porém, ocorreu em 1966 com o livro Berro de fogo e outras histórias,
em que já se anuncia a sua preocupação em denunciar "a decadente
engrenagem econômica cacaueira dominada pelo coronelismo", como observa
Nelly Novaes Coelho, professora titular de Literatura Portuguesa da Universidade
de São Paulo (USP), autora do posfácio que constitui um texto-homenagem aos 40
anos (1966-2006) da carreira literária do autor. Para a professora, "a
obra de Cyro de Mattos já conquistou seu lugar nos quadros da Literatura
Brasileira contemporânea".
Cyro de
Mattos está incluído na antologia Narradores da América Latina,
publicada na Rússia, ao lado do argentino Julio Cortázar (194-1984) e do
uruguaio Mario Benedetti (1920-2009), entre outros. Seus poemas foram incluídos
na antologia Poesia do Mundo 3, organizada por Maria Irene Ramalho
de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra, publicada em Portugal, que teve
tradução para o inglês.
Em 2010,
participou da Feira Internacional do Livro de Frankfurt, quando autografou a
antologia poética Zwanzig von Rio und andere Gedichte, publicada
pela Projekte-Verlag, de Halle, com tradução de Curt Meyer-Clason, tradutor de
Guimarães Rosa (1908-1967). E em 2013, esteve presente ao XVI Encontro de
Poetas Iberoamericanos da Fundação Cultural de Salamanca, na Espanha. Tem
livros publicados em Portugal, França, Alemanha e Itália.
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Os ventos gemedores, de Cyro de Mattos. Taubaté-SP: Editora LetraSelvagem, 208 págs., R$
30,00, 2014. Site:www.letraselvagem.com.br
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(*) Adelto Gonçalves é doutor em
Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os
vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora,
1981), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage - o perfil
perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Academia
Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), entre
outros. E-mail:marilizadelto@uol.com.br