RUY
ESPINHEIRA FILHO
De vez em quando o Brasil se toma
especialmente de amores pela falta de qualidade, e 2014 foi um dos anos que
mais se destacaram neste aspecto. No caso da poesia, por exemplo, foi
fenomenal. Entenda-se: no caso da falsa poesia – e até, com brilhantismo, da
não-poesia. Não vou citar nomes, não é necessário, quem acompanha o movimento
editorial sabe do que estou falando. Sim, porque todas as livrarias do país
receberam e expuseram em destaque essa infame mercadoria.
Belos e vastos volumes, precedidos de
muita propagada e aparato “crítico”. Ponho esta palavra entre aspas porque é o
que ela, no caso, merece. Aliás, o que há no país é ruindade crítica, tanto na
mídia quanto nas produções universitárias. Quando não é ruindade por falta de
talento, é ruindade por falta de caráter – que forma igrejinhas, máfias e
similares, nas quais vigora o elogio recíproco de seus componentes.
A crítica, na verdade, mesmo a melhor,
sempre deixa algo a desejar. Certa vez escreveu Jorge Luís Borges: “Sempre que
folheava livros de estética, tinha a desconfortável sensação de estar lendo as
obras de astrônomos que nunca contemplavam as estrelas. Quero dizer, eles
escreviam sobre poesia como se a poesia fosse uma tarefa, e não o que é em
realidade: uma paixão e um prazer.” Lendo isto, percebi, aliviado, que havia lido bem minhas estéticas
– sempre achando que ficavam distante da arte. Aliás, lembro-me agora de que
Rilke dizia que nada está mais distante da poesia do que a crítica.
E, no caso das tais publicações de
2014, essas “tarefas” foram particularmente infelizes. Os que não percebem que
a poesia é uma paixão e um prazer aproveitaram-se para babar suas tolices
recheadas de citações falsamente eruditas (porque, como não chegavam à poesia,
igualmente não chegavam ao verdadeiro sentido daquilo que tanto citavam). E
aqueles falsos poetas – e até não-poetas – foram atirados aos berros aos mais
influenciáveis, que os compraram aos milhares. E, claro, se tornaram leitores
ainda piores.
Crítica boa existe, mas não tem espaço.
Se a jogada é vender subliteratura, para que estragar o negócio expondo-o à boa
crítica? Citei Borges, vejamos Paul Valéry: “Entre esses homens sem grande
apetite de poesia, que não sentem necessidade dela e que não a teriam
inventado, quer a má sorte que se inclua um grande número daqueles cujo fardo
ou destino é julgá-la, discorrer sobre ela, estimular e cultivar o gosto por
ela; e, em suma, conceder o que não têm. Frequentemente, eles dedicam a isso
toda sua inteligência e todo seu zelo: o que nos faz temer pelas
consequências.”
Não há como não lembrar Borges e Valéry
ao ler certas coisas que vemos na imprensa, assim como certos estudos
universitários. Porque o que se dá de equívoco, de incompatibilidade com a
poesia, não é brincadeira. E, assim, a poesia digna deste nome, produzida por
poetas verdadeiros, é marginalizada, esquecida. E surgem nomes badaladíssimos
que na verdade são, em termos de poesia, autêntica escória. Resta-nos esperar
que o presente ano não nos traga tal tsunami de “poesia” e péssima e abominável
“crítica”. Porque já nos basta todo o resto que é tão desonesto, ai de nós!...
·
Ruy
Espinheira é um poeta dono de um lirismo que encanta e dá prazer em ser
lido. Doutor em Letras, cronista,
ensaísta, contista, romancista, membro da Academia de Letras da Bahia. Premiado em concursos de expressão nacional.
Com As sombras luminosas venceu o
Prêmio Nacional de Poesia Cruz e Sousa, da Fundação Catarinense de Cultura. E
com Memória da chuva conquistou o
Prêmio Nacional de Poesia Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores
(Rio).