A
expressão “arapuca” ,segundo o dicionário Larouse Cultural origina-se do
tupi e traduz “ armadilha para apanhar pássaros pequenos, formada por
pauzinhos cada vez mais curtos, dispostos e amarrados em forma piramidial”.
É assim – como passarinhos – que estão sendo tratados os motoristas que
transitam em algumas vias da querida São Jorge dos Ilhéus, cidade belíssima que
atrai a cada ano milhares de turistas de todo o Brasil, fascinados por sua
prodigiosa história e pelos encantos proporcionados por suas paisagens e praias
maravilhosas.
O texto de uma lei,
consoante o entendimento do jurista Humberto Ávila não passa de um ponto de
partida para que o intérprete construa a norma que vai incidir sobre
determinado fato social. O consórcio entre o texto e contexto é que vai gerar a
norma aplicável a determinado fato concreto . Com efeito, quando se trata de
disciplinar o trânsito, impõe-se admitir que o legislador buscou
teleologicamente a proteção e a segurança das pessoas, enfatizando o caráter preventivo
da legislação, no sentido de aumentar a segurança no trânsito, promover a
educação para o trânsito e assegurar a mobilidade e acessibilidade com
segurança de todas as pessoas da comunidade. Logo, ao sancionar o infrator
buscou a lei precipuamente fazê-lo refletir sobre o ato culposo ou doloso
praticado, aplicando-lhe a multa ou outras sanções prevista na legislação de
trânsito. Destarte, a sanção aplicada em decorrência da violação de alguma
regra de trânsito deve ter o caráter retributivo – o infrator deve sofrer
alguma restrição em seus direitos pelo mal praticado –, por exemplo, pagar a
multa, e também deve ser revestido do caráter educativo e preventivo, para
fazê-lo refletir e evitar que reincida, servindo de prevenção geral para os
demais membros da comunidade, como a dizer, se alguém praticar fato similar
sofrerá uma resposta coativa do Estado. Daí, porque em se tratando de leis de
trânsito, muitas cidades no Brasil, antes de colocar em prática determinada
regra de trânsito na cidade, promovem com certa antecedência uma campanha
educativa de conscientização para os condutores de veículos, como está
acontecendo atualmente em São Paulo, que está tentando conscientizar os
condutores de veículos automotores da preferência que deve ser dispensada aos
pedestres, quando estão atravessando a faixa branca nas ruas. Tudo isso
constitui educação para o trânsito. Após o esgotamento da campanha educativa
tem início a fiscalização rigorosa, todavia, antecedida de uma ampla
mobilização de consciência da população. Assim, o resultado alvitrado pela lei
certamente será alcançado, pois o objetivo não é punir por punir.
Na
cidade de Ilhéus ocorre precisamente o contrário. Os motoristas,
principalmente, turistas e oirundos de cidades vizinhas estão sendo surpreendidos
pelas centenas de multas de trânsito que estão sendo autuadas pela Secretaria
de Transporte do Município. O que chama a atenção é que centenas de pessoas
estão sendo autuadas sem saber o motivo ou sem ter a sensação de que esteja
infringindo algum dispositivo legal, ou seja, sem que tivesse agido com
imprudência, imperícia ou negligência, muito menos com dolo em violar qualquer
regra de trânsito, pois simplesmente são surpreendidos como passarinhos que
caem inocentemente numa arapuca. Alguns deles, ao trafegar numa via que
antecede a uma rodovia, onde 60 ou 70 km pode ser considerada uma velocidade
razoável ou compatível com o trecho,entretanto, sem que houvesse sinalização
suficiente ou adequada, são autuados porquanto uma placa “tímida” colocada
estrategicamente bem próximo do “pardal” indica que a velocidade máxima não
poderá ultrapassar 50km/h. Qual o sentido educativo de tais multas? A quem está
servindo essas multas? A resposta é simples. Esse tipo de multa não tem
qualquer caráter educativo e só contribui para afastar os turistas e pessoas de
cidades vizinhas da cidade de Ilhéus. O objetivo é simples: arrecadar por
arrecadar, punir por punir. Pode até servir imediatamente aos cofres do
município, mas mediatamente poderá se transformar num desserviço á população
ilheense e a todos que visitam ou passam por Ilhéus.
O que
se observa é que o Estado policialesco tenta sobrepor-se ao Estado Democrático
de Direito, no qual são assegurados aos cidadãos os direitos e garantias
individuais. Não somos simples súditos de um Estado autoritário que passa como
um rolo compressor sobre os direitos dos cidadãos. A nossa CF de 1988
estabelece no seu art. 5º que “ Ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal. Aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.O grito do cidadão
Ilheense, Marcio Madureira, que colou no fundo de seu carro “ Visite Ilhéus
e ganhe uma multa” não deve ser desprezado, pois ele representa a voz de
centenas ou milhares de motoristas que caíram nessa arapuca que a Secretaria de
Trânsito espalhou por Ilhéus, escondida em várias partes da cidade.
Na
verdade, contra o arbítrio do Estado, termo aqui empregado na sua acepção lata
-, compreendendo as várias esferas de poder – município, Estado, União e
Distrito Federal -, cabe ao cidadão bater ás portas do Poder Judiciário para
fazer valer os seus direitos. Pode-se adiantar que além da falta de sinalização
adequada em alguns lugares, a autuação dessas multas padece de alguns vícios
que ferem de morte o princípio da legalidade e da proporcionalidade. Portanto,
se você está inserido nessa situação, tendo sido surpreendido por essa forma
absurda e arbitrária de aplicação de multa, constitui um advogado ou se não
reunir as condições mínimas para constituir um advogado sem prejuízo do
sustento próprio ,procure a Defensoria Pública para fazer valer os seus
direitos junto a Vara da Fazenda Pública de Ilhéus, competente para apreciar os
pedidos de violação a direito individual perpetrada pelo Município Ilheense. O
Poder Judiciário é a última trincheira que o cidadão dispõe contra a
arbitrariedade do Estado. Não somos passarinhos para cairmos em arapuca, somos
cidadãos e o município de Ilhéus deve respeitar esse direito fundamental, que
nos diferencia como seres humanos.
MARCOS BANDEIRA