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digo da
pedra, “é uma pedra”
Digo da
planta, “é uma planta”,
Digo de
mim, “sou eu”.
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?
Fernando
Pessoa (Alberto Caeiro)
Pensando na
diáspora portuguesa e relacionando-a à diferença cultural dos povos falantes de
Língua Portuguesa, partirei da discussão do que considero ser resistência
colonial para, depois, verificar tal comportamento na ficção portuguesa
contemporânea. Antes, porém, farei breve
reflexão sobre a questão da identidade nacional.
É sabido que, nestes tempos, as
possibilidades comunicacionais têm contribuído para a reinterpretação de culturas e a reconfiguração das
identidades nacionais, através do seu imaginário. Em conseqüência, é notório o declínio das
identidades nacionais - em parte resultante dos efeitos da globalização,
responsável por certa homogeneização cultural; ainda, a resistência a essa
mesma globalização tem desencadeado posturas que fortalecem muito mais as
identidades locais. Além disso, a fusão entre as culturas dá lugar a novas
identidades.
Naturalmente que isto também
inclui os países de expressão em Língua Portuguesa que, conforme sabemos, têm se modificado não
somente por força da globalização, mas
principalmente devido ao processo de
descolonização e, evidentemente, à migração dos povos.
Ao estudar a
identidade cultural na pós-modernidade, Stuart Hall chega mesmo a afirmar que “as nações modernas
são, todas, híbridas culturais” (2000, p. 62), seja por tradição, seja
por tradução. Afirma, assim, que
não existem culturas puras, descontaminadas de influências: “em toda parte, estão emergindo identidades
culturais que não são fixas, mas que estão suspensas, em transição,
entre diferentes posições; que retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de
diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas
culturais” (2000, p. 88).
No que diz
respeito às nações de expressão em Língua Portuguesa - ressaltadas a referida
hibridização cultural e uma postura de resistência à globalização - temos que a
resistência se faz ainda em relação à cultura do ex-colonizador por força da
descentralização das identidades. Tal
reflexão sustenta-se no entendimento de nação,
não mais como uma entidade política mas enquanto “entidade simbólica”,
como um sistema de representação cultural.
As culturas nacionais constroem identidades ao produzirem símbolos e
sentidos com os quais nos identificamos e que estão contidos nas memórias contadas e nas imagens criadas sobre
uma nação.
A esses aspectos
das identidades pós-modernas, acrescento uma outra questão para a análise que
pretendo desenvolver: Se a desterritorização, ocasionada pela independência
colonial, provocou a revisão do entendimento de nação e de identidade cultural
nos descolonizados africanos, também a
provocou no cidadão português,
embora por outras perspectivas: inicialmente, em postura pós-descolonizadora,
em relação ao revisionamento do território de Portugal e, conseqüentemente, da própria identidade
nacional, enquanto “comunidade imaginada” (ANDERSON, 1983), em relação às
memórias e perpetuação das heranças no desejo de manutenção do território;
depois, em fragmentação identitária e deslocamento de focos, enquanto centro e
margem, quando as diferentes identidades não mais se alinhavam com uma
identidade mestra (leia-se ditatorial) na paisagem política portuguesa.
Se a identidade
muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, temos
que a transição de identidade, ocasionada pelas diferentes interpelações
do momento histórico, fortalece o aspecto político da identidade dos povos de
cultura expressada em Língua
Portuguesa. Nessa direção de
raciocínio, quero enfatizar que considero o trato do assunto - narrativas portuguesas - pela ótica de uma política da diferença e não da lusofonia, no
seu sentido hegemônico. Isto é: uma recusa de ver-se como o Outro - conforme
observa Kwame Appiah em relação às culturas da África (1997, 219). Um abandono
da idéia de dependência e submissão - como refere Homi Bhabha quando discute a
perspectiva pós-colonial (1998, 241).
Se, como
entendem os culturalistas, a diferença – que pressupõe a
descentralização do sujeito social - é a
marca das sociedades da modernidade tardia (segunda metade do séc. XX), penso que,
para os povos falantes da Língua Portuguesa, tal não é diverso, atravessadas que estão por divisões e
antagonismos sociais.
A diferença,
portanto, é o que vai singularizar as
diversas nações de Língua Portuguesa. Suas culturas, suas
narrativas. Nesse raciocínio, estou entendendo cultura no seu sentido largo, que não esbarra na visão
clássica (herança de tradições e costumes), mas se alimenta também das
vivências; melhor dizendo, que acrescenta
vivências à herança. Por isso é que pensar cultura provoca pensar a identidade
cultural, composta de múltiplas camadas
e entendida como intersecção de múltiplas influências que se moldam por um
senso de pertinência. Vale dizer, como
observa Homi Bhabha (1998), que “a cultura como estratégia de sobrevivência é
tanto transnacional como tradutória. Ela é transnacional porque os discursos pós-coloniais
contemporâneos estão enraizados em histórias específicas de deslocamento
cultural [...], é tradutória porque essas histórias espaciais de
deslocamento - agora acompanhadas pelas
ambições territoriais das tecnologias globais de mídia - tornam a questão de como a cultura significa,
ou o que é significado por cultura, um assunto bastante complexo”
(p.241). A partir desse lugar híbrido do
valor cultural (transnacional como tradutório) é que, aqui, discuto o literário.
Para dar curso a
essas reflexões, quando falamos de “narrativas portuguesas”, entendo ser
necessário pensar em nações de expressões culturais em Língua Portuguesa - seja
portuguesa, brasileira, asiática ou africana.
Tendo em conta a extensão e complexidade do tema, para essas considerações,
vou concentrar-me somente em Portugal e na sua ficção contemporânea.
A
pergunta que inicialmente se põe é: haverá uma forma de resistência colonial portuguesa?
Ë mais comum se
falar da resistência dos povos ex-colonizados, que resulta na retomada das suas
raízes naquilo que foi sufocado (embora, no entanto, não possa apagar algumas
assimilações oriundas da convivência com
a cultura branca). Tal resistência inclui os portugueses-africanos, como é o caso
do branco-africano Mia Couto, por exemplo.
Como é assim
evidente, a consciência crítica pós-colonial
dos países de expressão em Língua Portuguesa não pode desconhecer o fenômeno do hibridismo, resultante do “encontro” das referidas
culturas branca, indígena, asiática e negra, ao longo dos anos. Falo do processo de reciprocidade de
influências. Mas se há a presença branca
nas nações asiáticas, brasileira e africanas, há também a presença brasileira,
asiática e africana na cultura portuguesa.
Nesse
raciocínio é que aqui me ocupo de uma resistência
portuguesa. Dos processos de
hibridização antes mencionados, focalizo o da tradução, que “descreve
aquelas formações de identidades que atravessam as fronteiras naturais,
compostas por pessoas que foram
dispersadas para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retêm fortes
vínculos com seus lugares de origem e
suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado” (HALL, 2000, p. 88).
A resistência do
português decorre, então, principalmente, das identidades dos retornados daqueles que, de alguma forma,
vivenciaram o processo da guerra colonial, seja participando da guerra, seja
sofrendo as suas conseqüências, seja opondo-se ideologicamente a uma condição
política centralizadora. Quero com isto dizer
que se me detenho na expressão portuguesa,
considero, além da perspectiva da condição social dos retornados, a do foco
daqueles que experienciaram formas do processo colonizador de um lugar
português, entendendo com Said que “a cultura está na frente da política,
da história militar e da economia” (1995, p. 255). Faço-o, considerando aqueles
que imaginaram (ANDERSON, 1983) uma nova nação portuguesa. Portanto, estou aqui tomando resistência
como sendo uma postura de cultura
resultante das interinfluências entre esses povos (ex-colonizados e
ex-colonizadores) não somente no sentido político, insisto, mas também no
imaginado. A fusão entre as diferentes tradições
culturais, assim, funcionaria em várias direções, já que as marcas da
experiência histórica têm vários endereços (tanto para portugueses, como para
brasileiros, asiáticos ou negros) e estão relacionadas ao processo de
transnacionalização.
Assim, penso resistência
num sentido largo, na ultrapassagem da dicotomia do oprimido / opressor, para a
perspectiva das identidades deslocadas,
da descentralização do sujeito, do foco do poder. Proponho a ultrapassagem
do raciocínio de uma estrutura binária de oposição, na perspectiva
de um tratamento de hibridização de
reciprocidade tanto em relação ao ex-colonizado, como ao ex-colonizador, o que inclui a postura de resistência
aqui defendida, até mesmo em relação à imagem de nação, aos mitos criados, à
memória retomada.
Como disse, aqui
somente falarei de resistência em relação à ficção portuguesa e, dela,
do pós 25 de Abril no que diz respeito a África.
Se a
descolonização provocou nas ex-colônias africanas um deslocamento de
identidades, o retorno em massa a Portugal, ocasionado pela mesma
descolonização, desencadeou no povo português também mudanças. As identidades deslocadas, por vários apelos,
são dos retornados, dos ex-combatentes, dos ideólogos, das mulheres, dos
mulatos – filhos (as) de portugueses
(as) com africanos (as). Em razão disso é que, no palco social da
nação portuguesa, surgem novas identidades. A idéia é de um olhar deslocado do
centro para a margem e, nesse específico caso, do centro para o ex-cêntrico, dentro do local. Fortalece esse raciocínio o pensamento de
Boaventura de Sousa Santos, ao refletir sobre a utopia e os conflitos
paradigmáticos: “em vez da invenção de
um lugar totalmente outro, [...] uma deslocação radical dentro de um mesmo
lugar, o nosso. O objetivo dessa
deslocação é tornar possível uma visão telescópica do centro e, no mesmo passo,
uma visão microscópica do que ele exclui para poder ser centro” (1995, 325).
Com essas
reflexões, ao justificar a compreensão de uma forma de resistência colonial
expressa pela ficção portuguesa contemporânea, ocupo-me da geração que
vivenciou o 25 de Abril e depois o ficcionalizou (SIMÕES, 1998). Ou seja, aquela
que, por um lado, resulta de escritores que retornaram de vivências em África e
ficcionalizaram essas vivências; e a daqueles que reconhecem o respeito à diferença e
focam a história por uma ótica dessacralizante. Formas de resistência.
Resistência a um governo hegemônico, ditatorial; resistência ao mito do V
império.
Quero entender
que tal raciocínio conduz à segunda parte dessas minhas considerações,
com a pergunta: Quais os ecos de
resistência a uma postura colonial percebidos na ficção portuguesa
contemporânea?
Ao escrever
sobre a guerra colonial, sobre o processo desastroso da política de
descolonização, sobre a condição da mulher, sobre a situação dos retornados, o
lugar do sujeito assumido por esses
ficcionistas portugueses é sinalizador de estratégias de resistência. Tendo em conta a consideração de identidade
como processo dinâmico, tomo os mencionados grupos sociais da margem: retornados,
mulheres, ex-combatentes da
guerra colonial - identidades contraditórias (porque provenientes de diferentes
apelos) da mesma nação portuguesa, todos
de alguma forma relacionadas à mesma
situação política.
As formas de
resistência à postura colonizadora, assumida pela ficção portuguesa
contemporânea, podem ser vistas, assim, por um lado, por focos temáticos em
relação à questão identitária; por
outro, passa questões de discurso - pela
ironia, pela parodia, pela dessacralização dos mitos cultuados pelo
centro. Senão, vejamos alguns exemplos.
No primeiro
caso, dos focos temáticos, há que ser referido os horrores da guerra colonial:
a jovem geração de portugueses que ia morrer numa guerra com a qual não
concordava ou acreditava; dos povos africanos, desrespeitados e violentados na
sua cultura e no direito às suas vidas. Tal constitui grande parte da escrita
de João de Mello, de Lobo Antunes, de Almeida Faria, de Álvaro Guerra, dentre
muitos outros. A transição de
identidade é bem evidente e transparece, por exemplo, em Os Cus de Judas, de
Lobo Antunes, quando o narrador-personagem constata ter estado
“longe demais, tempo demais para tornar a pertencer aqui [...] flutuo
entre os dois continentes que me repelem, nu de raízes, em busca de um espaço
branco onde ancorar” (1979, 226).
Outro foco é o
questionamento identitário face a um regime de opressão colonialista e
ditatorial. Como ficcionaliza Teolinda
Gersão, em Paisagem com Mulher e mar ao Fundo, onde o narrador observa “o pavor de perder a identidade, de não serem
nunca mais eles mesmos, de se transformarem em objetos, manipulados, perdidos”
(1985, p. 74). Ou, ainda, Almeida Faria
na sua saga lusitana, quando os seus personagens, o português André, ou a angolana Sônia apresentam suas perspectivas da descolonização traumática,
admitindo que “a transição tem sido mais caótica, para não lhe chamar
catastrófica” (1987, p. 57).
Ainda a questão
dos retornados, quando, por exemplo, a personagem-narradora de Retrato dum
Amigo enquanto falo aborda as mudanças ocorridas na sociedade portuguesa
pós-74 e observa a situação de “famílias inteiras que se deslocam [...] e se
instalam sob as tendas ou dentro de roulotes” (DIONÍSIO, 1988, p. 32). Também
os personagens de Lobo Antunes, em Memória de Elefante (1983) ou,
depois, em Esplendor de Portugal (1997)
referem-se àqueles que transitam
de Angola para Lisboa, não mais pertencendo à primeira – “Angola acabou para
mim, não somente a Baixa do Cassanje [...] Angola inteira” ( 1997, p. 211),
mas, também, não estando integrados à segunda.
Resultam das novas diásporas provocadas pelas migrações pós-coloniais,
na condição de “homem traduzido”, aquele
que fala duas linguagens culturais.
Da perspectiva
das mulheres, de gerações e inserções sociais diferentes, a resistência se
apresenta relacionada à visão ou reposição da história. É o caso, dentre outros,
de Eva Lopo - personagem de A Costa
dos Murmúrios (JORGE, 1988) - que repõe a história do acontecido em Moçambique , durante a
guerra colonial: “o seu relato foi uma espécie de lamparina [...] que iluminou
[...] um local que escurece semana a semana, dia-a-dia, à velocidade dos anos”
(p. 41); ou Clara, de Paisagem com Mulher e mar ao Fundo, que considera
que “a felicidade não é posse de coisas, mas posse de si próprio – a posse do seu espaço dentro do
espaço dos outros - as pessoas sendo
finalmente arquitetos de si próprios” (GERSÃO, 1985, p. 80);
No segundo foco
(a forma de resistência relacionada a questões do discurso), a escrita irônica,
intertextual, que promove a
dessacralização dos mitos, é exemplarmente realizada por Almeida Faria, com O Conquistador
(1990), quando faz a paródia do mito de D. Sebastião, segundo o personagem
Sebastião, “aquele Rei com quem me orgulhava de partilhar o nome e que nasceu
quatro séculos antes de mim” (1994, p. 23);
ou por Lobo Antunes,
em As Naus (1988), quando
intertextualiza Os Lusíadas, de Camões, ao fazer do regresso das caravelas, o regresso
dos retornados das ex-colônias portuguesas, em postura dessacralizante.
Mais
recentemente, a resistência persiste na
insistência de alguns em não permitirem que a memória se apague ou que a
história se faça em branqueamento,
escamoteando as vozes de portugueses e africanos que resistiram, em
tempos, ao poder ditatorial e colonizador. O exemplo disso - conforme referi em artigo publicado no
JL, por ocasião dos 25 anos do 25 de Abrl (SIMÕES, 1999), foi a publicação,
pela editora portuguesa Caminho, da coleção Caminhos de Abril (1999),
integrada por onze títulos, dez ficcionais e um álbum fotográfico, quando dos 25
anos do 25 de Abril. Oito portugueses integram a coleção: Alexandre Pinheiro
Torres, Alice Vieira, Almeida Faria,
Carlos Brito, Manuel Alegre, Maria
Isabel Barreno, Mário de Carvalho e Urbano Tavares Rodrigues. Além desses, dois
africanos (o caboverdiano Germano
Almeida e o moçambicano Mia Couto) e um
brasileiro (Sebastião Salgado). Todos eles, portugueses ou filhos das
ex-colônias, vivenciaram o processo
revolucionário.
Essa
literatura alia o interesse pela comunicabilidade ao objetivo da
resistência. Exemplo disso é a linguagem
de Alice Vieira, em Vinte e
cinco a sete vozes, da referida Coleção Caminhos de Abril. Inserida no Portugal, escreve aos mais
jovens, utilizando uma linguagem que é
contemporânea dos seus pretensos leitores: expressões e gírias que aliciam a uma interação temporal. São sete vozes que respondem a uma entrevista
de uma estudante de mestrado, sobre o 25 de Abril:
Bruto
gravador, minha! Isso é para quê? Para
um trabalho que queres fazer? Desculpa lá,
mas
tu não tens assim muita idade para andares na escola. Para uma pesquisa? Uma tese?
Usas
palavras bué de finas. A minha setôra de Português ia gostar de te ouvir! Mas
afinal
a
pesquisa é sobre o quê? O nosso conhecimento sobre o 25 de Abril? Ihhh! Cá meu,
aviso-te
já, é muita pequenino. Comigo não de safas. (VIEIRA, 1999: 9)
Através das
entrevistas com pessoas de idades, profissões e condição social diversas, Alice Vieira vai esclarecendo coisas,
apontando situação cultural de um tempo
sem liberdade onde havia
"pancadaria dia sim dia sim" (idem: 31).
O conto Uma
Carga de Cavalaria, de Manuel Alegre é, ainda, exemplo disso.
Aborda o peso de uma prisão, ocorrida em 1963, através da leveza de um relato pelo viés do humor. Embora o foco situe-se dez anos antes do 25 de Abril, esse
texto escrito em 1999 tem a força do seu
discurso na expressão do humor que é, a um só tempo, trágico e cômico:
"devia vir de branco, de espada e a cavalo, porque Vossa Senhoria, meu
Capitão, vem prender um poeta e um poeta só pode ser preso assim: por um
oficial de cavalaria que não venha disfarçado de pide." (ALEGRE, 1999:
12). Evidencia a importância da mágica palavra do poeta: "fazemos do jipe um cavalo branco, tenho
esse poder, o poder das metáforas, posso transformar um jipe num cavalo branco,
infelizmente não posso fazer de si, assim vestido, um oficial de
cavalaria”(idem, 17). Porém, mais
que um texto de humor, o quê a leitura
ressalta é a importância da liberdade conquistada.
Temas
revisitados são, também, forma de resistência. Assim, se tomarmos esses textos portugueses mais recentes sobre o 25
de Abril, poderemos fazer a ponte com outros já lidos; poderemos comparar
discursos e abordagens, de certa forma iluminar textos mais recentes com os detalhes retidos na lembrança de outros
outrora lidos. Os escritores que
vivenciaram um tempo, escreveram antes e retomam o tema outra vez, esses, às
vezes, reiteram o antes contado ou desfocam, transformam, ou mesmo contam algo antes não contado. Reinventam outras estratégias de resistência,
inclusive não deixando apagar a memória
dos tempos de opressão colonizadora.
A condição
da mulher na sociedade é um dos temas revisitados. Quando, em 1968, numa
sociedade patriarcal e machista, Maria
Isabel Barreno escreveu De Noite as
Árvores são Negras, dizia em longo
monólogo sobre as convenções sociais onde a mulher era objeto de prazer sexual
e pertence do homem; pensa, pela boca da sua personagem, que "a sociedade
quer que tu fiques quietinha, que te cases, que tenhas meninos e não faças
barulho" (BARRENO, 1968:145). Retomando o tema em 1999, reporta-se à época, entretando buscando dar leveza à linguagem, inclusive tendo atenção com a rapidez do texto, declarando o cuidado em não abusar de detalhes "que não serão aqui
recordados, para não alongar indefinidamente este relato com muitas raízes no
tempo" (BARRENO, 1999: 10). O foco é do passado, mas a linguagem deixa
claro que esse é um tempo revisitado: "Onde começa uma história,
perguntava ela a si própria, onde estão as raízes todas do que aconteceu
hoje?" (idem, 52).
Esses textos
necessariamente não trazem todas as
sinalizações para a sua compreensão; a estratégia de resistência está em
provocarem indagações e necessitarem da história para construir uma resposta.
Essas reflexões
levam-me a concluir que, hoje, a resistência persiste, por várias acepções, nas
nações de expressão em Língua Portuguesa, o que naturalmente inclui
Portugal. O tempo alargou o entendimento
do que seja colonial. E, por isso mesmo,
fez mudar as formas das narrativas e as formas de resistência. Deslocam-se identidades. O que é fato é que as feições das nações de
expressão em Língua Portuguesa, cada vez mais, distanciam-se nos seus perfis:
independentes, próprios, diferentes.
Cada uma à sua maneira. Diferente. E ninguém pode provar que é mais que só
diferente.
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