Cyro de
Mattos
Fui a Salvador com Mariza para
assistir a posse do escritor Antonio Torres na Academia de Letras da Bahia. A
casa que abriga pessoas valorosas das letras e cultura na Bahia está instalada
no Palacete Goes Calmon, erguido na Avenida Joana Angélica, número 198, bairro
de Nazaré. O palacete tem como vizinho o prédio onde funciona a Faculdade de
Engenharia Mecânica.
Uma noite festiva, aquela em que
ouvi atento dois discursos revestidos de verdades e conteúdo humano significativo.
De dois escritores legítimos, que não
fazem da arte literária passatempo ou adorno. Antonio Torres mostrou ser humanamente
reconhecível nele o escritor que descreve a existência de pessoas simples e diz
da importância de ser gente. O
ficcionista e doutor em letras Aleilton Fonseca fez uma viagem de tranqüila navegação
pelas obras do romancista de Essa Terra. Ressaltou como é importante manter acesa a chama da
existência pela arte dos que emprestam a
palavra ao sonho. Necessário que sejamos atuantes para que essa corrente nunca
seja rompida, deixe de anunciar o fundamento da vida, para que assim seja lida nossa existência diante do mundo.
Prometi a Mariza que
íamos fazer no outro dia uma visita ao jardim zoológico. Transcorreram mais de cinqüenta anos desde que o jardim
zoológico fora inaugurado como um novo
espaço de diversão e lazer em Salvador. Logo depois de inaugurado fui conhecer aquele espaço cheio de bichos,
que eu só tinha visto no cinema. Era então um jovem vindo do interior, estudante
do Colégio da Bahia (Central). Tantos
anos, pensei, fui pela primeira vez visitar
o jardim zoológico. O tempo bebe os
dias, escorre e lambe. Como o vento, que esteve aqui nesse instante e
sumiu, a vida passa.
Quando lá cheguei,
dei pela falta dos chimpanzés, girafa,
leão, elefante. Bichos que conheci de perto quando visitei o jardim zoológico
naqueles idos de uma cidade tranqüila,
outra igual não havia para se viver. Chamou-me
a atenção agora algumas jaulas vazias
com o mato crescendo dentro. O zoológico não era como antigamente quando conheci.
Com pouca gente, nem parecia que fora um lugar alegre durante as
estações em que o sol brilhava radiante sobre todas as coisas. Ali aconteciam
cenas interessantes com os bichos. Umas faziam sorrir a quem visse, outras
encantavam gente pequena e grande.
A manhã prenunciava
chuva. Fazia frio, o céu estava coberto de nuvens cinzentas. Não liguei para o
tempo encapuzado. Interessava era a
natureza com seus habitantes da selva. Queria ver nossos parceiros da natureza desde não sei quando. Com eles, a vida apresenta-se menos incompleta. Corre na terra, pula no alto, voa por entre
verdes e azuis. Não estamos sozinhos no mistério da vida e da morte. Pena que o
bicho-homem não respeite a natureza,
hoje como ontem. Não poupa o verde, mata os bichos, numa sanha incontrolável.
A neta Marizinha havia me falado que na sua
visita recente ao zoológico de Salvador
tinha conhecido a tal da onça
lombo-preto. Um bichano enorme, que o vô
Cyro gostava de lembrar quando falava dos bichos que viviam nas matas virgens
do Sul da Bahia. Temida por todos os
bichos no tempo em que eles falavam.
A neta dissera a verdade. Lá estava
ela, a afamada e traiçoeira onça lombo-preto. A cara feiosa, pescoço de
bezerro, o pelo escuro como a noite apagada de estrelas. Deitada em cima da
pedra, aquele felino preto, parente
da onça pintada e da suçuarana, uma de
cor avermelhada, a menor das três.
Desconfiei logo dela, talvez se fizesse de mansa enquanto parecia dormir. Como o homem prevenido é valioso nessas horas de visões perigosas, caí fora de
perto daquela jaula onde a bichona sonsa parecia fingir que estava tirando uma
soneca. Puxei pelo braço Mariza, deixando para trás uns estudantes que
tomavam a lição sobre o bicho
com o professor magro, de estatura
alta, nariz de tucano, entre sério e
compenetrado.
Quando ela deu um esturro de repente, estremecendo tudo ao redor, o que
se viu foi gente correndo para os dois
lados. Disseram depois que o professor perdeu os óculos na corrida desabalada.
Eu já estava longe, acomodado numa barraca, na entrada do zoológico. Eu e
Mariza, calmos, fazíamos um lanche. Assim
abrigados, estávamos salvos de um ataque feroz daquele bicho
assombroso.
Dizem
os mais velhos que quando ela ataca crava os dois dentões
afiados no pescoço do escolhido para o almoço. Besta eu nunca fui para ficar perto do mais perigoso de nossos
felinos, que só investe contra a vítima pelas
costas. Só de ouvir seu esturro na mata
o caçador mais corajoso se borra,
faz xixi nas calças, bate o queixo como se estivesse com febre alta.
Fica todo ele amedrontado.
A neta dissera a verdade. Lá estava ela, o
pelo escuro, brilhoso, embora fosse parente da
onça pintada e da suçuarana. Deitada sobre a pedra, desconfiei dela,
fazia-se de sonsa. Como o homem
prevenido é valioso nessas horas de
visões perigosas, caí fora de perto daquela jaula onde a bichona parecia tirar uma soneca. Puxei pelo braço Mariza, deixei para
trás uns estudantes que tomavam a
lição sobre o bicho com o professor magro, de estatura alta, nariz de tucano, entre sério e compenetrado.
Quando ela deu um esturro de repente, estremecendo tudo ao redor, o que
se viu foi gente correndo para os dois
lados. Disseram depois que o professor perdeu os óculos na corrida desabalada.
Eu já estava longe, acomodado numa barraca, na entrada do zoo, fazendo um
lanche com Mariza. Assim abrigados,
estávamos salvos de um ataque
feroz daquele bicho assombroso. Dizem os mais velhos que
quando ela ataca crava os dois dentões afiados no pescoço do escolhido
para o almoço. Besta eu nunca fui
pra ficar perto do mais perigoso de nossos felinos, a afamada onça
lombo-preto. Só de ouvir seu esturro na mata
o caçador mais corajoso se borra,
faz xixi nas calças, fica todo ele amedrontado.