“Quero a certeza dos loucos que
brilham. Pois se o louco persistir na sua loucura, acabará sábio” (Raul Seixas)
Pense nesta história,
caro leitor: se o prefeito de uma cidade resolvesse homenagear a figura mais
popular de sua cidade e propusesse erigir estátua na praça, o faria com base
nos feitos do homenageado e no reconhecimento da comunidade, mas se os feitos
do homenageado não passassem de loucas e excêntricas manifestações, que o
homenageado fosse conhecido pelo apelido e não pelo nome de batismo, será que o
prefeito teria sucesso nesse pleito? Claro que não! Mas, se o homenageado fosse
Afrânio Batista Queiroz, maluco beleza itabunense, carinhosamente apelidado de
Jipe, claro que sim! Pois Jipe é a figura folclórica mais popular de Itabuna e
quem mais povoou o imaginário lúdico da criança daquela época, além de obter a
compreensão do adulto de seu tempo.
Não se sabe até onde
é lenda e até onde é fato: conta-se que Afrânio, jovem, pediu ao pai um Jeep
Willys de presente, o velho prometeu, mas não lhe deu, ignora-se o motivo do
descumprimento paterno, contudo, foi a gota d´água para o distúrbio mental de
Jipe. Daí em diante, ele proveu-se de apetrechos (rádio de pilha, lanterna,
retrovisores, antena, buzina, volante, caixa às costas, etc.), e, tornou-se um
homem-carro.
Com fôlego de
maratonista, Jipe percorria com seu “Jeep” imaginário, cidades circunvizinhas
de Itabuna, algumas com distância acima de 20 Km. Com uma caixa
cheia de apetrechos às costas, antena balançando da esquerda pra direita, pra
cima e pra baixo, rádio de pilha ligado em alguma FM ou AM, retrovisores
laterais, volante para manobrar o “carro”, lanterna, jipe é alegria da molecada
aonde vai. Quando chegava à cidade, percorria a rua principal, fazia
demonstrações de baliza na praça, parava quando alguém lhe oferecia combustível
(água) – não tomava bebida alcóolica, fiel às leis de trânsito.
A molecada fazia uma
festa quando Afrânio saía da cidade com o seu “Jeep”. Os moleques acompanhavam
Jipe com tampa (volante) de panela nas mãos, numa imitação hilariante, assim,
eles divertiam-se e divertiam a todos.
Suas aptidões de
chofer deixaram marcas na Avenida Cinquentenário, Jipe acompanhava os
automóveis com pensamento criativo nas manobras que deixavam as pessoas
embasbacadas, se ia estacionar entre 2 carros, ele fazia o movimento de baliza
com precisão de um piloto de Fórmula-1: colocava o seu “Jeep” à
altura do retrovisor do carro estacionado, dava uma ré em diagonal, ia pra
frente e pra trás no limite da vaga, puxava a “trava” de mão, dava-se por
satisfeito.
Jipe era um louco
talentoso, inteligente, instinto aguçado, criativo, feliz em seu mundo
imaginário, nunca fez o mal, alma pura, recolhido em sua ideia obsessiva,
perseguiu o objeto do desejo e o alcançou não do modo normal, concreto, mas do
modo imaginário, no mundo das ideias, lugar que somente os loucos têm acesso,
lugar que tudo é possível, lugar onde não há censura, não há proibição, lugar
em que o superego não decide e onde a fantasia é real.
O homem desde o princípio
do mundo investiga a mente humana, mas pouco evoluiu até agora,
fisiologicamente tem havido avanço, no entanto, existe ainda muito mistério. Há
um adágio popular que “cada doido tem sua mania”, o que é verdade, aí se
justifica o estereótipo de Afrânio Batista
Queiroz.
O modelo “Jeep” 1918
bateu o motor em 2010 e Jipe foi morar no céu e parodiando os versos do poeta
desconhecido, o destino de Jipe é viajar... Viajar na rua, na estrada, na luz,
no ar, nas estrelas, nos cometas, nos planetas, porque o signo de Jipe é
viajar, sempre aprender viajar... Jipe, o audaz, Jipe, o incansável, Jipe, o
maratonista, Jipe, o homem-carro... Seu destino é viajar, sempre viajar,
viajar, viajar, viajar...
Autor: Rilvan Batista de Santana
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