QUANDO EM VERSOS A VACA VAI PARA O BREJO
Florisvaldo Mattos
Nunca tive jeito para a sátira, gênero poético que requer, além
de fértil imaginação, vocação forte e iluminada; mas, talvez por ler
cotidianamente, no Facebook e no Gmail, versos satíricos de fecundos
epigramistas, como o paranaense Wagner Schadeck e os baianos Wladimir Saldanha,
Bernardo Linhares, Antonio Lins e Uaçaí Lopes, entre outros, e por estar
diariamente sob a carga noticiosa da guerra travada entre PF e prósperos
frigoríficos, na operação Carne Fraca,
hoje, como Oscar Wilde, não consegui me livrar de uma tentação, mas aqui a de
presunçosamente transitar pelos prados da poesia satírica. Então, peguei papel
e caneta e escrevi, de um só fôlego, este soneto abaixo, em modelo inglês, com
versos entremeados de rimas toantes e consoantes, supostamente satírico, mas,
para mim, apenas bucólico, com laivos de sátira, abordando o tema da pecuária
quando alimentadora não de riqueza, mas de desilusão. (Meti-me certa feita em
mal-amanhado casaco de pecuarista). Vai abaixo. Se saiu mais para um
escorregão, peço desculpas aos amigos leitores e aos laureados epigramistas.
Aproveito, peço licença ao grande satírico
Pinheiro Viegas (1874-1937) e vou ali na esquina pegar o bonde, com a turma da
Academia dos Rebeldes...
DE MAL COM A PECUÁRIA
No
caminho da serra estava eu; eu,
Mirando ao longe os altos verdejantes.
À noite ali verdejam pirilampos;
De tão doce, embaixo, a água é quase mel.
Levei
tempos ali, pensando grande,
No torto plantar de sonho e ilusão.
Alguém para e me diz: “Não seja insano!
Satanás só franqueia a contramão”.
Tapei
ouvidos, olhos fechei, fui
Em frente, a deslumbrar-me pelos pastos
Com as fosforescências de um sol vacum,
Mais deslumbrado quanto mais sonhava.
E
me perdia após na noite vária,
Encantado com a palavra pecuária.
(Florisvaldo Mattos. SSA/BA, 23/03/2017)