BUERAREMA FALANDO PARA O MUNDO - Antônio Lopes


BUERAREMA FALANDO PARA O MUNDO - Antônio Lopes



BUERAREMA FALANDO PARA O MUNDO

Antônio Lopes

Nos anos cinquenta, Buerarema só tinha um telefone, preto, pesado, com uma espécie de manivela para dar corda ao bruto. Era dos Correios, cujo agente, seu Paulo, o usava a fim de gritar para Itabuna um ou dois telegramas mensais.  A essa época, Manuel Lins, cronista e futuro professor de Direito, exercitava sua ironia, copo de cerveja à mão, no bar Pingo de Ouro, à passagem de seu Paulo: 
– Ali vai o homem mais invejado de Buerarema... É o único habitante deste burgo cinzento que telefona. O único!
Tal lembrança me assalta quando recebo, não sei o porquê, um manual da Embratel que se diz “para facilitar a vida das pessoas que têm um pedacinho do coração no exterior” (ai que poético!). Não tenho. Nada me liga ao exterior, nunca ultrapassei a fronteira do glorioso Estado do Ceará e, para ficar parecido com o detestável Nelson Rodrigues, digo e provo que fora de Buerarema já me sinto no estrangeiro.
Concluo que a remessa deste opúsculo (epa!) foi feita por engano, pois não sou cliente de tamanha importância. Penso que a Embratel deveria proceder conforme os bancos, separando os clientes segundo um eficiente critério de mais-valia: se o cara tem conta polpuda, bom saldo médio e algum dinheiro aplicado, o gerente é todo gentilezas, como-vai-como-passou, salamaleques, cafezinhos, rapapés e curvatura de espinha dorsal:
– O distinto, como está? Melhorou da próstata? E a patroa, ainda está com aquele panarício?
Mas se você é um desses brasileiros que têm conta bancária apenas para passar cheques sem fundos, mesmo se for atropelado pelo gerente vai continuar solenemente ignorado. Quer dizer: quem não tem dinheiro ainda corre o risco de ficar invisível e imponderável, prova de que a desgraça costuma andar em más companhias.
Minha conta telefônica, irmã gêmea da bancária, é magrinha, esgrouviada, o ruído do telefone me irrita, me deprime, me faz  imaginar notícia ruim, penso que por ali não pode vir nada          que preste. Quem presta mesmo é Drummond: “Ao telefone, perdeste muito, muito tempo de semear”.
Mas me valho do equívoco, divirto-me ante a possibilidade de telefonar para estranhas gentes, em estranhos lugares – Tortola, Nevis, Guadalupe – com grande desconto, desde que minha arenga internacional seja aos domingos. E me imagino abrindo o manual na página dos países de nomes estrambóticos, pernas cruzadas sobre a mesa, telefone colado à orelha, voltando à Buerarema de 1956:
– Ah, se seu Paulo me visse agora!...
                                                                                    
(Buerarema falando para o mundo.
Ilhéus: Letra Impressa/1999 – pág.142