ENTREVISTANDO NOSSOS ACADÊMICOS – Antônio Lopes


ENTREVISTANDO NOSSOS ACADÊMICOS –
ANTÔNIO LOPES – Cadeira n. 21

Quem é o entrevistado analisado sob sua própria ótica?

Segundo o filólogo carioca Sérgio Pachá, Antero de Quental, acometido de “atassalhante angústia metafísica”, alta hora da noite, bateu à porta de um amigo e ao ouvir a pergunta “Quem é?”, respondeu: E eu lá sei quem sou?!” Por certo, não sei quem sou, embora tente me conhecer. Imagino ser, nesta quadra da vida, alguém que procura tolerar e ser tolerado, mas sem abusar da tolerância dos outros e sem perder a capacidade de indignar-se e denunciar as iniquidades, que, infelizmente, parecem próprias do ser humano.

Quando começou a escrever e como define sua preferência literária para criar?

Creio que comecei na escola, o velho Ginásio Henrique Alves de Buerarema. Não sei se tenho alguma criação propriamente “literária”: sou jornalista e é nesta condição que vejo e registro o mundo que me cerca, às vezes com ternura, outras com estricnina e vitríolo. Minha “literatura” é gestada nas páginas do jornal, quase sempre produzida sob a pressão da hora do fechamento.

Seus textos são produzidos com facilidade ou demora algum tempo, reescrevendo-os?

Telmo Padilha, espécie de irmão mais velho, foi o primeiro a dizer que eu era rápido para escrever. Mas creio que bom mesmo é produzir rapidamente e guardar para o dia seguinte (se possível para a semana seguinte). Com desculpas pelo lugar-comum, o texto é como receita de bolo: precisa “descansar” para chegar ao ponto.

Qual o processo de criação dos seus textos? De onde vem a inspiração?

Não vem. Sou um tanto preguiçoso, costumo fazer o que gosto, o que me diverte. Só dou ao público o que eu daria a mim, se não me agrada, não agradará a esse ser em extinção chamado leitor. Afora isso, é a pressão: se é para fazer, eu faço.

Qual a obra predileta de sua autoria? Lembra de algum trecho?

Gosto muito do epílogo de Solo de Trombone (Editus/Uesc-1999), a chegada de Alberto Hoisel ao céu, em que faço uma citação de Manuel Bandeira. Era um desafio como encerrar o livro – e algumas pessoas aprovaram essa solução. Acho que, num processo inverso, fui influenciado pelos leitores e “adotei” esse capítulo... Vá lá o finalzinho:

Com passos firmes, tomou o caminho de casa, na mão direita uma caixa de bombons pras “crianças”, na esquerda um poema recém-feito, último pedido de desculpas a D. Ivany, por mais um atraso “involuntário”...
Chegado em casa são e salvo, cantou, contou piadas, sorriu, deitou, morreu e subiu aos céus, onde foi recebido por um São Pedro bonachão, tendo na boca risonha um verso de Manuel Bandeira:
 – Entra, Alberto. Você não precisa pedir licença...

Sem preocupações cronológicas e de estilo literário, quais os seus autores favoritos?

Volto sempre aos mesmos autores: Machado de Assis (acabo de ler/reler, presente de minha filha, 50 Contos, selecionados por um crítico americano), os contos de Sagarana (Guimarães Rosa), Gabriel Garcia Márquez, Graciliano Ramos, José Cândido de Carvalho (perdi as contas de quantas vezes li O coronel e o lobisomem), leio os estrangeiros, Greene, Hermann Hess, Dostoiévski, li o espanhol Carlos Zafón (A sombra do vento), leio os franceses, leio policiais, leio tudo que me cai às mãos. Uma falha grave de minha formação é que não sou constante leitor de poesia.

Cite um autor que influenciou ou mudou sua forma de ver o mundo.

Penso que José Cândido de Carvalho (O coronel..., citado acima), Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), Nelson Rodrigues (o cronista) são nomes que formaram esse meu jeito de ver o mundo pela ótica do engraçado, da ironia, do ridículo. Acho que a vocação de panfletário foi despertada por David Nasser.

Há quem diga que os poetas são loucos e sonhadores. Qual é a sua opinião pessoal?

Poetas são... poetas. São estetas, pessoas com um imenso sentido do belo, mas quase sempre também de olhos abertos para captar as injustiças que nos pressionam. Ter sobre os ombros as dores do mundo não é loucura nem sonho, é compromisso de poeta.

Tem obras publicadas ou só publica em blogs, jornais e revistas?

Tenho quatro livros publicados

Encontra dificuldade para publicar e divulgar seus trabalhos?

Apesar das folclóricas dificuldades de que tanto se fala, não me queixo. Encontrei mais facilidades do que esperava ou mereço. Meu primeiro livro foi publicado por iniciativa de dois escritores consagrados, Cyro de Mattos e Jorge de Souza Araujo; dos outros foram feitos pela Editus (Editora da UESC), não há o que reclamar, considerando minhas limitações de jornalista de província.

Qual a sua opinião sobre a publicação digital (e-book), hoje tão atual?
Não participo de edições desse tipo, mas entendo ser um meio inteiramente válido, talvez o formato mais popular dentro de alguns anos.

A internet fez surgir mais escritores. Houve realmente a democratização da literatura?

A internet abriu espaço para mais escritores, sim. Não saberia dizer se isso é democratização ou massificação. Continuo pensando que o mundo precisa mais de leitores do que de escritores.

Tem prêmios literários?

Não. Nem vejo minha “literatura” em condições de disputar nesse campo.

Com a sua experiência que conselho daria a alguém que começasse a escrever nos dias atuais?

Não conseguiria dizer nada novo. Para manter a coerência, diria ao iniciante que, se quiser escrever, leia, leia, leia. Se depois disso a vontade não passar, deve escrever. Escrever para ele mesmo, não para o público. O escritor é seu próprio leitor – o público é consequência, e isto não é desrespeito ao público, é o contrário.

O que acha imprescindível para um autor escrever bem?

Não sei, mas certamente não é conhecer gramática – se fosse assim, todo filólogo seria ficcionista. Talvez seja essa coisa vaga chamada... talento.

O escritor só se considera um escritor de verdade quando publica um livro. Por que a internet não traz esse sentimento de realização para o escritor?

Creio que é pelo que você acaba de dizer: publicar na internet não é o mesmo que publicar em papel.  Livro tem cor, cheiro, peso, é uma coisa boa pra se botar debaixo do braço (a chamada “cultura axilar”).  A ausência dessa magia ancestral do livro frustra quem publica na máquina. Penso que é isso.